quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Natal 2013, perdão, 2013 Natais!

É Natal. Perdão, foi Natal ontem, porque hoje é 26, dia de Santo Estevão que foi o primeiro mártir cristão, apedrejado por aqueles que não lhe perdoaram o seu proselitismo, não lhe dando tempo para ele próprio perdoar quem o martirizou. E o Menino que nasceu ontem, com o ADN que lhe tocou, estaria já a congeminar a forma de perdoar a quem pensou calá-Lo só porque decidiu mudar este Mundo.
Sugeriram-me que tratasse este Natal com ironia; sentei-me a escrever com esse propósito, não fui capaz, e penso que já todos perceberam que onde quero chegar é ao perdão, palavra de fácil pronúncia, igualmente fácil compreensão do conceito, mas muito difícil de levar à prática como programa.
 

Ontem, por ser Natal, e porque vi ultimamente na televisão dois filmes relacionados – “Maria de Nazareth” e “A Bíblia” -, durante os quais assisti a uma multidão enfurecida suspender, perdoando, a lapidação de Maria Madalena, e ao nosso Diogo Morgado, circunstancial Cristo, a perdoar os seus algozes porque não sabiam o que estavam a fazer, resolvi finalmente perdoar a todos, sempre com um olho na reciprocidade.

 

Assim, começo por pedir perdão ao dito Diogo Morgado, porque escrevi há tempos, por inveja, que ele era muito credível no papel de Jesus Cristo, principalmente depois de morto, e perdoo àqueles que, por motivos promocionais, fizeram descer a imagem de um “Smurf” (proximamente nesta rede!) durante a cena do filme “A Bíblia”, na qual os Apóstolos reunidos esperavam a descida do Espírito Santo. Gato por lebre!
 
Perdoo os autores dos relatórios dos swaps, dos bombeiros mortos este Verão, e da queda do avião da LAM, porque sei que as suas conclusões vão servir para perdoar políticos, banqueiros e seguradores profissionais, e banqueiros e seguradores amadores que já foram políticos. Seria um desperdício perdoar os que já não contam, vivos ou mortos que sejam.
 
Lamentando que Cristo não tenha sido perdoado por ter expulso os vendilhões do templo e por ter anunciado a destruição do mesmo, quero perdoar aqueles que programaram a destruição do edifício das nossas certezas, não deixando pedra sobre pedra, e que permitem aos negociantes da nossa desgraça, manter aberta a lucrativa banca onde depositamos as nossas almas em troco dos tostões com que nos matam a fome.
 
Durante o Angelus, na Praça de São Pedro, Francisco chamou a atenção para a banda de tecido branco que rezava:
 
 “I Poveri non possono aspettare!” (Os Pobres não podem esperar).
 
Embora seja Francisco o homem bom que quase todos reconhecem, não me pareceu vislumbrar no seu gesto o mais pequeno perdão para Barrabás.
 
Ao ler o nome Galilei Saúde, envergonhado no rodapé de um exame médico, lembrei-me de perdoar, num gesto magnânimo, tanto os bons como os maus ladrões: os primos zangados, “o aguenta! aguenta!”, os rebentos da Goldman Sachs, os filhos putativos da troyka, que seriam os bons, metendo-os no mesmo saco dos mentores do BPP e do BPN (SLN agora Galilei- há sempre uma tábua de salvação), quais Donas Brancas apresentáveis e com amigos nos lugares mais altos da Nação (ainda o é?), que seriam, digamos, os maus. Sem qualquer rancor.
 
Perdoar Bagão - que nos quer convencer que a nossa palavra "desenrascanço" faz muita falta aos anglo- saxónicos - e César das Neves – amigo dos “pobrezinhos”enquanto tiverem salários de miséria -, que continuam a debitar-nos os ecos das sacristias impermeáveis ao pensamento de Francisco. Perdoar Soares, o laico, e Freitas, o católico que, afinando pelo mesmo diapasão, dizem agora aquilo que os ignorantes e néscios sempre disseram; que o templo vai cair e que o Rei vai nu! Perdoar insignes e mediáticos economistas, de Lourenço, o Vingador, que continua a defender a justeza dos princípios caducos da ciência económica, a Ferreira, o Reciclado, que desceu até ao Sénior (jornal dos velhinhos a quem roubaram as reformas), para nos convencer da bondade da austeridade que, segundo ele (agora) foi o remédio justo para sair da crise, só não tendo resultado mais cedo porque o Tribunal Constitucional cumpriu a sua obrigação. Mal, segundo ele.
 
Não me compete, nem tenho de perdoar, mas aplaudo o perdão que o Senhor Ministro da Administração Interna concedeu ao ex-Director da PSP, “culpado” do triste episódio das escadas de S. Bento - uma espécie de “secos e molhados” em tempo de lei seca -, tendo-o remetido para Paris com cerca de duas dúzias de salários mínimos nacionais.
 
Perdoo sinceramente a revista Exame por ter eleito uma empresa compradora de ouro como a melhor PME do país, tanto mais que empresas do mesmo ramo estão a fechar, talvez devido ao facto de já não termos mais nada de valor para vender. No meu prédio, o boneco dourado sem cara em fundo verde (esperança), que nos convidava a entrar para deixarmos os anéis, deu lugar a uma Bodycare muito atractiva, onde cuidar os dedos entre outras coisas, como a depilação completa masculina. Entrarei um dia destes.
 
É tal a minha ânsia de perdão que, tendo ouvido ultimamente duras críticas ao Papa Francisco pelo seu perigoso populismo, quero desde já perdoar àqueles que, invocando que Santa Marta era irmã de Maria Madalena, comecem para aí a insinuar que o Papa sul-americano (o próximo será negro! ouvi eu) prefere habitar numa casa, cuja patrona tem esqueletos no armário, que viver protegido no seu apartamento de função na ala direita do Vaticano.
 
A propósito de Francisco, gostaria que me perdoassem o meu desejo de, tal como Jesus Cristo ordenou a Lázaro: - Levanta-te e anda!, este repetisse a mesma frase a todos os espoliados e humilhados deste mundo, em nome da freenança. Mas temo que a cólera, mesmo legítima, seja imperdoável.
 
Quero firmemente perdoar à Europa o facto de existir quando isso convém à Alemanha, e de se dissimular, camuflando-se, quando os interesses são outros. Por exemplo: a natural porta de entrada do Velho Continente para todos os refugiados africanos e médio-orientais é a Itália que, por força dessa predisposição geográfica e por incapacidade organizativa, tem essa imensa massa de infelizes amontoados em locais que não é um exagero denominar “lagers”. Agora que umas dezenas desses desesperados e maltratados“hóspedes” coseu literalmente a boca com agulha, linha e dedal, em sinal de protesto, estou mesmo disposto a perdoar a Itália por incapacidade, e a Europa por cinismo e hipocrisia.
 
Desejo ainda perdoar todos os fiéis de balança que, por estarem ao serviço de entidades com peso, são tarados para afixarem resultados enganadores. Que servem os seus interesses e, principalmente, os da sua Família.
 
E também aqueles que não suportando desvios a regras precisas de vestuário na corte do faz de conta, votam ao ostracismo todos os que não usam avental, incluindo aqueles que não sabem cozinhar.
 
Por último, perdoo todos aqueles que se apresentaram no funeral de Mandela, ou dele escreveram rasgados elogios fúnebres, por oportunismo político, fingindo que se adaptaram aos novos tempos.
 
Acabo pedindo humildemente perdão pela minha incapacidade de Vos transmitir um texto tranquilo de Natal, como todos desejariam, e mereciam, coisa que não perdoo a mim mesmo. Bom 2014, malgré tout!

Lisboa, 26 de Dezembro de 2013.
Octávio Santos
 


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Blogue obrigatório às Quintas.


É duro entrar na reforma porque passas a ter obrigações a que não podes faltar. Não pelos outros, mas por ti próprio. E esta do texto para o blogue todas as quintas-feiras, fez com que me sentasse às 21.45 para escrever o de hoje antes que batessem as badaladas da meia-noite. Síndrome de Cinderela, digamos. Tenho sorte porque, aquilo que já me tinha sido sugerido, isto é, escrever textos mais curtos, foi-me agora amigavelmente aconselhado. E eu, na boa! Basta-me então discorrer sobre meia dúzia de pequenas coisas que me chamaram a atenção durante a semana, e já está!

Sentado no Clube 7 à espera do Bernardo, peguei no livro “A Galeria dos Espelhos”, de Pierre Daninos, numa edição portuguesa de 1984, encontrando entre as páginas 38 e 39, um bilhete de comboio obliterado, de V. Franca 2 a Lisboa P, com o número 09787, no valor de 110$00, e datado de 23.04.45. Como é que um pedacinho de papel com 6,5 por 3 cm, com 68 anos,  apareceu entre as páginas de um livro com somente 29?

Se conhecesse a resposta teria entre as mãos o argumento para um conto, talvez mesmo um romance.

Fazendo zapping diante da única janela das nossas casas que, nos dias de hoje, tem sempre qualquer coisa de extraordinário que nos prende, sejam magias ou misérias, caí exactamente sobre estes dois conceitos, já que se falava sobre Fellini e Pasolini, ambos génios da 7ª arte: o primeiro que tornava mágicas mesmo as imagens mais miseráveis, o segundo que fazia mísera a mais sublime magia. Simplesmente passavam para a película as suas próprias vidas.  Pensando nestes dois, já não sei se o feio oprime e o belo redime; as grandes verdades escorrem-me por entre os dedos como grãos de areia.

Alguns dos meus textos – aqueles que expedia regularmente a colegas e amigos – foram considerados quase  blasfemos  por leitores mais biqueiros, e cheguei a estar de acordo com eles; por vezes exagerava!  Mas agora que ando a folhear livros onde quer que os encontre, não raro os olhos me caem sobre palavrões gratuitos,  obscenidades soezes, banalidades confrangedoras, diálogos dignos da “Casa dos Segredos”, sinto-me em paz comigo mesmo, embora com cerca de mil exemplares não vendidos em casa. E com a televisão sucede o mesmo. Ainda na Segunda-feira, no “5 para a meia noite”, o Bóinas, que até é um rapaz inteligente e com piada, nos brindou com algumas facécias, no mínimo indignas de uma rede pública nacional. A uma actriz do filão pornográfico do cinema português, perguntou se alguma vez se engasgara na repetição de certas cenas. A alarvidade passou a virtude? Ou será que  quem a não tem não a merece? Apresentando um motard francês de nome Eric, que corre o mundo na sua Harley, mostrou-nos uma das suas fotos tiradas algures na Indonésia: um indígena confortavelmente sentado, esperava que o homem que estava assando numa fogueira estivesse no ponto justo. Bem ou mal passado, perguntou o Bóinas. Mas, dulcis in fundo, o melhor  foi a extraordinária piada sobre o funeral de Mandela, quando referiu que alguém não conseguiu ficar numa foto com o extinto porque este estava num ângulo morto. Que bom gosto!

Perguntei uma vez ao José Rodrigues dos Santos, na piscina do Hotel Pestana na Cidade da Praia, porque é que os programas da televisão portuguesa, pública e privada, eram, geralmente, de tão fraca qualidade; respondeu-me que tem de se dar ao público aquilo que o público gosta. Percebi que ajudar alguém a salvar-se das areias movediças, era pecado em Portugal.

Fiquei feliz de ver no El Corte Inglès um grande corner da Bordalo Pinheiro, precisamente em frente daquele da espanhola Becara, que encerrava a sua actividade em Portugal. Não pensem que a minha felicidade era fruto de qualquer reminiscência dezembrista velha de mais de 3 séculos, mas sim porque me lembrei de um texto que transmiti aos colegas em 11/02/2009, após um “Prós & Contras”, o qual continha o germe da salvação da prestigiosa fábrica das Caldas da Rainha. Texto que, na sua brejeirice cheia de duplos sentidos, é de uma elegância absoluta em confronto com muito do que nos metem diariamente diante dos olhos, para ler ou ver. O texto intitulava-se “Solução orgulhosamente nossa para a crise” e gostaria que o lessem, ou relessem, pois que nunca foi publicado.

Em matéria de literatura perdi o comboio, já que nunca escrevi aquilo que as pessoas “normais” gostam de ler.

Dizia o meu Pai que, se um dia eu montasse uma fábrica de bóinas, as crianças passariam a nascer sem cabeça.

Abraço

Lisboa, 19 de Dezembro de 2013
Octávio Santos

 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Robben Island - Cela 5 - Prisioneiro 46664

 

Sendo o tema desta semana quase obrigatório, era minha intenção escrever sobre Nelson Mandela qualquer coisa de original, não banal, digamos sob outro ponto de vista que não aquele laudatório que nestes dias de luto inundam os meios de comunicação social. Mas para escrever sobre o último dos justos é necessário ser digno dele, o que não é o meu caso, decidindo assim debruçar-me sobre outros assuntos dos quais tomei notas nos últimos dias, temendo desiludir quem espera a minha habitual irreverência, o ataque cerrado, a expressão da cólera legítima, pois que, agora que já não tenho razões para ter medo, tal me parece um desperdício de energia que não vale a pena, até por falta de adrenalina. Mas não pensem com isto que, se hipoteticamente encontrar algum dos coveiros desta nação, correrei a apertar-lhe a mão. Já não sou obrigado a fazê-lo como o fiz algumas, poucas, vezes por obrigação institucional.
Obrigação institucional que leva o Presidente da República a Joanesburgo, cumprindo a sua obrigação em nome do povo português com, mais uma vez, a convicção que nunca se engana e raramente tem dúvidas, ou vice versa, tal como em 1987, quando Primeiro Ministro, levou a sua pátria a votar como votou - diga o Embaixador António Monteiro o que disser -, bem acompanhado pelos Estados Unidos e Reino Unido, uma resolução das Nações Unidas que incluía o destino de Nelson Mandela. Viajará bem acompanhado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ficando todos nós a rezar para que este fale o menos possível. E digo isto sem qualquer azedume; alguma coisa já aprendi com a morte deste homem, que quando o libertaram, preferiu a reflexão à cólera.

Mas, apesar desta minha aquietação interior, não posso deixar de referir a carta de um tal Senhor Carlos Paz ao Professor João César das Neves, apostrofando-o pelas suas infelizes declarações, estranhando eu não ter lido nada sobre a afirmação do Dr. Bagão Félix, que disse que “a austeridade não é incompatível com a compaixão social”. Que os pobrezinhos têm direito à compaixão dos que têm a felicidade de o não serem, já sabíamos ser lema de certas sacristias que ambos frequentam. Que não são as de Madiba nem de Francisco.

Impressionou-me também a notícia que uma das quatro medalhas de ouro que Jesse Owens ganhou nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936, tinha Mandela 18 anos, foi vendida a um coleccionador de Los Angeles por 1,4 milhões de U.S.$. Agrada-me pensar que foi aquela do salto em comprimento, já que a venceu contra o alemão Luz Long, vencedor designado pelo regime nazi, e como tal hostilizado na sua terra após a “vergonhosa” derrota, o qual, tendo falecido em combate na Sicília, onde está sepultado, deve ter sabido lá, onde está, que o seu adversário deu apoio financeiro à sua indigente viúva até à sua (dele) morte em 1980. Owens, negro como Mandela, Martin Luther King e o seu “Filho” Barack Obama, e americano como estes dois. Tudo se encaixa e faz sentido.Quem lê muitos livros sabe que é raro acertar dois de seguida. A semana passada referi “O Anjo da Tempestade”, de Nuno Júdice, que tanto me impressionou, e hoje não posso deixar de vos aconselhar “Um Mundo Iluminado”, de Hubert Dreyfus & Sean Dorrance Kelly, livro “fascinante”, “surpreendente”, “desconcertante”, “exigente e belo”, “obra inspiradora extremamente inteligente” e “marco na filosofia do futuro”, e tudo isto foi lido nas badanas e na contracapa, de onde transcrevo esta apreciação: “Vivemos num mundo desprovido de heróis ou referências. O panteão dos deuses gregos é hoje uma curiosidade histórica, e o Deus omnipresente da Idade Média já não nos comanda as acções. Onde encontrar, então, um sentido para as nossas escolhas? Para a nossa existência?”. Na última página li, escrito a lápis por alguém que o leu antes de mim, “não pensar tanto aquilo que se faz, mas sim aquilo que somos”. Novamente me lembrei daquele Príncipe Xhosa cujo nome original significa na sua língua “aquele que trará sarilhos”, levado agora a enterrar acompanhado por mais cabeças coroadas que qualquer casamento real europeu nas últimas décadas.

Domingo e segunda-feira vi na RAI1 os dois episódios de um filme intitulado “Maria de Nazareth”, sobre a vida da Mãe do Homem que, sendo também ele portador de “grandes sarilhos”, deu a vida para a salvação de todos nós. Dirão alguns, que é fácil deixar-se sacrificar, após ter estado detido por uma semana, quando se tem a certeza de ressuscitar no 3º dia. Nelson Mandela, esteve preso 27 anos em Robben Island, 18 dos quais a partir pedra, com a certeza que não ressuscitaria no 3º dia, nem isso seria para si uma vantagem, pois que, aquele que fez suas as palavras de Ibsen “um povo ignorante é facilmente domesticável”, não gostaria de saber que o seu país é aquele que, depois do Brasil, apresenta maiores desigualdades sociais, que a economia se encontra ainda hoje, maioritariamente, nas mãos do brancos afrikaners, que há fundadas dúvidas sobre a boa governação, temperada de questões morais, de quem tomou o poder na ANC, que a África negra não terá salvação por estes tempos mais próximos, e penso na República Centro Africana, no Mali, na Guiné Bissau, no Chade, na Somália, em Moçambique, para falar só nestes esquecendo outros, incluindo os do norte a viver a sua “primavera”, que os massacres de 1961 e de 1985 se repetiram nas minas de platina da sua amada África do Sul já na segunda década do século XXI, que as suas milionárias Filhas disputam nos tribunais a sua herança, e contrataram os direitos de cobertura e transmissão do seu funeral, estando ele ainda vivo. Ressuscitar para ver isto?

No filme da RAI1, Jesus diz a Maria Madalena: “- Ninguém te condenou!”.

Nelson Mandela, cujo número de prisioneiro 46664, começa e termina com o símbolo da morte (4) para os chineses, e tem no centro o apocalíptico número da besta, tudo o que de mau pode existir, salvou-se com o 5 da sua cela, que é o número da liberdade e das possibilidades de mudança, trocando a vingança, que seria legítima, pelo perdão, não condenando, também ele, ninguém, incluindo os seus carrascos, e eu, que trocaria de boa vontade os pontos de interrogação dos meus 70 anos, pelos pontos de exclamação dos jovens que me rodeiam, não posso deixar de expressar a minha imensa admiração por aquele que disse: “Um vencedor é só um sonhador que não se rendeu!”.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2013
Octávio Santos


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Fim-de-semana do “Desassossego”

Começo bem o último mês deste ano de lotaria cuja terminação não augurava prémios, neste dia que, por ser Domingo, nos faz esquecer que nos roubaram a “independência”, sentando-me para escrever sem o apoio de livros e dicionários, que estão todos encaixotados por força de obras em casa que me estragarão o Natal, e porque o meu “pczinho” pifou, entregando a alma aos criadores e deixando-me sem rede a voltear no trapézio da comunicação sem a certeza do que estou a escrever.

No rescaldo do favor com que todos (melhor assim!) os meus colegas de trabalho me quiseram confundir no passado 21 de Novembro, fazendo-me recordar aquele anónimo napolitano que, quando o seu clube ganhou, com Maradona, Careca e Alemão, o seu primeiro campeonato de futebol, delirante pela festa que se seguiu, escreveu no muro do cemitério da sua adorada Nápoles: Che Vi siete persi! (O que vocês perderam!).

Eu, tal como um pugilista tonto pelas tantas que levou, sentado no seu ângulo a ser ventilado pelos segundos, que não sabe nem onde está nem quem é, mas tem de continuar a fingir que está vivo, aqui estou, vazio de temas e ideias, na esperança que o pensamento comece a escorrer da cabeça à pena, com o risco de se escoar directamente para o esgoto mediático da cidade, mas agarrado à percentagem mínima de hipóteses de interessar quem me lê. Como Falstaff quando percebe que a morte está mais perto que o berço, vem-me em mente tudo o que vivi nesta última semana, e o filme escorre tendo como pano de fundo a comemoração daquele Fernando que não era só uma pessoa, mas que continua, cada vez mais, a baralhar as nossas, movendo milhares de outra(o)s p(P)essoas que inventam ? coisas que a ele não passou pelas cabeças, fazendo-me lembrar o gozo com que Picasso lia, com o seu amigo Paul Valérie, as doutas críticas aos seus quadros, e a galhofa que isso provocava entre os dois.

Como passo a vida a pedir perdão pelo que digo e faço, não posso deixar de me penitenciar porque me pareceu ter visto contrariedade nos olhos de um amigo a quem disse, repetindo frase de outrem, que Portugal era um país de doidos. Hoje, ao ouvir a Clara Ferreira Alves dizer no “Eixo do Mal” que os portugueses são “tristeza, escárnio e maldizer”, não sei se me sinta validado ou desmentido.

Agora é melhor pedir desculpa de antemão por desmandos e polémicas que possa vir a suscitar a lista que segue com aquilo que vi, ouvi e vivi nestes dias, sem qualquer lógica sequencial, todos os temas confundidos:

- 23 (sempre) congressistas estrangeiros entre os cerca de 40 que apresentaram comunicações durante o III Congresso Internacional Fernando Pessoa (28 ,29 e 30/11), números imprecisos em memória do comemorado, e para ser digno dele;

- Portugal despovoado pelos milhares de emigrados económicos e pela média de 1,38 filhos (tenho um superavit de 0,62);

- "Cartas não mandadas (ou cartas para não mandar)", comunicação de Maria Manuela Parreira no Congresso Pessoano, "Cartas de Amor" de António José Saraiva a Teresa Rita Lopes (sempre Pessoa!), cartas que tenho eu próprio de escrever e de mandar com recados que desejo fazer chegar a pessoas que amo, antes que seja tarde;

- Morre uma criança a cada 5 segundos por causas evitáveis. Mesmo sem a certeza da utilidade, vou contactar a organização “Save the Children” para perguntar, como certamente já o fizeram a Senhora Isabel dos Santos e o seu sócio Américo Amorim (parabéns pelo 1º lugar), o que posso fazer para não me sentir co-responsável;

- Ouvi o Professor Vítor Bento, Conselheiro do Professor Cavaco Silva, dizer que é bom haver cada vez mais ultra ricos em Portugal, sem que eu perceba para que têm servido sem ser a eles próprios. Não se pronunciou sobre a bondade de haver cada vez mais pobres;

- Tive a felicidade de conversar (ouvir) o Professor Eduardo Lourenço (3 anos de convivência em Roma, durante os quais bebi quanto lhe saía da boca sem perder uma gota que fosse), com o desejo de ver os meus Filhos e Netos a viverem no “futuramente país da nossa língua”, como disse no Teatro Aberto;

- Não sentir qualquer desconforto pelo montante ? da minha reforma de velhice, apesar de ter trabalhado 52 anos, descontando apenas 29 (os precários não são de hoje);

- A indiscutível (com a maioria eleita pelo povo não se discute) transparência de processos na privatização dos CTT e dos ENVC, que acrescentarão seguramente títulos às “Cartas de uma Religiosa Portuguesa” e às “Novas Cartas Portuguesas”, pelo lado dos CTT, e à “História Trágico-Marítima”, por aquele dos ENVC;

- Cantar no coro, em Monserrate, a “ginginha” de Mariano Deidda (que já tinha bebido no Teatro Aberto, apanhado em “flagrante delitro”), lamentando a morte de quem tantas ginginhas fez beber, engasgado com um prego ao balcão do Gambrinus (a mão de Pessoa?);

- A meritória acção do Banco Alimentar, infelizmente cada vez mais necessário (tudo menos bifes, que em pregos engasgam!);

- O Professor João César das Neves, Papa de tantos católicos entrincheirados no seu bem estar legitimado pelo quotidiano mea culpa, que nos ensinou que quem advoga o aumento do salário mínimo (na Irlanda, 1.400 €), está a querer mal aos pobrezinhos, acolitado pelo sacristão romano falhado de Berlusconi, António Tajani, que disse amen;

- Fechou o King. Les Enfants Terribles não voltarão a dar-me filmes como o coreano “Poesia”. Nas mesas do bar, pares amorosos, também eles enfants terribles, destilavam mais poesia - utopia, sonho, pureza mascarada de desejo - que aquela do admirável filme. Tudo tem um fim. Ou quase tudo;

- A longa conversa que tive com o José Paulo Cavalcanti Filho, aquele do “crime de lesa Pessoa” e com o José Carlos de Vasconcelos, sobre as polémicas que “esse desconhecido de si mesmo” levantou, e continuará a levantar para seu (dele) perene deleite;

- Ter lido na capa de uma revista que Tony Carreira não vai gostar nada quando a Filha tiver o primeiro namorado;

- Ter sabido que a Hemeroteca de Lisboa encerrou (provisoriamente?) as suas portas, agora que me preparava a passar por lá uns bons momentos de pesquisa, para obedecer ao favor de uma ordem/desafio que o Vitor Quelhas me dirigiu;

- Ter tido conhecimento que o Presidente do clube das elites da 2ª Circular (o outro é o dos carroceiros ou dos Senhores Santos, merceeiros do Senhor Visconde Valadares Tavares), encontrou a solução para os males que afligem o país, bastando retirar o vermelho da bandeira das quinas (a do PR é toda, e só, verde), perante o tripudio concordante das elites presentes, e ter assistido ao reconhecimento com que os atletas do FCP foram recebidos em casa por terem perdido um jogo do campeonato após 53, sem conhecerem a derrota. Tudo boa gente, de Sul a Norte;

- Ler Nuno Júdice, poeta genial e reconhecido internacionalmente, como atestam os prestigiosos prémios conquistados, incluindo o recente Prémio Raínha Sofia, da Poesia Ibero-Americana, ousar entrar no seu romance “O Anjo da Tempestade” e sair dele tendo compreendido pouco por incapacidade e impreparação minhas, sem perceber o que liga Marx a Shubert, Kierkgaard a Hugh Thomas, Isabelle d’Este, de Tiziano, a Rosina, de Antoine Wiertz, a irmã suicida de Estaline à Marta do bordel no Porto, esta à Júlia virgem de 15 anos à espera do seu homem, o tio-bisavô assassinado ao Presidente Teixeira Gomes, a professora de francês que debita “je suis, tu es…” ao próprio autor, anjos a meteoritos. Parece-me que o vou reler muitas vezes como fiz com “O Processo”, de Kafka, escrevendo talvez um poema depois da 6ª leitura;

- Ter ouvido, a propósito dos cada vez mais frequentes feminicídios (que palavra feia!), que as Mulheres “entraram sem pára-choques no mundo que era dos homens”.

No fim de contas tudo bem neste fim de semana que deveria ter sido de acalmia de uma emoção excitada, mas que virou uma excitação emocional ao ouvir tantos a interpretarem Pessoa, com a “Mensagem” de Mariano Deidda à cabeça, feliz por ter encontrado duas Sobrinhas do vate e pela felicidade das Senhoras e Senhores da Sintra que conta, ao ouvirem da encantadora Viola as palavras de Einstein sobre os benefícios e virtudes da crise, as quais, na minha opinião, não têm qualquer cabimento na situação que estamos a viver (sofrer?). Desculpem se é pouco não estar de acordo com o génio, mas só mo permito porque, no livrinho que acompanha o cd do Mariano, sou citado tal como Einstein, Robert Shumman, Tommaso Romano e Salvatore Farina, recordando-nos este último que Nietzsche disse que “ é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”, rematando que “assim viveu e escreveu Fernando Pessoa”… Será contagioso?

Uma coisa é certa: não direi nunca como Álvaro de Campos no fecho do seu III Soneto Antigo, aquele à mentirosa Daisy: “Raios partam a vida e quem lá ande!”.

Lisboa, 1 de Dezembro de 2013
Octávio Santos

P.S. No próximo dia 7 de Dezembro, o cd “Mensagem”, de Mariano Deidda, será apresentado na FNAC do Chiado, às 18.00 horas. Quem não quiser entrar no caos em que também já eu me encontro, pode (deve) mesmo não aparecer por lá.

sábado, 23 de novembro de 2013

Sereno Variabile

 


Viva, leitores amigos,

Permito-me dirigir esta mensagem de abertura aos “leitores amigos” e não aos “amigos leitores”, como tinha pensado antes, para alargar o leque dos eventuais utentes da minha escrita: daqueles que me lêem há anos, e espero não perder,  àqueles que começando agora a ler-me, se tornarão (ou não!) novos amigos.

E amigos não serão só os que estiverem de acordo com o que transmito, mas, sobretudo, aqueles que, discordando, darão dinamismo a este espaço na blogosfera, indicando novos caminhos, abrindo a mente a todos, ao autor em primeiro lugar. Explico-me melhor com um exemplo:

A ideia deste blog foi do meu ex-colega e  (não ex) amigo José Meira da Cunha que, estando muitas vezes em desacordo comigo, “decidiu” à minha revelia que eu desse «a conhecer a criatividade, o (meu, segundo ele) sentido crítico, o humor e o pensamento», por, escreveu ele ainda na mensagem que me transmitiu, estar «certo que esta iniciativa se desenvolverá com a tua (minha, segundo ele) inteligência, a força das tuas ideias e a graça dos teus textos». Ao referir-se desta maneira às qualidades que vê num amigo que viaja quase sempre em carris paralelos aos seus, mostra quem é, e escancara uma janela que deixa entrar uma corrente de ar fresco neste “lugar” (Eça) com mofo e teias de aranha, onde as “pessoas sérias” nunca têm dúvidas  e raramente se enganam. Obrigado, Zé!

Perguntar-se-ão os leitores amigos porquê agora, porquê este título e frases a ele acessórias, porquê esta imagem, qual o objectivo, quais as ideias guia, e eu, como sempre,  respondo:

Agora, porque fazendo hoje 70 anos, deixo compulsivamente a minha vida de trabalho iniciada aos 18 - aqueles com sete décadas de vida só podem servir o Estado no vértice da pirâmide mas não na base -, arrogo-me o direito, e sinto o dever, de continuar a expressar o meu pensamento, ainda mais livremente, agora sem qualquer réstia de temor ou restrição.

Sereno Variabile, termo meteorológico que indica uma situação de calma aparente, que de um momento para o outro pode virar tempestade. Portugal?  Em italiano, porque é o título de um programa televisivo (hoje multimediático) , há 30 anos  diariamente na RAI 2, dirigido pelo meu amigo Osvaldo Bevilacqua - único jornalista a entrevistar a Irmã Lúcia em pessoa, em 2002 -, com o qual fiz viagens e serviços educacionais turísticos sobre Portugal, quando em Roma me ocupava de promover o nosso país no Sul da Itália, da Toscana para baixo, isole comprese.

Ridendo Castigat Mores (a rir se castigam os costumes), porque esse é um dos objectivos desta iniciativa mediática, merecendo plenamente a escolha para sub-título.

«A escrita que fica quando um dia a palavra se retira», escreveu a minha amiga e colega Cristina Góis Amorim, no prefácio que fez o favor de escrever para o meu livro “Moinho de Vento, 23”, e como foi a Cristina que “ressuscitou”  a ideia do Zé Meira da Cunha, e concretizou tecnicamente, e não só, este espaço, pedi-lhe para inscrever a sua frase tão feliz, com carácter permanente, sob o título e o sub-título, esperando que, quando a palavra/oral (enquanto presença física) se retirar - quando mais tarde melhor! -, a escrita fique (caso mereça…).

A imagem fixa na home page é a de parte do quadro a óleo de Augustus John, representando Guilhermina Suggia tocando violoncelo. Imagem que fazia parte do projecto inicial do Zé Meira e, por isso, mas também porque o quadro é uma obra magnífica, e porque a música é talvez a arte através da qual a harmonia melhor se transmite.  Assim, a decisão de manter a imagem estava já tomada quando um outro meu amigo italiano, o cantautor Mariano Deiida,  me ofereceu o seu último cd, “Mensagem”, no qual canta Pessoa com música sua, tal como aconteceu nos seus quatro anteriores cd’s.  E quando mo ofereceu  vi,  com emoção, que tinha inscrito na pequena brochura que o acompanha a minha frase que aparece na pg. 33 do meu livro “Moinho de Vento, 23” - Se a vida nos bastasse não existiria a poesia -.  Música, poesia, Pessoa, Deiida, Suggia: poderia eu ter escolhido outra imagem?

Como objectivo, propus-me aquele de abrir um fórum de troca de ideias e discussão livre das mesmas, sem restrição de temas, desde que os mesmos sirvam a elevar o conhecimento e a cultura de quantos nele se aventurarem. Se os temas forem polémicos e ajudarem a agitar as águas deste nosso pântano, tanto melhor. Recordo que escrevi na pg. 17 do meu livro “Hieróglifos Órfãos de Roseta”: «Na Grécia Antiga podia expressar-se directamente a cólera. Mais tarde só foi considerado aceitável a sua sublimação, o seu adiamento, o seu recalcamento ou a sua transferência». Se legítima, a cólera será bem vinda; especialmente se ajudar a castigar os costumes.

As ideias guia são muito básicas e simples, e aqueles que me conhecem já sabem quais são. Montaigne dizia que “todos os abusos do mundo resultam do facto de nos ensinarem a ter medo de manifestarmos a nossa ignorância”. Seguindo esta máxima, não só se vive com mais ligeireza, como se aprende sem custo a ter a humildade de pedir desculpa quando a razão não nos assiste ou cometemos algum erro.  Outro dos meus mestres de pensamento é o  etnólogo francês  Claude Lévi-Strauss, autor da obra “Regarder, écouter, lire”, verbos que pratico em todos os momentos da minha vida, e sempre foi assim desde que me conheço. CL-S escreveu também numa outra sua obra intitulada “Le Cru et le Cuit” que «O sábio não é o homem que dá as verdadeiras respostas; é aquele que faz as verdadeiras perguntas». Vamos experimentar?

Uma coisa me irrita: que se invoque a lei para justificar e cobrir abusos, injustiças ou mesmo crimes. Lembro que “Non omne quod licet honestum est” (Corpus Iuris Civilis): Nem tudo o que é lícito é honesto. Eu acrescentaria: Nem tudo o que é legal é moral.

Termino com um conceito que muitas vezes é esquecido: Uma democracia onde a maioria não ouve nem respeita a minoria, continua de jure a ser uma democracia,  mas torna-se de facto uma ditadura. E com exortações de dois Papas.  A primeira, de João Paulo II, que, em 27 anos de pontificado se limitou a mudar o Mundo: “Não tenhais medo!”. A segunda, de Francisco,  que em 6 meses já nos mudou a nós: “Tenham a coragem da esperança”.

Lisboa, 23 de Novembro de 2013
Octávio Santos