sábado, 23 de novembro de 2013

Sereno Variabile

 


Viva, leitores amigos,

Permito-me dirigir esta mensagem de abertura aos “leitores amigos” e não aos “amigos leitores”, como tinha pensado antes, para alargar o leque dos eventuais utentes da minha escrita: daqueles que me lêem há anos, e espero não perder,  àqueles que começando agora a ler-me, se tornarão (ou não!) novos amigos.

E amigos não serão só os que estiverem de acordo com o que transmito, mas, sobretudo, aqueles que, discordando, darão dinamismo a este espaço na blogosfera, indicando novos caminhos, abrindo a mente a todos, ao autor em primeiro lugar. Explico-me melhor com um exemplo:

A ideia deste blog foi do meu ex-colega e  (não ex) amigo José Meira da Cunha que, estando muitas vezes em desacordo comigo, “decidiu” à minha revelia que eu desse «a conhecer a criatividade, o (meu, segundo ele) sentido crítico, o humor e o pensamento», por, escreveu ele ainda na mensagem que me transmitiu, estar «certo que esta iniciativa se desenvolverá com a tua (minha, segundo ele) inteligência, a força das tuas ideias e a graça dos teus textos». Ao referir-se desta maneira às qualidades que vê num amigo que viaja quase sempre em carris paralelos aos seus, mostra quem é, e escancara uma janela que deixa entrar uma corrente de ar fresco neste “lugar” (Eça) com mofo e teias de aranha, onde as “pessoas sérias” nunca têm dúvidas  e raramente se enganam. Obrigado, Zé!

Perguntar-se-ão os leitores amigos porquê agora, porquê este título e frases a ele acessórias, porquê esta imagem, qual o objectivo, quais as ideias guia, e eu, como sempre,  respondo:

Agora, porque fazendo hoje 70 anos, deixo compulsivamente a minha vida de trabalho iniciada aos 18 - aqueles com sete décadas de vida só podem servir o Estado no vértice da pirâmide mas não na base -, arrogo-me o direito, e sinto o dever, de continuar a expressar o meu pensamento, ainda mais livremente, agora sem qualquer réstia de temor ou restrição.

Sereno Variabile, termo meteorológico que indica uma situação de calma aparente, que de um momento para o outro pode virar tempestade. Portugal?  Em italiano, porque é o título de um programa televisivo (hoje multimediático) , há 30 anos  diariamente na RAI 2, dirigido pelo meu amigo Osvaldo Bevilacqua - único jornalista a entrevistar a Irmã Lúcia em pessoa, em 2002 -, com o qual fiz viagens e serviços educacionais turísticos sobre Portugal, quando em Roma me ocupava de promover o nosso país no Sul da Itália, da Toscana para baixo, isole comprese.

Ridendo Castigat Mores (a rir se castigam os costumes), porque esse é um dos objectivos desta iniciativa mediática, merecendo plenamente a escolha para sub-título.

«A escrita que fica quando um dia a palavra se retira», escreveu a minha amiga e colega Cristina Góis Amorim, no prefácio que fez o favor de escrever para o meu livro “Moinho de Vento, 23”, e como foi a Cristina que “ressuscitou”  a ideia do Zé Meira da Cunha, e concretizou tecnicamente, e não só, este espaço, pedi-lhe para inscrever a sua frase tão feliz, com carácter permanente, sob o título e o sub-título, esperando que, quando a palavra/oral (enquanto presença física) se retirar - quando mais tarde melhor! -, a escrita fique (caso mereça…).

A imagem fixa na home page é a de parte do quadro a óleo de Augustus John, representando Guilhermina Suggia tocando violoncelo. Imagem que fazia parte do projecto inicial do Zé Meira e, por isso, mas também porque o quadro é uma obra magnífica, e porque a música é talvez a arte através da qual a harmonia melhor se transmite.  Assim, a decisão de manter a imagem estava já tomada quando um outro meu amigo italiano, o cantautor Mariano Deiida,  me ofereceu o seu último cd, “Mensagem”, no qual canta Pessoa com música sua, tal como aconteceu nos seus quatro anteriores cd’s.  E quando mo ofereceu  vi,  com emoção, que tinha inscrito na pequena brochura que o acompanha a minha frase que aparece na pg. 33 do meu livro “Moinho de Vento, 23” - Se a vida nos bastasse não existiria a poesia -.  Música, poesia, Pessoa, Deiida, Suggia: poderia eu ter escolhido outra imagem?

Como objectivo, propus-me aquele de abrir um fórum de troca de ideias e discussão livre das mesmas, sem restrição de temas, desde que os mesmos sirvam a elevar o conhecimento e a cultura de quantos nele se aventurarem. Se os temas forem polémicos e ajudarem a agitar as águas deste nosso pântano, tanto melhor. Recordo que escrevi na pg. 17 do meu livro “Hieróglifos Órfãos de Roseta”: «Na Grécia Antiga podia expressar-se directamente a cólera. Mais tarde só foi considerado aceitável a sua sublimação, o seu adiamento, o seu recalcamento ou a sua transferência». Se legítima, a cólera será bem vinda; especialmente se ajudar a castigar os costumes.

As ideias guia são muito básicas e simples, e aqueles que me conhecem já sabem quais são. Montaigne dizia que “todos os abusos do mundo resultam do facto de nos ensinarem a ter medo de manifestarmos a nossa ignorância”. Seguindo esta máxima, não só se vive com mais ligeireza, como se aprende sem custo a ter a humildade de pedir desculpa quando a razão não nos assiste ou cometemos algum erro.  Outro dos meus mestres de pensamento é o  etnólogo francês  Claude Lévi-Strauss, autor da obra “Regarder, écouter, lire”, verbos que pratico em todos os momentos da minha vida, e sempre foi assim desde que me conheço. CL-S escreveu também numa outra sua obra intitulada “Le Cru et le Cuit” que «O sábio não é o homem que dá as verdadeiras respostas; é aquele que faz as verdadeiras perguntas». Vamos experimentar?

Uma coisa me irrita: que se invoque a lei para justificar e cobrir abusos, injustiças ou mesmo crimes. Lembro que “Non omne quod licet honestum est” (Corpus Iuris Civilis): Nem tudo o que é lícito é honesto. Eu acrescentaria: Nem tudo o que é legal é moral.

Termino com um conceito que muitas vezes é esquecido: Uma democracia onde a maioria não ouve nem respeita a minoria, continua de jure a ser uma democracia,  mas torna-se de facto uma ditadura. E com exortações de dois Papas.  A primeira, de João Paulo II, que, em 27 anos de pontificado se limitou a mudar o Mundo: “Não tenhais medo!”. A segunda, de Francisco,  que em 6 meses já nos mudou a nós: “Tenham a coragem da esperança”.

Lisboa, 23 de Novembro de 2013
Octávio Santos