segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Fim-de-semana do “Desassossego”

Começo bem o último mês deste ano de lotaria cuja terminação não augurava prémios, neste dia que, por ser Domingo, nos faz esquecer que nos roubaram a “independência”, sentando-me para escrever sem o apoio de livros e dicionários, que estão todos encaixotados por força de obras em casa que me estragarão o Natal, e porque o meu “pczinho” pifou, entregando a alma aos criadores e deixando-me sem rede a voltear no trapézio da comunicação sem a certeza do que estou a escrever.

No rescaldo do favor com que todos (melhor assim!) os meus colegas de trabalho me quiseram confundir no passado 21 de Novembro, fazendo-me recordar aquele anónimo napolitano que, quando o seu clube ganhou, com Maradona, Careca e Alemão, o seu primeiro campeonato de futebol, delirante pela festa que se seguiu, escreveu no muro do cemitério da sua adorada Nápoles: Che Vi siete persi! (O que vocês perderam!).

Eu, tal como um pugilista tonto pelas tantas que levou, sentado no seu ângulo a ser ventilado pelos segundos, que não sabe nem onde está nem quem é, mas tem de continuar a fingir que está vivo, aqui estou, vazio de temas e ideias, na esperança que o pensamento comece a escorrer da cabeça à pena, com o risco de se escoar directamente para o esgoto mediático da cidade, mas agarrado à percentagem mínima de hipóteses de interessar quem me lê. Como Falstaff quando percebe que a morte está mais perto que o berço, vem-me em mente tudo o que vivi nesta última semana, e o filme escorre tendo como pano de fundo a comemoração daquele Fernando que não era só uma pessoa, mas que continua, cada vez mais, a baralhar as nossas, movendo milhares de outra(o)s p(P)essoas que inventam ? coisas que a ele não passou pelas cabeças, fazendo-me lembrar o gozo com que Picasso lia, com o seu amigo Paul Valérie, as doutas críticas aos seus quadros, e a galhofa que isso provocava entre os dois.

Como passo a vida a pedir perdão pelo que digo e faço, não posso deixar de me penitenciar porque me pareceu ter visto contrariedade nos olhos de um amigo a quem disse, repetindo frase de outrem, que Portugal era um país de doidos. Hoje, ao ouvir a Clara Ferreira Alves dizer no “Eixo do Mal” que os portugueses são “tristeza, escárnio e maldizer”, não sei se me sinta validado ou desmentido.

Agora é melhor pedir desculpa de antemão por desmandos e polémicas que possa vir a suscitar a lista que segue com aquilo que vi, ouvi e vivi nestes dias, sem qualquer lógica sequencial, todos os temas confundidos:

- 23 (sempre) congressistas estrangeiros entre os cerca de 40 que apresentaram comunicações durante o III Congresso Internacional Fernando Pessoa (28 ,29 e 30/11), números imprecisos em memória do comemorado, e para ser digno dele;

- Portugal despovoado pelos milhares de emigrados económicos e pela média de 1,38 filhos (tenho um superavit de 0,62);

- "Cartas não mandadas (ou cartas para não mandar)", comunicação de Maria Manuela Parreira no Congresso Pessoano, "Cartas de Amor" de António José Saraiva a Teresa Rita Lopes (sempre Pessoa!), cartas que tenho eu próprio de escrever e de mandar com recados que desejo fazer chegar a pessoas que amo, antes que seja tarde;

- Morre uma criança a cada 5 segundos por causas evitáveis. Mesmo sem a certeza da utilidade, vou contactar a organização “Save the Children” para perguntar, como certamente já o fizeram a Senhora Isabel dos Santos e o seu sócio Américo Amorim (parabéns pelo 1º lugar), o que posso fazer para não me sentir co-responsável;

- Ouvi o Professor Vítor Bento, Conselheiro do Professor Cavaco Silva, dizer que é bom haver cada vez mais ultra ricos em Portugal, sem que eu perceba para que têm servido sem ser a eles próprios. Não se pronunciou sobre a bondade de haver cada vez mais pobres;

- Tive a felicidade de conversar (ouvir) o Professor Eduardo Lourenço (3 anos de convivência em Roma, durante os quais bebi quanto lhe saía da boca sem perder uma gota que fosse), com o desejo de ver os meus Filhos e Netos a viverem no “futuramente país da nossa língua”, como disse no Teatro Aberto;

- Não sentir qualquer desconforto pelo montante ? da minha reforma de velhice, apesar de ter trabalhado 52 anos, descontando apenas 29 (os precários não são de hoje);

- A indiscutível (com a maioria eleita pelo povo não se discute) transparência de processos na privatização dos CTT e dos ENVC, que acrescentarão seguramente títulos às “Cartas de uma Religiosa Portuguesa” e às “Novas Cartas Portuguesas”, pelo lado dos CTT, e à “História Trágico-Marítima”, por aquele dos ENVC;

- Cantar no coro, em Monserrate, a “ginginha” de Mariano Deidda (que já tinha bebido no Teatro Aberto, apanhado em “flagrante delitro”), lamentando a morte de quem tantas ginginhas fez beber, engasgado com um prego ao balcão do Gambrinus (a mão de Pessoa?);

- A meritória acção do Banco Alimentar, infelizmente cada vez mais necessário (tudo menos bifes, que em pregos engasgam!);

- O Professor João César das Neves, Papa de tantos católicos entrincheirados no seu bem estar legitimado pelo quotidiano mea culpa, que nos ensinou que quem advoga o aumento do salário mínimo (na Irlanda, 1.400 €), está a querer mal aos pobrezinhos, acolitado pelo sacristão romano falhado de Berlusconi, António Tajani, que disse amen;

- Fechou o King. Les Enfants Terribles não voltarão a dar-me filmes como o coreano “Poesia”. Nas mesas do bar, pares amorosos, também eles enfants terribles, destilavam mais poesia - utopia, sonho, pureza mascarada de desejo - que aquela do admirável filme. Tudo tem um fim. Ou quase tudo;

- A longa conversa que tive com o José Paulo Cavalcanti Filho, aquele do “crime de lesa Pessoa” e com o José Carlos de Vasconcelos, sobre as polémicas que “esse desconhecido de si mesmo” levantou, e continuará a levantar para seu (dele) perene deleite;

- Ter lido na capa de uma revista que Tony Carreira não vai gostar nada quando a Filha tiver o primeiro namorado;

- Ter sabido que a Hemeroteca de Lisboa encerrou (provisoriamente?) as suas portas, agora que me preparava a passar por lá uns bons momentos de pesquisa, para obedecer ao favor de uma ordem/desafio que o Vitor Quelhas me dirigiu;

- Ter tido conhecimento que o Presidente do clube das elites da 2ª Circular (o outro é o dos carroceiros ou dos Senhores Santos, merceeiros do Senhor Visconde Valadares Tavares), encontrou a solução para os males que afligem o país, bastando retirar o vermelho da bandeira das quinas (a do PR é toda, e só, verde), perante o tripudio concordante das elites presentes, e ter assistido ao reconhecimento com que os atletas do FCP foram recebidos em casa por terem perdido um jogo do campeonato após 53, sem conhecerem a derrota. Tudo boa gente, de Sul a Norte;

- Ler Nuno Júdice, poeta genial e reconhecido internacionalmente, como atestam os prestigiosos prémios conquistados, incluindo o recente Prémio Raínha Sofia, da Poesia Ibero-Americana, ousar entrar no seu romance “O Anjo da Tempestade” e sair dele tendo compreendido pouco por incapacidade e impreparação minhas, sem perceber o que liga Marx a Shubert, Kierkgaard a Hugh Thomas, Isabelle d’Este, de Tiziano, a Rosina, de Antoine Wiertz, a irmã suicida de Estaline à Marta do bordel no Porto, esta à Júlia virgem de 15 anos à espera do seu homem, o tio-bisavô assassinado ao Presidente Teixeira Gomes, a professora de francês que debita “je suis, tu es…” ao próprio autor, anjos a meteoritos. Parece-me que o vou reler muitas vezes como fiz com “O Processo”, de Kafka, escrevendo talvez um poema depois da 6ª leitura;

- Ter ouvido, a propósito dos cada vez mais frequentes feminicídios (que palavra feia!), que as Mulheres “entraram sem pára-choques no mundo que era dos homens”.

No fim de contas tudo bem neste fim de semana que deveria ter sido de acalmia de uma emoção excitada, mas que virou uma excitação emocional ao ouvir tantos a interpretarem Pessoa, com a “Mensagem” de Mariano Deidda à cabeça, feliz por ter encontrado duas Sobrinhas do vate e pela felicidade das Senhoras e Senhores da Sintra que conta, ao ouvirem da encantadora Viola as palavras de Einstein sobre os benefícios e virtudes da crise, as quais, na minha opinião, não têm qualquer cabimento na situação que estamos a viver (sofrer?). Desculpem se é pouco não estar de acordo com o génio, mas só mo permito porque, no livrinho que acompanha o cd do Mariano, sou citado tal como Einstein, Robert Shumman, Tommaso Romano e Salvatore Farina, recordando-nos este último que Nietzsche disse que “ é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”, rematando que “assim viveu e escreveu Fernando Pessoa”… Será contagioso?

Uma coisa é certa: não direi nunca como Álvaro de Campos no fecho do seu III Soneto Antigo, aquele à mentirosa Daisy: “Raios partam a vida e quem lá ande!”.

Lisboa, 1 de Dezembro de 2013
Octávio Santos

P.S. No próximo dia 7 de Dezembro, o cd “Mensagem”, de Mariano Deidda, será apresentado na FNAC do Chiado, às 18.00 horas. Quem não quiser entrar no caos em que também já eu me encontro, pode (deve) mesmo não aparecer por lá.