quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Venenos - bons, maus, vingadores, escondidos e outros

Vivemos num clima envenenado. Ambiental e humanamente falando. Venenos sempre existiram e célebres especialistas houve, como, por exemplo os Bórgias.  Alguns, mais sofisticados, eram denominados filtros de amor, o que, para mim e até agora, não tinha qualquer lógica. Só pensei nisso quando junto de uma cama com o número 23 no IPO de Lisboa, passei 4 horas junto do meu irmão pequenino a ver umas senhoras simpáticas, competentes e carinhosas, a trocar e vigiar os sacos com os venenos que desciam gota a gota para as suas veias e artérias, venenos sem nome doseados ad hoc por mãos sapientes e amigas para atacarem e matarem aquilo - que ele chama de ouriço – que se lhe aninhou no corpo, divertindo-se a cravar os seus espinhos por aqui e por ali sem ordem nem preceito. E lá estão eles, os venenos amigos, a executar a sua função de matar o inimigo para salvar o amigo. E vão atacar três vezes, em vagas sucessivas, com todas as suas forças, sempre mascarados, sem nome, como se de tropas de elite se tratasse.  

Como no filme “Guerra das Estrelas”, tribos menores de bons venenos, as Xelodas, capacitabinas citostáticassem ordem nem preceito. , desferram ataques diários, de manhã à noite, não dando trégua ao “ouriço” que, de certo só tem a derrota no horizonte.

Os velhos repetem-se, e eu já disse muitas vezes que nem tudo o que é legal é moralmente aceitável, repetindo-o agora, que ouvimos contar a história do condenado de Ohio que levou 25 longos minutos para morrer, porque o cocktail de venenos que lhe injectaram para o justiçar pelos seus crimes, não foram tão cuidadosamente estudados como aqueles que os médicos do IPO destinaram a salvar o meu irmão pequenino. Venenos vingadores que, mal doseados, torturaram por quase meia hora o irmão de alguém que estava a assistir. América, América! 

Há venenos que ganham batalhas, mas temos obrigação de batalhar contra certos, de entre eles. Políticos, por exemplo. Sócrates (o original) tomou voluntariamente a cicuta porque sentiu perdida a sua batalha cívica e política; a Napoleão e a Arafat, que não admitiam a derrota, teve a cicuta que lhes ser ministrada por terceiros. 

Os venenos da Síria - sarin, gás mostarda e VX -, que de atoarda ocidental, horrorizando o mundo perante as imagens do resultado da sua utilização, passaram a realidade tão gritante e palpável que foram capturados com o consenso de todos e, agora, por aí andam à espera de um destino. Retidos em bidões por especialistas, embarcados num cargueiro dinamarquês, não encontraram países que aceitassem recebê-los. Assim, terão de ser transferidos para um navio daqueles que continuam a ser os polícias do mundo, que depois decidirão onde e como os destruir, dizem que por hidrólise. Faltava decidir o porto onde efectuar tal transferência. Portugal ou Itália? Lages ou Gioia Tauro? 

O Governo português ficou feliz com esta segunda oportunidade de garantir a permanência militar americana na Base das Lages. A primeira correra-lhes bem, quando servindo de cenário à encenação da peça “Armas Químicas no Iraque”, salvaram a Base embora “perdendo” Durão Barroso, primeiro humanoide a ser teletransportado das Lages a Bruxelas. Mas como os americanos são pragmáticos, bread bread cheese cheese, e as Lages já não lhes serve desde a queda do muro, não estando dispostos a pagar o preço pedido pelos aliados lusos, fizeram agulha para a Calábria.  Logo o Ministro italiano das Infraestruturas declarou “considerar que o Porto de Gioia Tauro é o mais apropriado” citando razões técnicas e de segurança. A agência ANSA, antecipando-se ao anúncio oficial, referiu que a escolha se ficava a dever ao facto do porto calabrês ter características que tornam mais fácil “ a gestão de protestos contra a operação”.

Aqui entra em acção o meu mestre Claude Lévi-Strauss a espicaçar-me para fazer perguntas e eu, como sempre, obedeço:

- É verdade que pelo Porto de Gioia Tauro entra 80% da cocaína destinada à Europa, que o tráfico internacional de armas é uma das suas actividades mais reditícias, que o porto está nas mãos da ‘Ndrangheta, mafia calabresa, e das suas principais famílias, Piromalli, Alvaro, Mammoliti, Molè, etc…? 

- É verdade que a forma mais barata de reciclar resíduos radioactivos é aquela de os carregar em navios em desarme, e fazê-los afundar, muitas vezes com parte da tripulação (quem se importa com somalis, eritreus, etíopes, sudaneses, etc.?), evitando a porra das testemunhas? 

- É verdade que foi isso que aconteceu anos a fio, satisfazendo o interesse de industriais distraídos, a cargo da Ndrangheta, com a cumplicidade de políticos corruptos, ao largo da Calábria? 

- É verdade que a chamada “Ecomafia” afundou entre 40 a 100 embarcações nas costas calabresas, transformando o Mediterrâneo num cemitério de todos os resíduos, desde os inócuos pós de mármore até ao plutónio e ao césio? 

Se tudo isto for verdade, a agência ANSA tem razão quando afirma ser fácil a “gestão dos protestos contra a operação”, já que os pobres calabreses já se cansaram de chorar os seus mortos e de gritar e denunciar o escândalo mais bem guardado da Europa dita civilizada. Itália, Itália! 

Todos acreditamos que os norte-americanos partirão com os venenos sírios para águas internacionais, onde os destruirão legalmente por hidrólise. Mas se o navio, por acaso ou maldição, se afundasse ao largo da Calábria, o mais que poderia acontecer seria a criação de uma Comissão Warren que nos desvendaria uma parte da verdade daqui a meio século.

Voltando à nossa casa, porque tal desvario ninguém acredita ser possível na Costa das Negociatas, lembrei-me de fazer umas perguntas domésticas sobre um caso de venenos, quase esquecido. Durante muitos anos não houve transformador, condensador e gerador eléctrico que não utilizasse o chamado Pyralen (PCB), por ser este o fluído mais indicado para o seu correcto funcionamento. Mais tarde foi descoberto - por uns chatos de uns técnicos intrometidos -, que esse produto era altamente poluente, tóxico e cancerígeno, tendo sido ordenado pelas agências ambientais americanas e europeias, a inutilização desses equipamentos eléctricos, com a correspondente recuperação dos fluídos incriminados (PCB’s), e sua posterior destruição. Sabe-se que a EDP, e outras empresas utilizadoras desses equipamentos, tudo fizeram para cumprir a lei, entregando-os a empresas especializadas e certificadas, que parece terem feito bem o seu trabalho. E aqui voltam as perguntas, neste caso só uma:
 
- É verdade que a Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos entregou os seus equipamentos ao sucateiro Manuel Godinho, amigo do Armando Vara no tempo em que o Eng. Sócrates era Secretário de Estado do Ambiente, o qual, tendo recuperado o cobre e os restantes metais componentes, e não sabendo o que fazer com o famigerado Pyralen, o teria reciclado à sua maneira (de sucateiro), com prejuízo nosso presente e futuro, arriscando-nos a tê-lo no prato por via de peixes do rio ou de alfaces da horta? 

Venenos nacionais, escondidos debaixo do tapete dos brandos costumes e dos negócios entre amigos e compadres. - Portugal, Portugal!
 
Faço votos que o corte de verbas com que o governo presenteou venenosamente os IPO de Lisboa, Coimbra e Porto, não impeça as suas equipas técnicas de continuarem a preparar os seus cocktails venenosos que são a esperança de salvar tantas vidas, incluindo aquela do meu irmão pequenino, para que ele possa continuar a criar cavalos nobres e inteligentes, e eu a zurzir, denunciando, cavalgaduras reles e estúpidas.


Herdade das Valadas, 23 de Janeiro de 2014
Octávio Santos