quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

IPO…hIPO…hurrah ! !

Por outras palavras e com uma certa delicadeza, e por isso sou devedor,  já me acusaram de “Velho do Restelo”.  Aceito o Velho, até porque sou beneficiário de uma Pensão de Velhice, embora Picasso tenha dito que para se ser jovem é necessário viver muitos anos, e a ser verdade, estou ainda no tirocínio. Quanto ao ser do Restelo, se tal se refere à praia de onde partiram as caravelas lusas em demanda de novos mundos, eu, que vivi na Encosta da Achada de Sto. António, a 50 metros da Praia da Gamboa, naquela que começou por se chamar Cidade da Praia de Santa Maria da Esperança, também isso aceito. Hoje aceito tudo, e de “Velho do Restelo”, por uma vez, me torno optimista. Com razões para iss0.
 
Se se derem ao trabalho de relerem o meu último texto, aquele de 6/2, verão que falo das tentativas deste Governo para destruir o Serviço Nacional de Saúde. Naquele outro, de 23/1, faço votos para que “…o corte de verbas com que o Governo presenteou venenosamente os IPO de Lisboa, Coimbra e Porto não impeça as suas equipas técnicas de continuarem…”. E é aqui que eu quero chegar porque, na maioria dos casos, as unidades do SNS continuam a responder bem, e o IPO disso é exemplo, talvez porque o Juramento de HIPOcrates é muito vinculativo em termos de consciência.
 
Por motivos que já dei a conhecer, tenho ultimamente visitado o IPO de Lisboa e passado por lá umas horas: cusco como sou, lendo nas paredes e em folhetos informativos, observando instalações e equipamento, mas sobretudo comportamentos, abriu-se-me um portão para outro mundo, de doença sim, mas onde o país é respirável ao contrário do país de gente sã fora dos portões do IPO que, no dizer de Pacheco Pereira, se tornou irrespirável. Vamos lá saber porquê!
Não sendo eu um hIPOcondríaco, não me deprime estar em contacto com a doença nem dela falar, propondo-me contar o que vi, hIPOtecando, hoje e aqui, a minha pecha para o maldizer, e tentando fazê-lo bem, já que, no dizer de um hIPOcrita meu conhecido, eu, por vezes, sou quase tão bom a escrever como quanto penso sê-lo.
Criado em 1923, o então denominado Instituto Português para o Estudo do Cancro, teve como 1º Director um mestre, o Professor Francisco Gentil, que vinha, desde 1912, dirigindo o combate à doença no Hospital de Sta. Marta, fazendo parte da 2ª Comissão para o Estudo do Cancro, criada em 1906, a qual fora o seguimento da 1ª Comissão (1904), cuja composição não incluía ainda o ilustre mestre, que se manteve à cabeça do Instituto até 1961, já então IPO desde 1930. Em 1927, graças a uma verba concedida pelo Instituto de Seguros Obrigatórios e de Previdência Social, foram adquiridos à Casa Cadaval, em Palhavã, os 7 hectares de terreno onde ainda hoje se encontra o IPO, na Rua Professor Lima Basto, digno sucessor do espírito e da obra daquele que foi seu – e de todos – mestre. Verba essa, tão generosa ela foi, que chegou para construir os dois primeiros pavilhões – o primeiro, pasmem, em seis meses -, comprar 1.800 gramas de rádio-elemento, instalar 4 cabinas de roentgenterapia e um laboratório de investigação científica. Outros tempos: pagavam-se as reformas e ainda sobravam uns dinheiritos para estas coisas.
De assinalar que a essa verba inicial foram acrescidas aquelas resultantes das subscrições públicas de 1931, 32 e 33, tendo chegado de Moçambique um contributo “excepcionalmente largo e generoso”, e que o 1º Pavilhão foi construído conforme os princípios votados no 2º Congresso Internacional de Radiologia, Estocolmo em 1928, primeira construção na Europa com protecção eficaz contra as radiações.
Depois foi uma sucessão de melhoramentos nas instalações e equipamentos, que hoje continuam em ritmo menos acelerado devido à maldita crise, mas com o mesmo espírito combativo de serviço. Assim, começando por citar a criação em 1941 da Liga Portuguesa Contra o Cancro, pelo inestimável apoio que o seu corpo de voluntários presta a todos os doentes e às suas Famílias, nasce em 1943 – ano em que nasci – a primeira unidade de cuidados paliativos, em 1953, o Laboratório de Isótopos, em 1958, a primeira Bomba de Cobalto da Península Ibérica, em 1978, a primeira Clínica da Dor do país, em 1987, a primeira Unidade de Transplante de Medula.
E é aqui, no IPO de Lisboa, que o meu irmão pequenino, que é um hIPOlogo que de hIPOdromia se entende, frequenta hIPOdromos e recusa a hIPOfagia (nem para o talho os vende!), está a ser tratado com ciência, consciência, competência, eficiência, experiência, transparência e paciência por todos aqueles, e sublinho todos, que exercem funções em Palhavã, do mais ilustre cirurgião ao mais humilde carregador de macas, sem esquecer os voluntários da Liga. Assim, o sacana do “ouriço”, após o segundo ataque cerrado que lhe foi movido, está a perder os espinhos e a tornar-se hIPOactivo, ao mesmo tempo que se transforma em pacífico hIPOcampo, única hIPOtese de sobrevivência que lhe resta.
Brincando com coisas sérias, escrevi este texto após ter sabido pela leitura dos jornais que um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública, numa avaliação do desempenho de todos os hospitais do país, por grupo de doenças, não inclui o IPO de Lisboa (nem o de Coimbra) nos top five de qualquer grupo, incluído aquele das doenças neoplásicas. Fiquei pasmado, só tendo paz quando li a opinião de dois que sabem da poda, e não resisto a transcrever os últimos dois parágrafos da coluna intitulada “ IPO não trata melhor cancro?”, que o Expresso publicou na sua edição de 8/2, na página 8 do primeiro caderno:
“O director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas. Nuno Miranda, e o presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, Joaquim Abreu de Sousa, desvalorizam a secundarização do IPO, referências nacionais para o cancro. “São utilizados métodos de facturação para aferir qualidade, e mesmo esses estão desajustados: são para agudos e internamento, e o doente oncológico é crónico e tratado sobretudo em ambulatório”, critica Nuno Miranda, médico no IPO de Lisboa. Joaquim Abreu de Sousa, cirurgião no IPO do Porto, é taxativo: “Os resultados em oncologia são a sobrevivência dos doentes, e só é possível fazer comparações ajustando o risco, coisa que esta avaliação não faz”. Fim de citação.

Depois, e veio a propósito, caiu-me o olhar sobre este pequeno texto que faço meu:
 
“Todos temos o direito de criticar o que vai mal neste jardim à beira mar plantado, mas também temos o dever de exaltar aquilo que com enorme esforço alguns mantêm e desenvolvem ao melhor nível internacional. São estes profissionais, que assumem as suas vidas como uma missão, que merecem o nosso maior respeito e nos fazem sentir orgulho de continuar Portugueses”. Fim de citação.
 
Termino, confessando ter ido ao IPO esta segunda feira, 10/2, com a intenção de tentar colher nos corredores, nos jardins, no olhar das pessoas, nas suas conversas, na azáfama quotidiana, algo que pudesse utilizar para enriquecer este pequeno texto, e não é que foi tempo bem empregue!  Se não vejamos, em jeito de crónica, para não perder a mão:
- Junto ao parque de estacionamento das ambulâncias, uma equipa estava a cortar os ramos partidos de uma árvore ferida pelo grande temporal da véspera, sem perda de tempo. Lá dentro, numa das salas de operações, uma outra equipa estaria a fazer exactamente o mesmo a um outro ser vivo, também ele ferido, sem perda de tempo.
- Vi uma Senhora - teria a minha idade – a entregar na LPCC  um saco de plástico, dizendo que eram  pijamas para o Serviço de Pediatria. Só isto, sem uma palavra a mais ou a menos.
- No átrio de um dos pavilhões está uma máquina daquelas que distribuem pequenas coisas, alimentares ou não (parece que se diz de vending), a troco de uma moeda, que debita narizes vermelhos de palhaço. Sei para que servem, exactamente no Serviço de Pediatria. Peço desculpa aos profissionais de nariz vermelho, quando, por ligeireza, chamo palhaços a certos figurões que nos (des)governam.
- Quando já estava a encaminhar-me para a saída, nos ramos de um frondoso pinheiro manso, aquele que está mesmo em frente ao Laboratório de Virologia (4 Décadas a Inovar)**, pareceu-me ver um anjo que me acenava recomendando: não te esqueças de tomar sempre as decisões mais justas! Veremos se não o desiludo.
- À saída do portão principal duas jovens faziam um peditório - não me perguntem para quê já que eu me fixo mais no acessório que no essencial - às quais um igualmente jovem de fato cinzento e gravata, respondeu sem se deter: - Tenho de ir queridas! Vá lá, um beijinho! Um Jota, não da famosa zona de Chelas, mas daqueles que espero nunca venham a ter qualquer função no IPO. Deus nos livre!
- Já na rua deparo, mesmo em frente ao portão, com uma loja da Agência Magno, inevitavelmente Servilusa.  Será que estão ali a propor campas, jazigos e mesmo hIPOgeus aos familiares dos doentes? Não sou contra o comércio livre (vivi na Bulgária quase 13 anos)… mas assim é demais. Como o IPO é um espaço de vida e não de morte, eu, se topasse com uma raspadinha consistente, tomava a loja de trespasse e abria um sexy shop com néons a acender e a apagar. E toma!
Lisboa 13 de Fevereiro de 2014
Octávio Santos
 
** O Laboratório de Virologia está neste momento a transformar os espinhos que tiraram ao “ouriço” que incomoda o meu irmão pequenino, numa vacina que o tornará imune a outros atrevidos da sua espécie. Ouvi um dia destes na RAI1 que muitos pacientes italianos iam à Alemanha para tentarem este novo e revolucionário tipo de terapia.

PS: Por motivos de força maior, o texto da próxima semana será publicado na sexta-feira, 21 de Fevereiro, do que peço desculpa aos leitores responsáveis pelas inúmeras visitas ao meu blogue registadas até hoje, as quais ultrapassaram já em muito as 888... o número dos anjos.