quinta-feira, 17 de julho de 2014

O Nevão de 51, ou estadia na Carregueira, cena com solário tipo “Holmes Place”, sauna finlandesa e dieta mediterrânea, para políticos desonestos, ou talvez não, Senhoras obesas e histéricas, com o milagre da multiplicação dos pães para todos os inquilinos improváveis


Ouvi ontem a uma grande repórter de guerra que as qualidades necessárias para fazer o seu trabalho eram a curiosidade e a honestidade. Lembrei-me então da foto do meu texto da semana passada e, se é certo que foi a curiosidade, mas também o sentido de oportunidade, que a grande repórter omitiu referir, que me levaram a encostar o telemóvel à figura daquele velho desgraçado, talvez não tivesse usado a necessária honestidade para o fazer. À primeira vista aquele morto adiado pareceu-me uma imagem forte para ilustrar o que tinha já em mente escrever de acusatório contra circunstâncias, poderes e pessoas que o levaram àquela situação de dormiente no portal da Igreja do Corpo Santo. Mas vamos que aquele homem não quis estudar quando era pequeno, preferindo a trapeira à sacola dos livros e cadernos, começou a fumar aos 12 e a meter-se nos copos aos 15, na ganza aos 16, não suportou a dureza da construção civil aos 17, andou nas putas a partir dos 18, fez o seu primeiro pequeno roubo aos 20, recusou a Casa Pia (porra!) ou a Casa do Gaiato para não perder os proventos que lhe vinham dos diversos tráficos que entretinha com a marinhagem americana e francesa no Cais do Sodré, quem é o culpado senão ele próprio? Se assim foi, é certo que não usei de honestidade servindo-me de um ícone fácil para apontar leviana e imerecidamente o dedo à corja que nos governa por interposta freenança, mas apetece-me reincidir para dar um rebuçado àqueles crentes, e são muitos, que veem em Deus um ser vingador pronto a castigar quem se comportou sempre mal, deixando-o “justamente” a apodrecer diante da porta fechada da sua (deles) Igreja, sempre escancarada para quem bater no peito é um acto de contrição automático e gratuito, que tantos juros dá neste Vale de Lágrimas, esperando que se perpetuem no Reino dos Céus.

A escrita, que é feita de palavras alinhadas, tendo as mesmas virtudes e defeitos destas, tal o de serem como as cerejas, leva-me, a propósito de honestidade, direitinho ao Isaltino por o ter visto sair da Carregueira, magro, bronzeado e com um saco de plástico preto, habitualmente para lixo (longe de mim qualquer alusão ao GES), que continha, suponho, os seus parcos pertences de presidiário, a entrar para um Audi dos grandes igual ao da factura da sorte. A Carregueira, que não tinha a notoriedade de hoje quando eu fiz a tropa, estando ainda à espera da parte da reforma que me compete por via desses 43 meses, ou seja, 5% da minha vida caso morresse hoje, era uma Carreira de Tiro onde íamos exercitar a pontaria que nos havia de servir em África contra alvos móveis e ainda por cima escuros, e não uma unidade carcerária do Sistema Prisional Português (lindo!), onde o quem sabe se honesto Isaltino saiu agora de pulseira com a pompa mediática que lhe foi reservada.

Soube agora, mas nem sob tortura revelarei a minha fonte, que um nutrido grupo de Senhoras obesas, histéricas, ou com tendência para ambas, fartas de não obterem resultados palpáveis (salvo seja) com as dietas do Dr. Tallon, Dr. Atkins, Herbalife, Detox, Dukan, dos 31 dias, das Princesas, das lojas LEV - comer para emagrecer -, Celeiro e Miosótis, se estão a organizar para fazerem uma manifestação junto do Ministério da Justiça a fim de exigirem o internamento a tempo indeterminado na citada unidade carcerária com as mesmas regalias e benesses de que usufruiu o ilustre predecessor. Em comunicado que está para vir a público, ameaçam, em caso de recusa por parte da Senhora Ministra, vir a cometer acções passíveis de detenção, tais como roubar peças de roupa interior nos caixotes dos saldos do El Corte Inglès, dizer em público do Senhor Presidente da República e Excelentíssima Família aquilo que Bin Laden não disse da entremeada, promover um abaixo assinado para impedir a Guiné Equatorial de entrar na CPLP, pedir a demissão do Paulo Bento e o retiro da nacionalidade ao Pepe (não sendo a Madeira ainda independente não podem pedir outro tanto para o CR7), fazer chichi na escadaria de S. Bento com o rabo virado para a Fundação Mário Soares para não ofender o recato do ancião patrono, revelar que o porta voz do BES já foi substituído pela porta voz da SIBS, e outras acções subversivas anti regime em estudo. Estamos atentos para ver se conseguem levar a água ao seu moínho.

Juro que me daria muito gozo, mas estou disposto a apostar que não vai acontecer, ver a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, também por si trina devido ao milagre da multiplicação dos pães (A), a dividirem com as acima citadas empreendedoras Senhoras as celas da Carregueira, o Sol no pátio se o preferirem ao solário, a canasta ou o king no fumoir, o escolher da ementa biológica do dia no refeitório e do programa televiso da tarde: Pinheiro ou Goucha? Por questões higiénicas dividiria a sauna por géneros, pois que não estou a ver pombas tão alvas a mancharem as penas de gordura se, por acaso ou imperativo hormonal, na estreiteza do local, se encostassem às Senhoras que estão lá para a destilarem.

Com o calor deste Verão que tardou a chegar, fechado em casa a escrever, e esta imagem das saunas finlandesas, uma a escorrer banha e a outra a contaminar-nos com a criptococose (B), ligo o ar condicionado, mas mesmo assim não satisfeito ponho-me a recordar o nevão que embranqueceu Lisboa em 1951 e, como esse foi um ano importante na minha vida, lá descaí para a pieguice e a minha alma de poeta de feira (também há poetas pimba?) acaba por vir ao de cima, até como acção de desintoxicação dos temas  acima versados.

O Nevão de 51

Quando se tem apenas sete anos feitos

Ter em casa novidade assim

Que maior que um novo Irmão não pode ser

E pensas ser feliz em Maio

Embora paire no ar um estranho peso

Que está para se abater sobre o menino

Abalando tudo aquilo que o rodeia

Sem saber o porquê desta lei parva

Que obriga a que alguém vá quando outro chega

Lei que só mais tarde

(muito mais tarde)

Percebeu justa e defensora

Porque separa as águas

Evitando roturas dolorosas

Neste mundo mutante

Habitado ontem por heróis

Hoje por espertos

Que fez de Pombal um salvador

Quando hoje seria um bom estupor

Endeusou a Terceira Pessoa

Como luz e pão de uma nação

Abrindo nós agora a boca

Ao lixo acumulado

Só porque um tapete é levantado.

Entre esse Maio de aleluia

(que agora amargamente choro)

E o Dezembro da agonia

Que me levou o único Avô

Que me sentava ao colo

E me ensinava malandrices

(O meu amor é da música

E toca clarinete

Quando vai para o ensaio

Lava o cú com sabonete)

- Não digas nada à Avó!

Veio o nevão, novidade absoluta

Que pregou o menino à janela

Das traseiras do Moínho de Vento

A ver brancos os campos da Tenente Valadim

E a passar os carochas, as joaninhas e os matateus

Todos rigorosamente pretos

Com os tejadilhos e os capôts

Alvos daquele pó branco do céu

Que para o menino era maná

De aproveitar hoje que amanhã já não há!

Abençoada neve de mil novecentos e cinquenta e um

Precedida de um Irmão, que já foi para onde ela veio

Cinco dias antes de completar 63 anos

E prenunciadora da partida de um Avô

Dezassete dias antes dos seus 64 anos.

Tudo se repete por ordem desta lei parva

Que obriga a que alguém vá quando alguém chega

Coisa que agora o menino já percebe.


Um abraço

Lisboa, 17 de Julho de 2014
Octávio Santos

 

(A) Pão, em português do Brasil, significa Borracho, isto é,   macho bonito e apetecível, daqueles que matam cabras com o olhar

(B) Criptococose é a doença que ataca os pombos metropolitanos, tornando-os nocivos para os humanos