quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Parte Quinta e penúltima da crónica sobre a longa e larga Avenida da nossa curta e estreita Liberdade, para reportar fielmente ao leitor as suas áleas ajardinadas, o que obrigou o nosso cronista a descer aquela da direita de quem desce, com uma paragem compulsiva nos Restauradores para refrescar a noção de independência que tende a esquivar-nos, e a subir a da direita de quem sobe, sem perder pitada, irresoluto pela falta de áleas esquerdas, e envergonhado por ter de deixar para a semana que vem o anunciado relato desta direita de quem sobe.


De tanto subir e descer a Avenida já deu para saber que tem 1.100 metros, do Marquês aos Restauradores, pelo que hoje devo ter completado uns 10 km, contando com as vezes que atravessei os seus 90 metros de largura porque qualquer coisa me chamou a atenção do outro lado. De cada um deles tem um passeio e uma via para veículos, as quais se transformaram há já uns tempos em “transtransitais“ (desculpem o neologismo) dado que se desce por aquela que se deveria subir e se sobe por aquela que se deveria descer, como se tivéssemos pontualmente virado ingleses, suecos ou moçambicanos, mas mesmo assim só até um certo ponto - tudo volta à normalidade por altura da Travessa da Glória e do Largo da Anunciada - porque no complicar é que está o engenho. Quando o António Costa for Primeiro Ministro o que irá ele inventar para infernizar gratuitamente a nossa vida? Menos gratuitamente se levar consigo o socialista-novo José Sá Fernandes que, esse sim, sabe como nos fazer pagar as suas birras de quando era do esfarelado bloco de esquerda e fez parar o túnel. Mas isto são só divagações e não estamos aqui para perder tempo, mas apenas para vos reportar quanto vi nas duas áleas ajardinadas (afinal de uma só) que separam as vias laterais da via central com quatro faixas de rodagem, duas descendentes e duas ascendentes, e nestas já se conduz à direita como em todo o resto da cidade e do país.

Iniciando no Marquês (a preguiça deu-me para começar a descer) pela álea da direita, temos um canteiro só com relva. Depois, e despacho aqui também a outra álea por ser igual nestes pormenores, temos a parte central ajardinada, ladeada por largos passeios com dois renques de árvores, de diversos tamanhos (pré e pós Metro) e espécies, nunca palmeiras, uma fila de bancos de jardim e duas filas de candeeiros públicos, altos e duplos aqueles que dão para as faixas de rodagem e, digamos de jardim, os adjacentes ao verde central. A calçada é a dita “à portuguesa” profusamente decorada com temas geométricos ou botânicos estilizados, alguns símbolos heráldicos e poucas inscrições, desconhecendo eu se o seu autor é o mesmo do pavimento do passeio central dos Restauradores, o grande João Abel Manta. Ao primeiro canteiro segue-se um outro rectangular com relva e arbustos, e dois outros idênticos, o primeiro com duas palmeiras e o segundo com três; neste, uma boca de ventilação do Metro, que é a primeira nota dissonante que encontramos: será que os paisagistas da CML não poderiam ter projectado uma coisa menos desgostosamente esquálida? Entre este último e a estátua de pedra de Alexandre Herculano (1810-1870), em canteiro circular relvado, está uma entrada do Metro e uma outra palmeira. Quando digo palmeira refiro-me a árvores altas e direitas com a sua cabeleira lá bem no alto, algumas com o tronco coberto de heras, pensando que todas as 75 (setenta e cinco) que contei na Avenida venham do século XIX. Há dias o Dr. Bagão Félix falou na televisão de um livro intitulado “Greguerías”, de Rámon Gómez de La Serna, que é uma selecção de frase metafóricas mais ou menos bem humoradas inventadas pelo autor, que também inventou a palavra do título para as designar. Li lá duas sobre palmeiras que não resisto a transcrever:

“As palmeiras levantam-se mais cedo do que as outras árvores”

“A palmeira ancora o céu à Terra”

Atravessando à altura da Alexandre Herculano temos um canteiro circular com relva e flores, que serve de moldura à estátua de pedra de António Feliciano de Castilho (1800-1875), um pavilhão (tipo falso quiosque) Bananacafé, com esplanada, e um canteiro rectangular com relva, arbustos, plantas várias e cinco palmeiras. Segue-se um busto de bronze de Rosa Araújo (1936), dando as costas à sua rua, encimando uma base de pedra com uma figura de mulher coroada e seminua que lhe oferece com a mão direita rosas de um ramo que tem na mão esquerda apoiada sobre a anca. Muito belo e sensual. Depois mais um canteiro rectangular, igual em tudo ao precedente, até nas suas cinco palmeiras, mais um canteiro circular com plantas e flores, tendo no centro uma palmeira de um outro tipo, esta baixa e com cinco troncos magrizelas. A proximidade da sede do Novo Banco, a lembrança dos cinco ramos da Família que agora esconde a pomba atrás da borboleta e a passagem de um casal de turistas japoneses, inspirou-me este haiku: 

Cinco braços da palmeira

Verde antídoto para quinteto

Que nos aliviou a carteira? 

Atravessando ao nível da Barata Salgueiro temos outro canteiro circular com relva, flores e uma palmeira no centro, e mais três canteiros rectangulares com relva e plantas diversas, com quatro palmeiras cada um. Ali pela Travessa da Horta de Cera, de um lado um canteiro circular com relva e flores à volta de uma palmeira com sete troncos, do outro exactamente a mesma coisa, só que a palmeira tem dez troncos. Uma entrada do Metro divide um canteiro rectangular com relva e arbustos, no meio dos quais uma caixa de correio vermelha dos CTT, daquelas modernas e quadradas que antes também vendiam selos. Se é só para enfiar cartas de que lhe serve ser tão grande e alta? E também um pavilhão da Ribadouro, com esplanada, e mais um canteiro rectangular com relva, arbustos floridos e flores, e já estamos à altura do Parque Mayer e da estátua aos Mortos da Grande Guerra, que lhe dá as costas. A estátua está emoldurada por um amplo canteiro octogonal com relva, flores e quatro pequenas coníferas podadas em cone. O monumento, em pedra, com uma figura de Mulher com bandeira, que representa a Pátria, a coroar de louros um soldado com um joelho em terra, é sustentado de ambos os lados por duas hercúleas figuras masculinas seminuas. De cada lado tem a inscrição “GRANDE GUERRA”, na frente a legenda “Ao serviço da Pátria, o esforço da Grei” e, numa placa em bronze, a dedicatória “Aos combatentes mortos pela Pátria - Homenagem dos Combatentes da Grande Guerra -XI 1918 - XI 1968 -. Atrás pode ler-se “9-3-1916 - A Alemanha declara guerra a Portugal - 11-11-1918 - Armistício - 28-6-1919 - PAZ”, e ainda os nomes do arquitecto, G. Rebelo de Andrade, e do escultor, Maximiano Alves. Ler tudo isto hoje não faz sentido senão para saber que há 100 anos as guerras eram declaradas por alguém, tinham um princípio e um fim, e os que morriam tinham uma noção do porquê, embora isso não tivesse qualquer aparente utilidade para o próprio. Seguem-se três canteiros rectangulares em tudo idênticos, com relva, arbustos e flores, e uma entrada do Metro entre o segundo e o terceiro. Não pude deixar de olhar para cima para as varandas floridas da Emília e do António Romano, como se tivessem ligação com os canteiros cá em baixo.

Passada a Praça da Alegria temos um canteiro com gradeamento baixo artisticamente trabalhado, com duas palmeiras e uma bananeira com seis ramos - no passeio um pavilhão Maritaca, food and fun, com esplanada - canteiro que comporta um alto amontoado de pedras tipo “rocaille”, coberto de fetos e avencas, no alto do qual uma imponente figura de velho com longas barbas e cabelos, metáfora da nascente, despeja água de uma ânfora (“a água solta o cabelo nas cascatas”, mais uma greguería de La Serna) que alimenta o arremedo de rio que desce pelo centro do canteiro que lhe reverdece as margens, multiplicando-se em açudes, com uma romântica ponte de ferro que o atravessa e, a jusante, mais uma “rocaille”, abrigo para cisnes e patos ausentes (onde param os da minha infância?), fechado e sujo. O “rio” acaba no fim do canteiro, que tem ainda duas palmeiras e uma bananeira de cinco ramos. De cada lado, uma entrada para o parking, uma para viaturas e outra para peões. À altura da Travessa da Glória, num novo canteiro gradeado que tem, entre duas árvores, uma base de pedra que suporta um artístico vaso metálico com duas asas apoiadas em cabeças humanas, árvores e vaso que se repetem no fim do canteiro já à vista dos Restauradores. Entre as duas pontas deste cenário, um lago de pedra de bela traça, sem água, que apresenta três bases também de pedra. Da primeira e da segunda estão ausentes os elementos decorativos em bronze que lá devem ter estado, apoiada esta suposição no facto de a terceira  ostentar um belo leão alado (Grifo) pintado de verde. Pena que dentro do artístico gradeamento do canteiro estejam duas bocas de ventilação do Metro que têm o condão de desvirtuar tudo. Ladeando o canteiro, e já com um pé nos Restauradores, duas inevitáveis entradas do Metro e uma de ascensor, em vidro, lamentavelmente suja. E agora é só atravessar para olhar o obelisco com olhos de ver!

O monumento, que é basicamente um obelisco com 30 metros de altura, com uma base alargada com oito artísticos candeeiros, e uma outra que sustenta o obelisco propriamente dito,  comemora a reconquista da independência de Portugal, que ocorreu no dia 1 de Dezembro de 1640, após 60 anos de jugo “filipino”. Visto do Rossio, tem  na segunda base uma estátua de bronze, figura de Mulher alada,  com palma e coroa de louros, que representa a Vitória e, no obelisco, diversas inscrições que indicam datas de acontecimentos importantes relacionados, com destaque para as batalhas da Guerra de Restauração que se seguiu à independência, para consolidação e definitiva conquista da mesma. Assim, de alto a baixo, temos:

Angra - 16 de Março de 1642

Lisboa - 15 de Dezembro de 1640

Aos Restauradores de 1640

1º de Dezembro de 1640

Em 1886 por subscrição nacional erigiu a Comissão Central Primeiro de Dezembro de 1640

A Sociedade Histórica da Independência de Portugal no Centenário do Monumento aos Heróis da Restauração - 1886- 1986

 

Girando no sentido dos ponteiros do relógio, temos na outra face um elemento escultórico em pedra com armadura, bandeiras, espadas, tambores, bocas de canhão e outros elementos relativos às batalhas, e as seguintes inscrições:

Castelo Rodrigo - 7 de Julho de 1664

Almeida - 2 de Junho de 1663

Évora - 4 de Junho de 1663

Elvas - 14 de Janeiro de 1659

Ameixial - 8 de Junho de 1663 

Já virados para o Rossio temos outra estátua de bronze, figura de jovem alado, com bandeira, espada e cadeias quebradas, que simboliza a Liberdade reconquistada e, de alto a baixo, novas inscrições: 

Tratado de paz - 13 de Fevereiro de 1668

Vila Viçoza - 14 de Junho de 1665

Montes Claros - 17 de Junho de 1665 

Na última face do monumento, aquela oposta ao Eden, temos novamente o elemento escultórico (diferente mas igual) presente na face oposta e mais inscrições, sempre de alto em baixo: 

Badajoz - 22 de Junho de 1658

Pernambuco - 17 de Janeiro de 1654

Angola - 15 de Agosto de 1648

Sto. Aleixo - 12 de Agosto de 1641

Montijo - 26 de Maio de 1644 

Pondo tudo por ordem cronológica, até para termos a noção que passaram 25 anos entre a declaração de independência e a última batalha, e mais 3 para a obtenção da paz, temos: 

Lisboa, 1/12/1640: Proclamação da Independência; Lisboa, 15/12/1640: Aclamação de D. João IV como Rei de Portugal; Batalha de Sto. Aleixo, 12/8/1641; Batalha de Angra, 16/3/1642; Batalha do Montijo, 26/5/1644; Batalha de Angola, 15/8/1648; Batalha de Arronches, 8/11/1653 (omissa no monumento); Batalha de Pernambuco,17/1/1654; Batalha de Badajoz, 22/6/1658; Batalha das Linhas de Elvas, 14/1/1659; Batalha de Almeida, 2/6/1663; Batalha de Évora, 4/6/1663; Batalha do Ameixial, 8/6/1663; Batalha de Castelo Rodrigo, 7/7/1664; Batalha de Vila Viçosa, 14/6/1665; Batalha de Montes Claros, 17/6/1665; Lisboa, 13/2/1668: Assinatura do Tratado de Paz. 

Chamaram-me a atenção aquelas batalhas que se travaram fora do território ibérico e, nessa conformidade, tentei saber mais sobre aquelas de Angra do Heroísmo, Pernambuco e Angola, deixando-vos literatura sobre cada uma delas, o que me deu alguns esclarecimentos e vos poderá interessar. Devo dizer que não encontrei referência a estas batalhas em qualquer livro publicado sobre a Guerra da Restauração. Dada a complexidade e vastidão do assunto, e da importância que as mesmas tiveram na história de Portugal e do Mundo, muito maior que aquela que habitualmente aqui se lhes confere,  principalmente as duas Batalhas dos Guararapes (que alguns brasileiros designam por " o nosso Vietnam"), voltarei a interessar-me por ele se tiver tempo e disposição para tal.
 

Um abraço.

Lisboa, 28 de Agosto de 2014
Octávio Santos