quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Novíssima Fábula da Tecno-Formiguinha, do Coelhinho de Massa Ruim e do Rei dos Macakong’s, no País das Cigarras Mandrionas, mais conhecido como "Estado de Citius".


Prólogo

Quando os meus Filhos eram crianças havia lá em casa um livro intitulado “Os mais belos contos de fadas”, o qual sobreviveu até hoje em muito mau estado de tanto que foi lido nesses anos. Para os Netos só teve serventia nos seus primeiríssimos anos de existência, visto que se tornaram depois e rapidamente, como todos os da geração I POD, seres tecnológicos que não usam meios antiquados e anacrónicos de aprendizagem ou de lazer. Liam-se também as Fábulas de La Fontaine, e aquilo que nelas sempre me fez confusão foi a existência de um só exemplar da mesma espécie, uma formiga, uma cigarra, um lobo, uma raposa, um corvo, uma cegonha, um sapo, etc.. Tendo experimentado uma pequena peça de teatro - sem qualquer êxito, diga-se - no meu texto de 18/9, e após uma frutuosa digressão pelo Alentejo, lembrei-me agora de escrever uma, também pequena, fábula animalista, esperando que Monsieur Jean de La Fontaine me releve o plágio, a inevitável adaptação de tiques das suas personagens de então a TIC’s próprios dos dias de hoje, destinando-se ela a crianças ciberneticamente evoluídas e, sobretudo, a multiplicação de uma das espécies, já que as cigarras desta fábula são para cima de 10 milhões.

Fábula (a)
No Estado de Citius (b), antes conhecido como “Costa das Negociatas” e ultimamente como “República da Impunidade”, viviam a Tecno-Formiguinha, o Coelhinho de Massa Ruim, o Rei dos Macakong’s e cerca de 10 milhões de Cigarras Mandrionas. É sabido que foi devido à mandriice das Cigarras Mandrionas, que levavam a vida a cantar ao Sol das Bahamas ou das Cayman em tempo de férias, esperando depois que a caridade natural daqueles que lá tinham os seus cabedais arrecadados, arduamente suados na constante porfia de promover o bem estar no Estado de Citius, as fossem sustentando, e às suas proles, o que foi sucedendo ao longo dos tempos, tendo por isso, apesar dos imanes esforços dos poucos que trabalhavam para o bem comum, tornado a situação insustentável. E veio inevitavelmente a crise!

Notório é para todos que as formiguinhas, ao contrário das cigarras, não passam a vida a cantar ao Sol, mas a trabalhar afincadamente para poderem sustentar a comunidade onde estão inseridas, e a nossa Tecno-Formiguinha, não sendo excepção, começou a inquietar-se, chegada a crise, com a escassez de trabalhos, cuja falta a impediria de continuar o seu apostolado de caridade em benefício da grande massa das Cigarras Mandrionas. O que fazer então para salvar o equilíbrio do Estado de Citius?

Lembrou-se, na aflição, de ter ouvido falar de um coelhinho que tinha fama de muito diligente, tendo começado a trabalhar desde a mais tenra juventude, e sendo até considerado o primeiro entre os jovens da sua espécie, pelos resultados que obtinha. Como todos sabem, não basta trabalhar no duro para se ter sucesso; é indispensável ser-se empreendedor, inovador, competitivo, determinado e nunca titubear, senão pode “ir tudo por água abaixo”, e o nosso coelhinho, que tinha todas essas qualidades, revelou-se tão implacável e intratável para com as criaturas que o frequentavam, mesmo as mais doces, que o alcunharam de Coelhinho de Massa Ruim, por considerarem que quem o tinha feito teria, embora angelicamente, usado uma massa má. Como se Deus, em vez de ter feito a Eva com uma costela do Adão, tivesse, ao ver acabar o material, ido a um barreiro de qualidade inferior buscar argila de segunda para fazer a primeira Mulher. Felizmente assim não aconteceu e a paridade dos géneros é uma realidade baseada na igualdade original, embora me surjam certas perplexidades quando me ponho a idealizar que a Madre Teresa de Calcutá possa ter sido feita de uma costela do Eng.º Ângelo Correia, a Patrícia Mamona de uma do Dr. Marques Mendes, a Lili Caneças de uma do Dr. Vasco Rato, não me repugnando que a Santinha da Ladeira tenha saído de uma do Miguel Relvas, mas lá estou eu a divagar e a distrair-vos da trama da fábula, citando pessoas que nada têm a ver com ela, a começar pela Eva.

Ora o Coelhinho de Massa Ruim, para além de todas as prendas acima reconhecidas, tinha ainda uma qualidade muito importante. Tal como certos macacos japoneses que lavam no rio os seus alimentos antes de os levarem à boca, como as lontras que, boiando de costas, põem uma pedra em cima da barriga e com outra partem os bivalves e caramujos para os poderem comer, ou como os corvos da Nova Caledónia que constroem anzóis na ponta dos gravetos com que extraem vermes dos buracos das árvores, o Coelhinho de Massa Ruim idealizou, construiu e sabia utilizar gazuas que abriam todas as portas. Assim, a Tecno-Formiguinha foi ter com o Coelhinho de Massa Ruim e contou-lhe todas as suas actividades e êxitos pregressos, bem como as actuais dificuldades, solicitando a sua intervenção para que as coisas voltassem à normalidade, bastando para tal que lhe fossem atribuídos uns trabalhinhos, desde que remunerativos, para poder continuar a sua meritória obra de acção social junto da comunidade das Cigarras Mandrionas, garantindo assim o decorrer de uma vida sã, normal, risonha e esperançosa no Estado de Citius.

O Coelhinho de Massa Ruim ouviu com toda a sua atenção a exposição da difícil situação narrada pela Tecno-Formiguinha, mostrou a maior compreensão pelas dificuldades das partes interessadas, percebeu que a solução dos problemas da Tecno-Formiguinha poderia vir ao encontro dos seus próprios, deu-lhe a entender que essas coisas requeriam tempo para encontrar, sem precipitações, os justos parceiros, e sobretudo meios de uma certa espessura e consistência para que pudesse ser encarada uma forma eficaz de ajuda, falando-lhe ainda da indispensabilidade de coesão entre as partes a envolver, dando-lhe como exemplo o pacto que mantém em pé a Liga dos Amigos de Boliqueime, que aquele foi para vida e para a morte. A Tecno-Formiguinha compreendeu tudo, o dito e o não dito, pediu ainda ao Coelhinho de Massa Ruim o favor de lhe fornecer alguns números que permitissem movimentar os tais meios necessários para levar a bom porto o favor solicitado, e retirou-se com a certeza de ter ido bater à toca justa.

Pondo-se o Coelhinho de Massa Ruim a magicar sobre qual a porta mais útil a abrir para a efectivação do seu desiderato, lembrou-se do Rei dos Macakong’s, o qual, após uma aventura com a Jessica Lange em Manhattan, no alto das Torres Gémeas (que pela primeira vez sentiram aviões ameaçadores à sua volta), em que viu a sua raça em sérios riscos de extinção, dada a violenta operação que a polícia de Nova Iorque desencadeou contra ele, só culpado de um amor impossível, deixando-o sem capacidade de propagação da espécie, renasceu das cinzas pela mão de beneméritas organizações mundiais que investiram avultadas verbas na sua reprodução in-vitro, encontrando-se hoje o Rei dos Macakong’s a reinar sobre uns bons milhares de clones seus espalhados pelo mundo dito desenvolvido. A sua alta função é aquela de evitar que outros grupos de primatas menos peludos que habitam em partes do mundo menos desenvolvidas, não corram o mesmo risco de extinção da raça do Rei dos Macakong’s, mas ao mesmo tempo evitar que, com a sua acção, o seu habitat se torne desenvolvido, porque tal poderia ser nocivo ao equilíbrio de todo o planeta. Assim, o Rei dos Macakong’s, que conta com grandes apoios, incluindo na capital do plat pays de Jacques Brel, passou a receber das citadas beneméritas organizações mundiais, ingentes verbas que distribui pelos seus súbditos, os quais têm o poder de os redistribuir a seu bel-prazer desde que respeitem as premissas estabelecidas, extremamente simples e compreensíveis:

- Que todos os Macakong’s vivam na opulência;

- Idem, para os seus eleitos na distribuição das tarefas e verbas inerentes;

- Que os primatas “beneficiados” não se extingam;

- Que os territórios por estes habitados não ultrapassem o actual estado de
   desenvolvimento.

E foi a porta do Rei dos Macakong’s que o Coelhinho da Massa Ruim foi abrir com a sua gazua, para lhe pedir ajuda para a Tecno-Formiguinha. O Rei dos Macakong’s que, ao contrário das outras personagens das fábulas, não fala, emitindo apenas um gutural “- ONG!”, de onde deriva a sua designação, recebeu o Coelhinho de Massa Ruim visivelmente mal humorado pelo facto de não apreciar que ele entre em sua casa sem necessitar de bater à porta, mas, sentado no seu trono, ouviu o que ele lhe tinha a propor. Durante a perora do Coelhinho de Massa Ruim, o semblante do Rei dos Macak0ng’s foi perdendo a hostilidade inicial e, rapidamente passou da indiferença à atenção e desta ao primeiro sorriso. No fim proferiu um sonoro        “-ONG!” que o tradutor de serviço disse ser um SIM!. Iniciou então um diálogo entre o Coelhinho de Massa Ruim e o Rei dos Macakong’s:

- Quando?

- ONG! ONG! (Imediatamente)

- Quanto?

- ONG! ONG! ONG! (O necessário para a operação)

- Mas olha que é muito!

- ONG! ONG! ONG! ONG! (Não me assustas; já estou habituado)

- Como se faz a divisão?

- ONG! ONG! ONG! ONG! ONG! (Um terço para a Tecno-Formiguinha, um terço para ti e um terço que retenho para mim na fonte).

- Muito obrigado. Posso então avançar com a operação?

- ONG! ONG! ONG! ONG! ONG! ONG! (Sim, desde que sejam respeitadas as regras que as beneméritas organizações mundiais impõem)

- Podes estar tranquilo, rematou o Coelhinho de Massa Ruim, que saiu feliz a levar a novidade à Tecno-Formiguinha.

E viveram todos felizes e contentes, com excepção das mal agradecidas Cigarras Mandrionas e dos primatas a “beneficiar”, que ainda não compreenderam todo o bem que lhes fazem.

Epílogo
Recebi um convite de uma conhecida editora para incluir esta fábula num volume a editar brevemente, intitulado “Os mais belos contos de fadas”.  Já lhes mandei um e-mail a adverti-los que esse título já existe, permitindo-me sugerir que basta mudar uma letra à última palavra para bater tudo certo.

a)    Qualquer semelhança com personagens, ou situações, da vida real é, obviamente, pura coincidência.

b)    Designação descoberta na blogosfera e não invenção minha.

 
Abraço.

Lisboa, 9 de Outubro de 2014
Octávio Santos