quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Acto de Contrição, a Teoria da Conspiração e o Direito à Imprecisão.

Tendo-me sentado no Bar do Parque a ler o “L’OBS” da semana passada, não resisto a traduzir a caixa do Editorial do Director, Mathieu Croissandeau, intitulado “Paroles, Paroles, Paroles…”: “Os franceses têm a desagradável impressão, não só que o poder lhes mente, mas também que negue o que estão a viver diariamente, o que é muito mais grave”. Como não sou francês estou-me nas tintas, mas com esta na cabeça subo a álea central do Parque Eduardo VII, ao longe a gigantesca bandeira - que eu amo e respeito, mesmo pequenina,  com outras cores, de pernas para o ar ou com pagodes chineses em vez de castelos -, a fazer de pano de fundo à fálica escultura de João Cutileiro, que aproveitou o pedestal destinado ao Santo Condestável, não percebendo eu se o pétreo membro erecto, qual “doigt d’honneur”, como diz o meu Neto André, é dirigido ao passado ou ao futuro que é já presente.

Depois desço a Cardeal Cerejeira, viro à esquerda na António Augusto de Aguiar e passo diante da sede do BIC, monumento à nossa desgraça, para a qual nos atiraram um animal feroz, hoje na jaula, e um animal de nome, ainda tecnoformalmente fora da coelheira, ambos a precisarem de ir ao veterinário, o primeiro àquele que cuida da periquita da Maria de Belém e o segundo ao do coelho anão do Marques Mendes, que eu quero-os com saúde para que, chegado o momento, ninguém tenha pena deles, por muito que a Sociedade Protectora dos Animais se esgatanhe. 

Mas, como eu dizia, passando diante do BIC lembrei-me de um texto que escrevi há cerca de um ano, o qual se revelou completamente desprovido de verdade, tendo eu sido empurrado pelo gosto que tenho em cultivar a Teoria da Conspiração.  E como fui superficial, tendo-me deixado levar pelas aparências, venho fazer o meu Acto de Contrição, sem me gabar da acção como o Ministro Crato, mas pedindo desculpa a todos aqueles, poucos,  que acreditam em mim, embora sem prometer que não voltarei a cair no mesmo pecado, pelo Direito à Imprecisão de que me arrogo (ver meu texto de 6/2/2014), pensando que é preferível errar de vez em quando por excesso,  que estar calado por medo de quem manda, a assistirmos agora ao que aconteceu ao Banco de Portugal com as calças na mão diante da toda poderosa banda de malfeitores da telenovela “Os Amigos do Salgado”, felizmente em vias de ser desmascarada e desmantelada (ver as novidades sobre a Líbia e Miami). Segue o texto incriminado, com o meu reiterado pedido de desculpas, visto que tanto a Zara como a Massimo Dutti continuam lá desmentindo a anunciada expulsão, agradecendo ao mesmo tempo o favor de me indicarem outras faltas à verdade que possa ter cometido no referido texto, fruto da minha notória mitomania, dando-me assim uma oportunidade para mais um, ou mais, pedidos de desculpa.

“…sempre naquela onda de gabarolice que arvoro, declarando ver coisas que aos outros passa despercebido, vou-vos expor mais uma teoria minha acerca de um facto observado diariamente. 

Quando,  há mais de um ano, aquele edifício sumptuoso de granito rosa em frente ao El Corte Inglès, trocou o logotipo BPN para BIC, fiquei espantado ao ver crescer andaimes por ele acima, e, levando isso à conta de um excesso de zelo dos novos proprietários, os quais, com o benemérito patriota Eng. Amaral à frente, na mira de mais uma reforma milionária, tendo recebido 500 milhões de euros e desembolsado apenas 40 para comprar o edifício e o que ele comporta e representa, quisessem gastar uns cobres a lavar a cara ao seu novo “brinquedo” que, sendo de granito, estava em Estado Novo. Fui passando, e não havia meio de ver operários a povoar aquela rede metálica ortorrômbica , e a fazerem finalmente aquilo que era desnecessário. E, cada vez que passava, olhava, pensava, e pensava tanto, que até maus pensamentos se me assomavam à caixa dos pirolitos. Pensava no O. Costa, arrogante e prepotente banqueiro, agora de coleira,  que mais não fez que explorar o filão do chico-espertismo que, na Costa das Negociatas, tem estatuto de virtude. Pensava no seu patrono, o Sôr A.C.Silva de Boliqueime, o sogro da MEO (sabem?), que mora ali para os lados dos pastéis de Belém e do Páteo da Forca, que o pôs no poleiro, e que, por via disso (não há almoços grátis!), abichou uns milréis para a sua Família, nas vésperas do tsunami, e foi o que lhe valeu senão tínhamos o homem a bater à porta da Senhora Jonet, dada a miserável reforma com que vai ficar. Pensava no D. Lima de Maricá, que enfiou uma lima de Vieira de Leiria no bandulho de uma Senhora confiante e desprecavida, que aceitou ir com ele aos figos, para lhe palmar os 5 milhõezitos que lhe faziam jeito para pôr casa condigna na capital do Império (deles), tal Afonso da Maia, de Santa Olávia para o Ramalhete. Pensava no Conselheiro M.D. Loureiro, agora deslocado de Casablanca (As time goes on) para Vila Verde, no Sal, com escala em Belém, de onde saiu a custo, depois de ter feito o tirocínio da aldrabice e da falta de vergonha na cara, com o chefe supremo. Pensava no homem mais rico de Portugal, o Rei das Rolhas, sócio da mulher mais rica da África, Raínha do dengue, da cólera e da mal-nutrição, os quais devemos venerar em nome da freenança, porque ambos salvadores da pátria portuguesa: um exporta e a outra investe.

E continuava a passar até que um dia, vi a parte de baixo dos ditos andaimes, coberta com chapas metálicas onduladas brancas, que deixavam à vista, lá no fundo, as portas e as montras dos seus inquilinos Zara e Maximo Dutti.  E, operários de mãos à obra, viste-los! Numa das minhas inúmeras passagens pelo local, e tudo isto durava já há um ano e tal, ao ver pela cagagéssima vez aquela velhinha de 96 anos que está, com um banquinho, a estender a mão à caridade pública no semáforo em frente do palácio entaipado do BIC, porque, como disse à tempos na nossa televisão, tem filhos com reformas de miséria e netos desempregados, e não pode permitir que eles passem fome, fez-se luz no meu embotado espírito, e disse para quem estava sentado no carro ao meu lado: - Elementar, meu caro Watson! Não é que me veio de pensar, eu que adoro complôts e professo a teoria da conspiração, que toda esta mise-en-scène sem justificação aparente, esta ideia peregrina de cobrir de alto abaixo o mausoléu das nossas poupanças, com serapilheira de nylon e lata no roda-pé, não passava de uma acção de guerrilha urbano-comercial entre duas grandes potências? Traduzido para os menos versados em acções de guerrilha – tenho um curso de sapador de minas e armadilhas na Universidade de Tancos e Sta. Margarida - , ou os mais incautos, atrevo-me a reduzir este abundante ano de observação, numa coisa muito simples. A Sonangol quer despejar os seus inquilinos das lojas para finalmente ter uma entrada prestigiosa à altura dos seus pergaminhos e capitais, ou aí poder afixar as suas geniais ideias de marketing, para captar mais clientes. E vá de tentar asfixiar o adversário renitente em tirar dali as suas montras galegas, aproveitando a âncora do El Corte. Acontece  que a Inditex é só uma das maiores e mais ricas empresas da Espanha e do  mundo e, resistindo à prepotência dos petro-dólares, prolongou até agora o braço de ferro. Pergunto-me até quando durará esta acção de guerrilha fria e invisível no meio da nossa cidade ?  A ver vamos.

Tivemos entretanto a infausta notícia do falecimento da proprietária da Inditex, numa idade em que é legítimo desejar viver ainda mais duas décadas. Como este mundo é estranho! De mulher mais rica da Galiza, quiçá da Espanha, passou a mulher mais rica do cemitério de Lugo ou Orense, desculpem-me a imprecisão. Não creio que esta insignificante acção para-militar, no contexto da guerra económica global a que estamos a assistir, e a sofrer na pele, dure o tempo suficiente para que os cemitérios de Luanda, de Lisboa, e outros de outras terras de Portugal de Norte a Sul, da Lousada a Boliqueime, venham a receber tão ilustres e ricos hóspedes, durante o seu desenrolar. Entretanto, porque eles ainda estão vivos e têm herdeiros à altura,  a velhinha do semáforo continua lá a arrastar-se no meio do trânsito, para que os seus não passem necessidades, até que um automobilista apressado, míope ou menos atento, ou uma macacoa própria da sua avançada idade a mandem repousar, pobre como em vida,  no cemitério da sua aldeia. Que eu não sei qual é.  Mas também o que importa?” 

Abraço.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2014
Octávio Santos (um pouco envergonhado)