quinta-feira, 25 de junho de 2015

O cronista, curto de ideias, revela reflexões feitas no duche sobre episódios que condicionaram positivamente a sua vida e outros que o ajudam a viver melhor, volta a reincidir no plagiar preciosidades que outros produziram, como se a sua fraca poesia a metro pudesse ofuscar obras-primas buriladas ao centímetro.



Toda a gente sabe que nasci na Travessa do Moinho de Vento mas desconhece que todos os Domingos ia à missa do meio-dia à Basílica da Estrela, com algumas excepções quando me apetecia mais o recolhimento da Capela de Nossa Senhora dos Navegantes, na rua do mesmo nome, ou estava de férias em casa dos meus Avós maternos e então o templo era a Igreja de S. Tomé de Lamas que dava o nome à freguesia. Mas, já que estamos em tempo de números, 85,3% das vezes ia à Estrela e lembro-me que o que mais me agradava era o chamado Santo Sacrifício da Saída da Missa quando, acabada a função religiosa que comportava a soporífera homilia do Cónego António Campos, que Deus tenha a sua alma em eterno descanso no esplendor da luz perpétua, encontrávamos primos, tios, vizinhos, amigos e colegas, e aí as faces se abriam, os abraços e beijos não se poupavam, as novidades corriam como fogo posto nas serras de Portugal, os trajes, acessórios e penteados eram escrutinados, que não comentados que isso ficava para depois em casa, as conversas eram aquelas próprias dos interesses de cada grupo etário, conversas de longe mais substanciais  que as ladainhas ditas e ouvidas no interior da casa de Deus. 

Lembrei-me de tudo isto no duche do Holmes Place, onde faço um sacrifício do caraças a ir duas vezes por semana, porque os exercícios que lá sou obrigado a praticar durante uma hora me pesam, me cansam e são uma seca. Daí que o melhor seja mesmo o chegar ao fim da “obrigação” e ir para o duche refrescar sem pressas o corpo moído e a mente aliviada que teima em repetir “por hoje já está!” Agora perguntem-me lá porque que é que, se me pesa assim tanto, eu continuo a lá ir religiosamente? E eu, imitando os políticos de todas as praças, direi muito obrigado por me terem feito essa pergunta porque a resposta é muito fácil e transparente. Porque, estando no último quartel na minha vida e tendo espelhos em casa, sei que o que lá faço me faz bem ao corpo e me ajuda a ir passar melhor o pouco (ou muito, não devemos pôr limites à Divina Providência) que me resta para viver. E aqui lembrei-me novamente das missas do meio-dia na Basílica da Estrela, porque o que lá fiz e ouvi, embora uma seca, me ajudou e continua a ajudar, e muito, a ter passado uma vida melhor, e nem eu sei avaliar quanto. Custou mas valeu a pena, e refiro-me à igreja e, agora, ao ginásio. 

Mas não é só no duche, ou em qualquer outro acessório de uma casa de banho, que me vêm ideias; ainda a semana passada, acho que foi na quinta-feira, ao passar diante da Tabacaria Astória da Duque d’Ávila, mesmo ao lado da Dava (com porquinho de néon) dos óptimos queijos e alheiras e da Pérola de Chaimite do café, em grão ou moído, delícia daqueles que ainda não se renderam ao Nespresso, que tem os jornais pendurados à porta, tendo a sorte de ter todos os leitores penduras a acotovelarem-se diante das primeiras páginas com títulos garrafais sobre o Espírito Santo, Sta. Apolónia, Cruz, Jesus, Vitória, Marco, António, João, Pedro e Paulo (bons e maus ladrões?), que até pensei que todos esses órgãos da imprensa nacional fossem aparentados à revista Família Cristã, me sobrou o jornal “As Artes entre as Letras” que tinha em caracteres muito pequeninos uma poesia de Eugénio de Andrade que copiei para um envelope usado do Banco Novo que encontrei no passeio junto de um ATM, e a poesia é esta: 

"Despedida"

          Colhe

          Todo o oiro do dia

          Na haste mais alta

          Da melancolia.

 
Parti dali a deambular pelas Avenidas Novas como cada manhã e, com o envelope bem apertado na mão, ia repetindo o pequeno poema e a, mentalmente, servir-me dele como mote para dizer o que me vinha à cabeça em pequenas idênticas quadras. Depois foi só chegar a casa e transcrever tudo para o papel sem qualquer preocupação se estavam bem ou mal esgalhadas, se o conteúdo tinha nexo ou se tinham alguma ligação entre si e, sobretudo, com tudo aquilo que estamos hoje a viver. E é este exercício que vos deixo hoje como leitura, podendo cada um ordenar as 17 quadras como bem entender - de qualquer maneira para muitos não fazem sentido - como se estivessem a distribuir bandeirinhas por outros tantos vasos de manjerico, agora para o S. Pedro.

“Exortação”

Tenta

Compreender este mundo

Saber que os barcos da Líbia

Não são para ir ao fundo.
 

Mantém

Essa vontade de aço

A doçura de “Smile”

E ela te escolherá, palhaço!

 
Evita

Casar com rei pelintra

Que, sem trono

Te enclausura em Sintra.

 
Escolhe

Um que do Chapitô vem

Terás estilista com comenda

Cama e mesa posta em Belém.

 
Avanza

Fosun, Vinci Altice.

Aqui é Portugal!

Quem foi que te disse?

 
Pasma

Porque a tradicional

Garganta lusitana

São agora três para teu mal.

 
Recusa

Construir magiares muros

Que em vez das pontes de Francisco

Hipotecam todos os futuros.

 
Desconfia

Se pertenceres ao povo

Em conversa mole

De banco velho ou novo.
 

Afasta

Quem tem a inépcia

De reduzir a cifrões

A história da Grécia.

 
Esquece

A Carris e o Metropolitano

Que o pica do sete

Fala castelhano.

 
Vigia

No TAPa e desTAPa

Que o hub de Lisboa

Não saia do mapa.

 
Não deixes

Roubar-te a esperança

Por quem tem cheia

Só a própria pança.

 
Não permitas

Ser humilhado

Por tanto figurão

Presumivelmente honrado.

 
Não admitas

Perder toda a coragem

Diante de quem se arroga

O direito da pilhagem.

 
Não desistas

De gritar NÃO!

A quem a prestações

Vende a tua Nação.

 
Não te atrevas

A dizer que sim

Só porque está de moda

E agora é assim.

 
E não acredites

Em puras balelas

Daqueles que o Zambujo

Chama de Vilelas.

Abraço.

Lisboa, 25 de Junho de 2015
Octávio Santos