quinta-feira, 9 de julho de 2015

OXI- NE, 11/9 sem mortos que mudará as nossas vidas, heróis puros fora de moda dignos de Panteão Nacional nesta semana dos milagres, Jesus, Coelho e Barroso ressuscitam um leão, um Loureiro e um Relvas (animais 1 - plantas 2) , Califado destruidor de estátuas e Europa de certezas, bem falantes a tentarem baratinar-nos, ratas sábias a destilar venenos, etc., etc., etc.. Melhor falar de anjos porque juro que existem. E anjinhos também.

OXI-NE Entre um pirómano com 5 meses e uma vestal (sempre virgem) 10 anos a manter o fogo sagrado no templo da nossa decadência, prefiro o primeiro.  Quando se escrever a história da Europa vamos ler mais sobre o Joãozinho Barufas que deu um empurrão numa construção podre, que sobre um Cherne escondido nos destroços de um barco há muito afundado , alimentado pelos peixes pequenos que têm o azar de passar ao seu alcance. Mas hoje não me vai de falar de coisas sérias mas de utopias próprias de irresponsáveis, de coisas que não existem - aquilo que não vemos não existe? - mas que são muito mais importantes que aquelas que todos os dias nos enfiam pelos olhos dentro para nos provarem que não são virtuais. 
Na minha crónica de 21 de fevereiro de 2014 falei-vos de anjos - “Juro que os anjos existem…” que, pelos contactos contabilizados pelo Google interessou a muito  poucos - 53ª entre 62 -, mas como prefiro chegar a poucos que percebem que a muitos que não entendem ou fingem não entender,  apeteceu-me repetir a dose dos anjos e brindar-vos com mais 3 lembretes sobre a prova da sua existência. Como, com a idade, aprendi a ler no pensamento já vos estou a ouvir pensar: - O que tu és é um ganda anjinho! 

1 - Lucio Dalla, autor da música e letra desta canção, morto o ano passado, tinha mais 232 dias que eu visto ter nascido no dia 4 de março de 1943, que é o título de uma das suas geniais criações (Caruso também é seu). Foi o único italiano que compôs um fado, intitulado “Piazza Grande”. Servir-se de cenas do filme de Wim Wenders “In weiter Ferne, so nah! -Tão longe, tão perto! – como vídeo clip é a escolha certa para vos convencer daquilo que eu já tinha a certeza: Os anjos existem!

Se io fossi un angelo
Se io fossi un angelo
Chissà cosa farei
Alto, biondo, invisibile
Che bello che sarei
E che coraggio avrei
Sfruttandomi al massimo
È chiaro che volerei
Zingaro, libero
Tutto il mondo girerei
Andrei in Afganistan
E piú giù in Sud Africa
A parlare com l’America
E se non mi abbattono
Anche coi russi parlerei
Angelo se io fossi un angelo
Con lo sguardo biblico li fisserei
Vi do due ore, due ore al massimo
Poi sulla testa vi piscerei
Sui vostri traffici, sui vostri dollari
Sulle vostre belle fabbriche
Di missili, di missili
Se io fossi un angelo, non starei mai nelle processioni
Nelle scatole dei presepi
Starei seduto fumando una Marlboro
Al doce fresco delle siepi
Sarei un bom angelo, parlerei com Dio
Gli ubbidirei amandolo ma a modo mio
Gli parlerei a modo mio e gli direi
Cosa tu vuoi da me tu?
I potenti che mascalzoni e tu cosa fai li perdoni?
Ma allora sbagli anche tu ma poi non parlerei più.
Un angelo non sarei più un angelo
Se con un calcio mi buttano giù
Al massimo sarei un diavolo
E francamente questo non mi và
Ma poi l’inferno cos’è?
A parte il caldo che fà
Non è poi diverso da qui
Perchè io sento che, son sicuro che
Io so che gli angeli sono milioni di milioni
E non li vedi nei cieli ma tra gli uomini
Sono i piú poveri e piú soli
Quelli presi tra le reti
E se tra gli uomini nascesse ancora Dio
Gli ubbidirei amandolo
Ma a modo mio,  a modo mio
A modo mio… 


Se eu fosse um anjo
Se eu fosse um anjo
Quem sabe o que faria
Alto, louro, invisível
Que bonito que seria
E que coragem teria
Esforçando-me ao máximo
É evidente que voaria
Cigano, livre
Giraria por todo o mundo
Iria ao Afganistão
E mais abaixo à África do Sul
Conversar com a América
E se não me abatessem
Até com os russos falaria
Anjo, se eu fosse um anjo
Com olhar bíblico os fixaria
Dou-vos no máximo duas horas
Depois na cabeças vos mijaria
E sobre os vossos tráficos, os vossos dólares
Sobre as vossas belas fábricas
De mísseis, de mísseis
Se eu fosse um anjo não estaria nas procissões
Nem nas caixas dos presépios
Estaria sentado fumando um Marlboro
Na doce frescura das sebes
Seria um bom anjo, falaria com Deus
Lhe obedeceria amando-o à minha maneira
Lhe falaria à minha maneira, perguntando:
“O que é que tu queres de mim?”
“Os potentes, malandros, e tudo o que fazes é perdoar?
“Mas então também tu te enganas, e  não falo mais”
Um anjo, já não serei mais um anjo
Se com um chuto me fazem cair
No máximo serei um diabo
E francamente não gosto disso
Mas então o inferno oque é?
À parte o calor que lá faz
Não é tão diferente daqui
Porque eu sinto, tenho a certeza
Sei que os anjos são milhões e milhões
E não os vês no céu mas entre os homens
Entre os mais pobres e os mais solitários
Aqueles apanhados nas redes
E se entre os homens Deus voltasse a nascer
Lhe obedeceria amando-o
Mas à minha maneira, à minha maneira
À minha maneira…

2 - Um anjo era também a Avó materna de que vos falo no pequeno texto abaixo, senão não teria sentido que na sua aldeia todos a conhecessem como “Tia Misericórdia” quando o seu nome era Maria do Carmo. Palavra tão em desuso, agora ressuscitada pelo Papa Francisco, que tive de ir ao dicionário para me certificar da grafia correcta já que o que tinha nos ouvidos era “Ti Msicórdia”.
 
Recordação

Recordo-me de ver a minha Avó materna, aquela de quem herdei o nome, a desmanchar um xaile de lã que tinha tricotado com as suas próprias mãos.  Com o fio, agora libertado da sua forma, fez um novelo enorme, que começou imediata e freneticamente a trabalhar com as suas agulhas compridas e grossas e um pouco ferrugentas também, e a dar forma a uma camisola que lhe iria aquecer o corpo num Inverno que prometia frio de cortar à faca. Só porque lhe apetecera fazê-lo. Com as suas mãos e a sua vontade alterava a forma e o destino das obras que fazia.

Por vezes ponho-me a reflectir sobre as teias que construímos ao longo das nossas vidas, com os fios que vamos recolhendo e nos parecem os melhores e os mais robustos. E aí ficamos no aconchego das mesmas, não chegando mais o dia em que teremos a coragem de as desmanchar e construir outras, talvez por medo que a nova não venha a ser tão sólida, ou por outros medos que temos dentro de nós, porque alguém lá os enfiou, ou porque nos reservamos  o segundo lugar, estando à nossa frente sempre alguém com mais merecimento.

Hoje vi-me nu diante do espelho da casa de banho, e os meus olhos comandados por aquela parte do cérebro que, inconsciente, recusa a realidade, abriram-se desmesuradamente  até perceberem que aquele corpo velho, ridículo nas suas inevitáveis e cada vez mais notórias imperfeições e declínios, era o meu. Que não podendo ser desmanchado para adquirir uma nova forma e um novo uso, se recusa a refazer a sua teia que o protege de olhares indiscretos e de juízos cruéis, que não teria coragem de encarar e aceitar ou porque simplesmente não lhe é consentido o apetite de o fazer, preferindo sonhar com maravilhosas coisas quase não vividas.
 

3 - Porque, tendo-vos já dado um soneto a semana passada, e sendo o soneto a forma mais requintada e difícil da poesia, no dizer do meu professor José Fanha (juro), reincido agora com outro só para dizer a alguém aquilo que não lhe digo todos os dias.
 

Anjo de Guarda 

Depois de morrer gostava de ser Anjo da Guarda
E se me dessem a escolher alguém para  guardar
Desceria rápido  voando sobre braseiro que arda
Guiado pela brilhante luz dos faróis  do teu olhar.

Sempre que me chamasses lá estaria ao teu lado
Esperando calmamente pelos teus movimentos
Em guarda e vigilante aos perigos disfarçados
Não te deixando afastar dos meus olhos atentos.

Sempre assim, noite e dia, voando em teu redor
A proteger-te com a sombra destas asas minhas
Pagava tudo quanto em vida me deste por amor

Replantava a tua árvore que arranquei pela raiz
Restituindo-te a paz de coração que dentro tinhas
Que é tua, não renegas, e só com ela eu te sei feliz.


Abraço.
 
Lisboa, 9 de Julho de 2015
Octávio Santos