quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Manta de retalhos feita de pobres “obras de arte”, umas ideadas e realizadas pelo cronista vencido em estádios e urnas, outra sonhada e obedientemente executada, fumadora de cachimbo que sequestra extra terrestre, pedras tumulares, e recortes de jornais e outros papéis, lápis azuis, arame farpado e tudo + um partido político utópico, fora do baralho.


Quem está danado com os resultados do futebol ou das eleições costuma engolir em seco, tomar um ar nonchalant e dizer no café ou no local de trabalho que cada vez liga menos ao futebol, atão agora cum gajo já sabe qué tudo a sacar e meter pó bolso, negócios do Blatter e do Platini que contagiam este país do Carvalho e do Carrillo (desgraças são outras coisas, seus palermas) e que,  como democrata que sempre fui (quem é que não teve um S na fivela do cinto?) só me resta aceitar os resultados e felicitar os adversários, nunca inimigos (peripatética que os deu à luz!), pela vitória, caté foi fácil comó carago tamém eu batia num ceguinho  coxo cuma mão atada atrás das costas. A mim dá-me para fingir que não foi nada e ponho-me a falar de arte, mesmo se pobre, isto é, paupérrima, porque da minha autoria.

Retalho 1 – O ET não voltou a casa

Penso ter sido esta a minha primeira tentativa artística na idade adulta. Andando eu a passear no campo, na fronteira entre o Alentejo e o Algarve, tecnicamente no Algarve porque na margem esquerda do Seixe, encontrei num tronquinho de esteva com um nó que me pareceu igualzinho à cabeça e pescoço do ET. Posto o bichinho de parte, fui para a cama pensar que se o pobrezinho tem vindo à Terra naquele momento, ou fugia a sete pés ou, não tendo transporte à mão, se suicidaria para não ter de ver o triste espectáculo levado à cena quotidianamente pelos terráqueos. Assim, mal me levantei, recolhi, naquele silêncio irreal da Serra de S. Miguel às 6 da manhã, quando nem os chocalhos das vacas se fazem ouvir, uma laje de xisto amarelo, que me serviu de base ao cadafalso, e um ramo seco de azinheira que, colado obliquamente na vertical, fez de forca. Depois foi só aprender a fazer um nó de corrediça num cordel, passá-lo à volta do pescocinho da vítima e pendurá-lo com todo o jeitinho para não o stressar ainda mais, como se faz hoje nas prisões americanas com os condenados à morte no momento fatal. Ficou bonito, admirei-o dias a fio como se de um espelho se tratasse, e resolvi levá-lo a uma galeria de arte (com restaurante japonês na cave) que ficava na esquina do Jardim do Príncipe Real com a Rua do Século, em frente da Tascardoso (bons os carapaus fritos), onde o deixei à consignação porque a proprietária, uma Senhora que fumava cachimbo chamada Paula Cabral, gostou muito da escultórica colagem e a colocou imediatamente numa das montras, conservando eu ainda o cartão comprovativo da operação. Depois, passei por lá uma noite para dizer poesia do Carlos Drummont de Andrade, beber abafado e comer castanhas assadas com meia dúzia de pândegos como eu. Ora tudo isto ocorreu por altura do lançamento do meu livrinho “Hieróglifos Órfãos de Roseta” e, a sua segunda apresentação, aquela inesquecível com a minha Filha Margarida a dar lição de amor e sapiência, passou-se lá, alguns se lembrarão, com a “obra de arte” do ET em cima da mesa dos oradores; lembro-me que a sala estava composta e que bebemos vinho de Bucelas. Depois disto ainda passei pela galeria para saber se a obra tinha sido vendida, obviamente não, e as minhas visitas foram-se espaçando no tempo até que, na última vez que por lá passei, deparei com a porta fechada, as montras e as prateleiras vazias, o telefone da Senhora do cachimbo tão morto como o meu ET, do qual não guardei nem uma selfie! Por onde andará? Dão-se chorudas alvíssaras a quem der notícias das cinzas de um extraterrestre  escondidas na fornalha de um cachimbo unisex!

Retalho 2 – Mausoléu do Basmati

O meu Neto André teve por mais de 4 anos um porquinho-da-índia de pelo dourado que se chamava Basmati. Ora, e não estou a dar uma novidade, tudo o que é vivo morre um dia, e o Basmati, tendo chegado ao fim do seu tempo, foi embora e o André resolveu enterrá-lo no Monte Crato, seu paraíso perdido com o contributo de quem empurrou as pessoas para fora da sua “área de conforto” e se arroga o direito de lhes trocar a alma por décimas na percentagem do déficit e, pasmem, com isso conquistam maiorias, sempre na margem esquerda do Seixe com a Serra de S. Miguel à vista. Acontece que tendo lá ido passar um fim de semana, não sei se aquele em que me diverti (e dei cabo de uma mão) com o Bernardo, o meu outro Neto, no Lago Dourado, resolvi construir, com o mesmo xisto amarelo da “estátua” do ET, um mausoléu para o Basmati. Assim fiz, e dele tenho uma foto, fracota mas perceptível. Tanto o André como o Bernardo fingiram que não gostaram (mais uma invenção do velho!), e todas as vezes que eu tinha a felicidade de passar uns dias no Monte Crato (Zambujeira de Baixo, Aljezur), gastava bem umas duas horas a arrancar ervas, limpar pedras, melhorar e compor aquele arranjo à la Stonehenge, actividade que me recolocava no nível em que eu devia estar, e aliás me competia, e que repeti por dois ou três anos uma boa meia dúzia de vezes. Na minha última visita/estadia, sabendo já que aquele pedaço de terra das serras algarvias tinha o estigma que o elevava acima das nossas possibilidades – e quando digo nossas refiro-me a todos aqueles que nunca roubaram nada a ninguém, e jamais aos donos das Comportas da Costa das Negociatas, que esses sim, têm possibilidades (as que nos roubaram) para serem seus donos por direito divino – e que lá não voltaria, desmontei o mausoléu do Basmati, numerando as pedras, uma a uma,  como se do Templo de Abu Simbel se tratasse, pedras que tenho guardadas religiosamente e não me perguntem porquê. Será que o homem é um animal racional? Só estava a pensar em mim.

Retalho 3 – Poster de Fernando Pessoa

Tendo assistido, e participado, no “III Congresso Internacional Fernando Pessoa”, que se realizou em Lisboa, de 28 a 30 de Novembro de 2013, e do qual vos dei notícia pela minha 2ª crónica em 2/12/2013, intitulada «Fim de semana do “Desassossego”», veio-me à ideia de contar tudo através de uma colagem de recortes de papéis inerentes ao Congresso, colagem essa que se transformou depois em elemento central de um poster que mandei executar em 25 exemplares, alguns dos quais já ofereci a familiares e amigos. Para os poucos que restam aceitam-se declarações de desejo, que serão contempladas rigorosamente por ordem de chegada e no limite do stock em armazém (atrás da porta do quarto). Pensem nos vossos bisnetos porque daqui a 200 anos poderão valer uma pipa de massa. Ao correr da pena vejo-me como um banco do avesso: em lugar de vos propor um investimento custoso, sabendo de antemão que não vou restituir o capital, imaginem os juros, impinjo-vos gratuitamente um bem artístico que só se pode valorizar no tempo. Pensem bem, ou consultem o vosso Spin Doctor.

Sonho 1 – A Colagem

Uma noite destas tive um sonho muito nítido e preciso, como quase nunca os sonhos são, no qual alguém me ordenava fazer uma colagem com recortes do Expresso, chegando ao pormenor de me indicar que a deveria fazer una e indivisível mas em 4 partes distintas (não me pareceu novo como conceito), não desperdiçar uma só folha do semanário e dos seus cadernos, e de contar tudo, mas tudo, o que se estava a passar neste momento no planeta azul. Depois pareceu-me ouvir um “Acorda e cola!” de lazaresca memória, saí do sono, e do sonho, lembrei-me de Moisés a descer o Monte Sinai (não faço a coisa por menos), corri a comprar o Expresso de 26/9 e sentei-me a trabalhar naquilo que se segue e que é o meu

Retalho 4 – Sataníssima Tetralogia

Comprei quatro telas 24x18 e duas caixas de lápis de cor no chinês “Mao Hua Litou” (na realidade cheirava mal da boca), oito parafusos com porca e um rolo de arame fininho no ferrageiro (o arame farpado só se vende aos rolos de 100 metros e teria de vender as sobras aos húngaros), e com tesoura, alicate, chave de parafusos, Black & Decker, serra, verruma, apara lápis, colas (de água para papel, para madeira e super 3), pincel, papel gaufré azul, uma Rotring 8, um trapo velho,  deitei mãos à obra, na realidade encomenda, que é a imagem desta crónica e cuja receita segue como se tratasse de um cozinhado.  Peguei nas quatro telas que dispus em cima da mesa num casamento que me pareceu poder cumprir quanto me foi ordenado. Pratiquei 8 furos 8 nos caixilhos, liguei-as com os parafusos e porcas só para ver o efeito, tendo-as novamente separado. Espalhei no chão o jornal com todos os seus cadernos, a saber: principal, economia, revista, emprego, vinhos, golf e publicidades várias. Atirei-me primeiro ao caderno principal e, corta daqui cola dali, lá compus a primeira parte da obra, que é aquela em baixo à esquerda na vertical. Em segundo lugar peguei no de economia, repetindo os gestos, e deu o resultado que se vê naquela em baixo à direita na horizontal. Seguiu-se a revista que sofreu o mesmo tratamento, e é aquela em cima à esquerda na horizontal. Por fim, e o rabo é sempre o mais difícil de esfolar e não estou a pensar na Jennifer Lopez, folheei todos os restantes cadernos e lá compus, não sem grande dificuldade conceptual e de escolha, o que vos aparece em cima à direita na vertical. Parece pronto, não é? Feito isto, pus tudo diante dos olhos e apeteceu-me ir para além da encomenda e pôr alguma coisa de meu sobre os recortes, resumindo-se a minha intervenção a isto: no caderno principal, escrever “BPN” num peixe que um palhaço está prestes a pescar em seu legítimo benefício (e da minha Família!), enquanto nos convence que o BES é seguro; na revista, riscar com lápis azul a tromba do imbecil Presidente da Altice, desenhar-lhe uma cruz suástica no peito da camisa e escrever “ESCRAVOS” e “IDIOTA” nas palavras cruzadas adjacentes; na economia, nada, porque está lá tudo muito claro e transparente, incluindo 7 pinóquios 7 e 3 asiáticos 3 (leio demasiados cartazes tauromáquicos) que “conquistámos”; nos restos, apenas a minha assinatura, OCOS 2015, num cantinho em cima. Posto tudo de lado para servir mais tarde, chegou a parte mais penosa da operação que foi a de pegar em todos os restos do jornal, e seus cadernos, e dobrá-los em leques com 2 cm de largo, os quais, depois de furados com a verruma, foram metidos entre as 4 telas prontas e aparafusados às mesmas, e elas umas às outras, com força até doerem as mãos, formando um todo, com o jornal completo em cumprimento da ordem recebida. Pronto agora? Nem pensar! Olhando para a obra, faltava encher o quadradinho deixado vazio pela arquitectura do casamento das telas e, inspirado pelo lápis azul de triste memória, mas do qual agora me servi sem pudor, transformei com a serra as caixas de lápis de cor do chinês (não calculam como é complicado afiar lápis chineses sem lhes partir o bico), em 45 lapinhos (não sei se se diz) que lá enfiei à força, com o azul, o 46º, ali em fálica evidência. Parecia já não faltar nada, mas ao reler tudo saltaram-me à vista a imagem do cartaz de uma manifestação que rezava “REFUGEES NOT WELCOME”, no caderno principal e, nos restos, a da publicidade de uma seguradora que destacava “ 1ª Prioridade. Proteger a minha família”. Assim, não resisti e, munido de alicate, fabriquei 96 cm de arame farpado artesanal, dividido em quatro porções de 24 cm cada, com que separei as quatro telas não fosse haver perigo de contaminação. E tendo iniciado a obra no dia 1, descansei no 7º dia não sem ter ainda colado uma fita de papel gaufré azul à volta do perímetro quadrilátero da obra, e acrescentado junto aos nossos governantes a bandeirinha que tanto gostam de exibir na lapela, máscara de patriotismo.

Nem retalho nem sonho, antes pelo contrário

Não era minha intenção falar hoje das eleições mas, ouvindo o que todos disseram antes e depois do voto, e constatando que o país, dividido em 40% à direita e 60% à esquerda (invoco o direito à imprecisão), só pode ser governado pela direita, que não é uma palavra feia não fosse a que temos fanática pela freenança, porque a esquerda, essa sim palavra feia para a democratura europeia, que estou convencido que não quer governar, se separa radicalmente do irmão mais crescido e se esgatanha entre si promovendo divisões e divisões de divisões, que nem o BE é Livre de Agir, PCTP - Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses + PCP - Partido Comunista dos Preguiçosos (?), dos verdinhos, dos velhinhos, dos bichinhos, da terrinha, por nós, pelo povo, pelo reizinho, pelos pintos marinhos, etc… etc.., tive a ideia de, tendo em vista as próximas eleições, formar o Movimento da Esquerda Reformadora Democrática e Autónoma – MERDA -, o qual, transformado num partido muito, mas mesmo muito, à esquerda (sede na Pontinha), declararia no seu programa eleitoral estar disponível para formar governo com o irmão mais crescido, que é o único que sabe manejar o arco, empurrando-o, depois de estar no poleiro, para as suas soluções de governação, claro que não à bruta (à Varoufakis) nem tudo de uma vez para não espantar a caça nem acordar Bruxelas do seu letárgico sono, nem Berlim dos seus sonhos hegemónicos de grandeza, mas devagarzinho, um passinho de cada vez, que grão a grão enche a galinha o papo. Já vos estou a ouvir dizer “lá vem este com as suas ideias, desta vez verdadeiramente de MERDA”, ou então “este faz lembrar o Menino Tonecas a querer ensinar a Guidinha a fazer redacções”.

Abraço.

Lisboa, 8 de Outubro de 2015
Octávio Santos