quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Ensaio sobre o equilibrismo sem rede, habilidades na corda bamba, confusa carta aberta, balões e champanhe, flashes poéticos ilustrados com a lucidez que espero não faltará à boca das urnas hexagonais


Saía eu da Biblioteca Camões, onde tinha ido assistir à apresentação do livro de poesia “Flashes Poéticos”, de Zita Nogueira, sem ter na cabeça  qualquer ideia precisa para a construção desta crónica, quando um dos poemas me trouxe à memória Florbela Espanca e a sua trágica lucidez, e as suas ilustrações, não fossem elas de quem (Carlos Nogueira) tem arte no ADN,  me atraíram pelo constante equilíbrio das personagens, lembrando-me que poderia responder com uma carta aberta a um amigo que, dias antes me congratulara precisamente  pela lucidez a propósito de um dos meus textos. O poema, de quem soube depois ser de Barcelos mas calipolense por conversão - e daí o seu cheirinho a Florbela -, aí vai, com a devida vénia, seguido da carta, matando eu assim muitos coelhos (nada de política hoje) com uma só cajadada, espero que certeira. 

Viver a plenitude (a) 

Na plena tranquilidade deste momento

Fecho os olhos para apenas absorver

A soberba plenitude que me ressalta da planície.

Mas não sei o que é que nela assim me atrai.

Se apenas a calma que dela sobressai,

Ou se será a agrura que nela assim perdura.

 

E fecho os olhos para assim melhor poder crer

Porque creio no que sinto neste momento.

Sinto que é a verdade que nela quer crescer

Que emerge, e grita, me chama e me atrai

Porque a verdade por mais dura que possa ser

Brote inerte e não s’enrede com o que pode parecer!

 

Na serena expansão do meu olhar

Não sei o que agora mais queria.

Se ser capaz de tocar os pontos opostos

Do excesso desta tamanha imensidão

Se ficar apenas na delícia da gratidão

Que por si só me conduz no abismo da solidão!

                    Zita Nogueira

                    in antologia “Tempo de Palavras” nº 2, editado pela Editorial Minerva em Dezembro de 2015

Carta aberta a um Amigo

Caro João,

Agradeci-te os teus “Parabéns pela lucidez”, não podendo deixar de completar, como me pedes, aquele trecho do meu agradecimento que dizia: “Embora a lucidez não seja uma virtude mas um árduo trabalho de equilibrismo...”. É obvio que não sendo eu digno de atar os atacadores do Saramago, nada posso acrescentar ao seu ensaio sobre o tema, confessando que me seria mais fácil opinar sobre o da cegueira, mas vou tentar ser breve servindo-me, como sempre, de um exemplo prático de vida vivida. 

Tive a felicidade de ter privado com um diplomata que já não está entre nós, o Embaixador Zózimo Justo da Silva, como tu nascido em Moçambique, que um dia, tentando refrear a minha impulsividade (tinha eu 28 anos), me explicou que se eu acabasse de encher um balão e o largasse à toa, ele me saltaria das mãos e começaria a bater nas paredes e no tecto até cair vazio no chão, mas que, se eu tivesse a inteligência de, aliviando a pressão dos dedos, o deixar esvaziar a pouco e pouco, todo o ar sairia sem qualquer estardalhaço. Esta pequena lição com mais de 40 anos, para te dizer que todos nós, muitas vezes, ao ver ou ouvir certas coisas que não nos agradam, temos a tentação de começar a espadeirar à direita e à esquerda, lançando pela boca fora aquilo que de momento nos parece ser justo e claro como a água. E é aqui que entra o “árduo trabalho de equilibrismo”, ou seja, não deixarmos saltar a rolha do champanhe só para fazer barulho, porque ele bebe-se bem à mesma se a segurarmos até sair (aproveito para te desejar Bom Natal, mesmo que, por acaso, sejas muçulmano), como acontecia com o balão da parábola do Zózimo.  

Dou-te um exemplo, para não te fazer perder muito tempo, a ti e a todos os incautos leitores: ao ler a caixa do Correio da Manhã “Uma cega e um cigano no governo PS”, o meu primeiro impulso foi o de começar a gritar: “ - Mas estes filhos de uma nota de vinte paus não têm vergonha nem pudor?”, mas não o fiz, primeiro porque filho dessa até pode ser um elogio e eles não o merecem, e segundo porque ouvi alguém comentar na televisão que o dito jornal estava a perder qualidades, já que o que ele estava à espera de ler seria: “ O monhé escolheu uma preta, uma cega e um cigano para o seu governo”. Assim, não disse nada, fingi que não tinha lido, deixei o balão esvaziar devagarinho e, com um ataque de lucidez, disse de mim para mim, citando a Bíblia: “Bem aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus”. Mas lá que é preciso equilibrismo, lá isso é! 

Para terminar só desejava que um ataque agudo de lucidez, mesmo neste momento em que manter o equilíbrio é um exercício muito, mas muito, difícil, iluminasse os franceses - Nous sommes tous Paris - no momento de ir às urnas, para que pensassem duas vezes antes de votarem Le Pen. 

Kani Mambo
Octávio 

E, porque mais uma vez não fui claro, perguntar-me-ão: - Mas afinal o que é para ti a lucidez? E eu respondo, repetindo aquilo que provocou esta minha vã tentativa de clarificação, que a lucidez não é uma virtude mas um árduo trabalho de equilibrismo, acrescentando agora que estou a ler o livro “O Fim dos Segredos”, no meu caso, sem rede. 

(a)   Gostei do poema também porque repete três vezes a palavra “nela” que é, talvez, aquela que repito mais vezes ao dia, embora com maiúscula.

Abraço.
 

Lisboa, 3 de Dezembro de 2015

Octávio Santos