quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Penduradas as bolas, acomodado o Menino, dado o estatuto de refugiado ao mago Baltazar, gastos em prendas os prometidos 2 euros e 45 do aumento da reforma já em Janeiro, o cronista vira-se para a “obrigação” do bacalhau de hoje e do perú de amanhã e, não lhe sobrando nem tempo nem verve para grandes tiradas literárias, continua a tirar lixo das suas gavetas numa tentativa de cumprir o que os Grandes decidiram no COP21.

 
Todos sabem que o tempo é relativo. A minha vida decorre naquele espaço de tempo que medeia entre a onda que chega à praia e o seu retiro. Tento então desesperadamente caminhar pé descalço na intenção de deixar as minhas pegadas. Que duram 30 segundos e desaparecem, com a esperança que o tempo seja efectivamente relativo. Hoje não o é, e, por isso, não tenho mais uma vez tempo para escrever nada de novo. Não faz mal porque o que deveria ser novo, aconteceu há mais de dois mil anos, quando uma estrela cometa com apenas três seguidores teve um êxito tal que ainda agora não se fala de outra coisa,  num local onde hoje não deveria haver conflitos, importados e exportáveis, com o mercado bem alerta.

Na semana passada impingi-vos o texto intitulado “Platão e Aristóteles”, o qual, como disse, foi lido durante a sessão “Incertezas Económicas”, no Auditório da AICEP, em 26 de Maio de 2011. Na sequência disso, e para que não digam que só falo de gente morta à séculos, fui outra vez à gaveta com a etiqueta “Ciência com Cuspo” e lá descobri outro texto meu subordinado ao mesmo tema, também de 2011, desta vez dedicado ao velho, morto e ressuscitado, John Maynard Keynes, o qual, mesmo quando andava nas nuvens em rodopio com a bailarina Lydia Lopokova, do ballet russo de Serge Diaghilev, que foi sua Mulher, tinha tempo e cabeça para nos deixar uma herança que ainda não caducou, e a prova disso é o seu pouco respeito pelo famigerado défice, papão que tanto nos tirou o sono , e volta agora a despertar de um prolongado letargo num banco do jardim da Madeira.

John Maynard Keynes
Pouco antes da sua morte perguntaram-lhe o que teria feito de diferente. A sua resposta condiz com a sua personalidade: - Teria bebido mais champagne. E estou a falar da sua verdadeira morte e não daquela com que Robert Lucas, Prémio Nobel em 1995, que já tinha, durante a crise de 1973, dito que Keynes era a serpente que assolava o paraíso da economia, intitulou a conferência “A Morte de Keynes” em 1976, a qual foi um golpe devastador nas hipóteses de trabalho dos modelos keynesianos.

Perguntaram a Samuelson, um dos maiores economistas da segunda metade do século passado, se Keynes tinha de facto morrido. Respondeu: - “Sim, do mesmo modo que Newton ou Einstein.”

Aliás as opiniões sobre Keynes foram sempre contraditórias: Nixon dizia no princípio dos anos 70 “we are all Keynesians now”, acrescentando mais tarde Friedman “and none of us are Keynesians anymore”. O Professor João César das Neves escreveu que Keynes é o responsável por lançar um dos mais notáveis episódios da história da economia. Na verdade, a “revolução keynesiana”, que se seguiu ao seu livro de 1939 “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, constitui um choque teórico monumental, que gerou um dos surtos mais potentes de actividade científica na disciplina. Directamente, os seus resultados haveriam de dominar por mais de 40 anos. Mas a sua influência será sentida para sempre.

A propósito da sua famosa citação “A longo prazo, todos estaremos mortos”, o seu biógrafo Robert Sidelsky disse: “Poderá não haver tempo para esperar pela perfeita operação teórica do capital, tal como os neoclássicos insistem que acabará por acontecer. Enquanto isso, temos Keynes: mais flexível, mais humano e mais real do que nunca”.

Parece que estamos a viver uma segunda encarnação de Keynes, já que os seus pressupostos voltam a ser seguidos. O motivo é óbvio: a economia global está a desmoronar; os pacotes de incentivo voltam a estar na ordem do dia. Pode ser que a maioria dos agentes económicos considere a “teoria geral” de Keynes inadaptada aos nossos dias e à actual crise, mas na situação que vivemos nenhuma teoria é melhor que a sua má teoria, mas, ainda assim, é preferível a não ter teoria alguma, como parece acontecer aos desorientados políticos e economistas que nos metralham com as suas pouco prováveis previsões. O furacão económico a cuja devastação actualmente assistimos oferece-nos uma extraordinária oportunidade para reorientarmos a vida económica para valores de sensibilidade, justiça e bondade, sendo Keynes o guia indispensável para esse futuro.

Nascido em 1883, Lord Keynes, Barão de Tilton, foi o não economista mais brilhante que alguma vez se dedicou ao estudo da economia. Filósofo moralista e evolucionista, o seu pensamento económico regia-se pela ética. Perguntava-se: “Para que serve a economia?”, “De que forma pode a actividade económica reflectir-se numa vida boa?”, De que nível de prosperidade necessitamos para viver bem de uma forma agradável e sábia?”. Corrector da Bolsa, especulador financeiro (ganhou e perdeu), Presidente do Banco de Inglaterra, foi a sua compreensão do espírito especulativo que fez dele um economista tão extraordinário. Na economia de Keynes, o fio invisível da convenção assumiu o lugar da mão invisível do mercado de Adam Smith na formação dos resultados sistémicos.

Enquanto a primeira economia socialista se edificava na URSS, o mundo capitalista experimentava em 1929 a crise de superprodução mais grave da sua história. A teoria de Adam Smith baseava-se na lógica da escassez. Os recursos eram escassos em relação às necessidades. Assim nunca poderia haver falta de procura para os produtos da indústria: a procura era igual à oferta. O desemprego era apenas uma noção. Viu-se dramaticamente que não era assim. Viu-se que essa crise levou ao triunfo provisório do nacional-socialismo na Alemanha. Nos países anglo-saxões, a crise económica abre caminho a uma importante evolução do pensamento económico, evolução que se resume na batalha empreendida por Keynes e seus discípulos contra a economia neoclássica, batalha que terminará com a vitória dos modernos contra os antigos. Não são apenas teses abstractas que se defrontam. O advento da economia política keynesiana está estreitamente ligado à transformação importante das políticas económicas nos países capitalistas. Posteriormente, com a Teoria Geral, nasce a Macroeconomia.

Keynes era um incerto. A incerteza é omnipresente na imagem keynesiana. Este sentimento de incerteza tem flutuações: por vezes as pessoas estão mais confiantes do que noutras alturas. Quando a confiança é alta, a economia prospera; quando diminui, a economia afunda. É importante realçar que Keynes não considerava a incerteza como estando presente em todas as vertentes da vida económica. A incerteza assume-se como uma questão para a economia quando a nossa subsistência ou a nossa prosperidade dependem das nossas perspectivas relativamente ao futuro.

Numa carta que escreveu em 24 de Dezembro de 1917, referindo-se à política dos governos conservadores que lhe parecia absurda, dizia: “Os nossos dirigentes são tão incompetentes, tão loucos e tão viciosos, que a era determinada de civilização de um género determinado poderia ser perfeitamente deitada abaixo.” Há quem escreva, pondo em prática quanto escreve, e quem fale todos os dias só para não estar calado, já que os resultados não se vislumbram.

As ideias de John Maynard Keynes nunca foram tão actuais. Há três coisas nas suas ideias que são particularmente relevantes. A primeira é a de que o futuro é impossível de prever e, como tal, as tempestades económicas – sobretudo as que têm origem no sistema financeiro – não são factores externos que chocam contra mercados em lenta adaptação, mas sim parte do normal funcionamento do sistema dos mercados. A segunda ideia é de que as economias atingidas por estes choques podem manter-se em depressão durante muito tempo, caso sejam deixadas isoladas; é por isso que os governos precisam de ter – e de usar – munições fiscais para impedir que uma crise financeira descambe em depressão económica. A terceira é uma crítica geral das sociedades que veneram a obtenção de dinheiro e eficácia acima de todos os outros objectivos da sobrevivência humana.

Hoje somos todos keynesianos nas trincheiras, e desculpem-me se não sei quem disse esta verdade (A). É mais uma concessão que peço para o meu direito à imprecisão.

 
Keynes e o Deficit Orçamental
Apetece esclarecer alguns equívocos relacionados com o keynesianismo. Nos Estados Unidos, Keynes é considerado erradamente uma espécie de socialista. Não era um defensor das nacionalizações nem tão pouco um regulador. Não fazia o elogio do capitalismo mas nada fez para o enterrar. Segundo ele, o capitalismo, apesar de todos os seus defeitos, era o melhor sistema económico disponível, uma etapa necessária na passagem da escassez para a abundância, da vida de trabalho duro para a boa vida.

Habituados que estamos a que o fim último de todas estas medidas económicas que nos apertam hoje o cinto e o pescoço, é a estabilidade do défice orçamental à volta dos 3%, é curioso saber que Keynes era um defensor dos défices orçamentais permanentes. “ Os défices não têm importância nenhuma”, dizia, achando que os orçamentos governamentais deveriam ser normalmente excedentários. No fim, os maiores esbanjadores da história dos Estados Unidos foram Presidentes republicanos que advogavam doutrinas antikeynesianas de mercado livre: o único conservador em matéria de fiscalidade, nos últimos 30 anos, foi Clinton que era um democrata. Se tudo isto tem uma lógica, eu não a percebo, e agradeço que me expliquem.

Abraço e Bom Natal a todos.

Lisboa, 24 de Dezembro de 2015
Octávio Santos 

A)   Afinal foi o Robert Lucas, o mesmo que lhe tinha preconizado a morte em 1976. Só os burros não voltam atrás, como nos ensinou agora o PR que disse, pensando falar para asnos sem memória, que é preciso muito cuidado para nos pronunciarmos sobre a situação dos bancos a cair da tripeça. Zurrou ao contrário, mas já só as suas próprias orelhas o ouvem.