quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Beleza e ignorância, Dostoievsky e Vittorio Sgarbi, um Natal de Entrudo, mafiosa famíla romana, Aylan e Cecília “dormientes”, Palmira e Coliseu, Califas de outro tempo e de agora, homens em pé e homens de joelhos, templos do espírito em pó, de Platão a Dante, com Balzac em PS.


Instruções para uso, sabendo já que ler melhora a vida, mas ouvir também:

Funciono de forma oposta às, por exemplo, seguradoras que te enganam com duas páginas com letras pequeninas, onde está tudo o que interessa mas que não tens paciência para ler. Assim, advirto-te desde já que não vale a pena prosseguires a tua leitura se não estiveres disposto, ou não tiveres tempo, para ver o vídeo, com a duração de 6 minutos e 4 segundos, já que a parte importante deste texto é a sua tradução; se sim, podes continuar e vais agradecer-me, se não, clica para desligar e sou eu que te agradeço. Fim das instruções.

Parece ter sido Dostoievsky que disse que a beleza salvaria o mundo, e nunca foi tão actual repetir o conceito, mas foi também o grande escritor russo que disse que “É melhor ser infeliz, mas estar inteirado disso, do que ser feliz e viver como um idiota”. Que a ignorância mata não é necessário que ninguém o repita, porque qualquer ser humano o percebe, caso o teor, e tipo, de ignorância o deixe perceber. E quando digo ignorância não me refiro àquela de que enfermam aqueles, como eu, que não sabem nada de física quântica, economia liberal, real politik,  obrigações subordinadas e CDO's, altos e baixos do barril de Brent, ou das diferenças entre WM e 4.4.2 ou entre corrupção e política, e calo-me aqui para não começar a dizer os  nomes daqueles que perceberam há muito, porque não são ignorantes nem estúpidos, que não há justiça que chegue para decidir sobre o conteúdo dos milhões de files a seu cargo (quanto mais, melhor) e que, por isso, nunca irão, em vida, parar às pátrias masmorras que, de momento, só lá têm o Vale e Azevedo que, coitado, só agora, com o carnaval à porta,  foi autorizado a passar o Natal (de 2015) em casa porque os juízes, coitados, com a afluência de trabalho, só agora tiveram tempo de lhe assinar o papelito libertador. Refiro-me, sim, àqueles que ignoram, ou são obrigados a ignorar, não com a mente mas com o coração. 

A semana passada mandei-vos as imagens estatuárias de uma santa e uma beata em êxtase, nem eu sei bem com que fim mas, seguramente, porque as tenho gravadas e pertencem às coisas que ninguém me poderá roubar, e, na pesquisa dessas imagens, dei com aquela de Santa Cecília degolada que, também, tantas vezes admirei na Basílica romana dedicada à mártir, e que é a imagem desta crónica. Como as coincidências, e pergunto-me quantos já teriam estudado os seus mecanismos (ver PS), são para mim pão nosso de cada dia, quis o destino que tivesse visto e ouvido na RAI o crítico de arte Vittorio Sgarbi em mais uma das suas “lições” que até os seus inúmeros e ferozes detractores sabem serem magistrais, e que, durante um almoço, uma Senhora me tivesse perguntado se eu sabia alguma coisa sobre o islão; tendo eu respondido que não, que cada vez sabia menos coisas de cada vez mais coisas, me disse que eles não têm respeito pelas mulheres, o que querem é ter muitas (ainda se nós também pudéssemos ter muitos!), e que querem invadir Portugal e é pena que não haja agora ninguém como o D. Afonso Henriques que, quando eles tentaram entrar em Portugal naquele tempo lhes deu uma coça do caraças e não os deixou pôr o pé neste nosso cantinho do céu. Não quis estragar o almoço a quem tão amavelmente me tinha convidado, engoli, junto com a posta mirandesa e o vinho da casa que até era bom, os conhecimentos da Senhora que ficou feliz por ter ensinado qualquer coisa a um totó que nem sabia que o que eles querem á gajas. E o facto é que sei muito pouco sobre o islão e, não usando da caridade cristã que demonstrei naquele almoço para não o estragar, estrago-vos agora o dia, e talvez toda a semana, com a tradução que fiz da “lição” do Professor Sgarbi, para aqueles a quem poderá escapar o sentido de tudo aquilo que ouvirão no vídeo, e ela aí vai com todas as imperfeições que pode ter a transcrição de uma oração: 

“Os italianos não conhecem o que têm. Será necessário perceber que aquilo que acontece na Síria sucede por ignorância? Pois bem… As ruínas romanas de Palmira, o templo mais belo de Roma, que era Palmira, foi destruído por pessoas que consideram que aquilo fossem… pedras, ou pouco mais…, não história, e isto pela sua radical ignorância, porque Deus existe na nossa consciência, mas um Deus que dá ordem para matar não é Deus, um Deus que dá ordem para devastar não é Deus, o seu (deles) Deus não é Deus! Com Deus em ti podes amar, podes ajudar, podes salvar, não podes destruir, não podes matar! Em nós, Deus não pode matar! 

Então, aquilo que vemos hoje é, por um lado, o ISIS italiano, isto é, aquele das pás eólicas, aquele da paisagem destruída, aquele dos edifícios demolidos porque são pouco importantes, como nos repetem, e também nós temos bárbaros; mas a escola deveria, com os museus, ensinar-nos a perceber. Aquilo que aconteceu em Palmira, enquanto aqui todos se preocupavam com os Casamónica, a máfia,o cortejo, o carro funerário (A), cagadas sem razão, tudo isto… (não se deve dizer a esta hora, mas pode-se reduzir, apagar…cagadas apagadas), tudo isto é muito, muito, muito, muito menos grave, mesmo insignificante, em relação ao facto que daqui a dois anos estarão, se estivermos parados, a pôr bombas no Panteão e no Coliseu, porque o que fizeram em Palmira foi feito em Roma; isto é Roma, não é Síria! Aquilo que está a acontecer ali, acontece na realidade contemporaneamente aqui! 

Então, vejamos estes edifícios que já não existem, agora é pó onde estava o templo, é agora a memória de Baalshamin e também do templo de Bel, que estamos a ver, mas tudo o que vemos é memória, é fotografia, não existe, devastado, abatido em nome de Deus! E depois estas coisas talvez comovam as pessoas cultas e sensíveis, mas devemos pensar que não é apenas comovente o que diz respeito às pessoas porque todos ficaram chocados com a imagem do pequeno Aylan, que vemos nesta imagem, e justamente, é uma imagem poderosamente evocativa, é uma tragédia que diz respeito a um menino, e a todos os meninos do mundo; o menino parece dormir. Vejamos como a sensibilidade cristã era já tal, que em 1599 esta imagem tinha já sido pensada por Cósimo (lapso de Sgarbi), vejam, por Stefano Maderno, um escultor que reproduz em mármore, de maneira maravilhosa tornando-a eterna, a imagem de Santa Cecília, apanhada exactamente assim como “dormiente”, vejam que tem um talho no pescoço, e é incrível que à distância de séculos a imagem fotográfica reproduza aquela imagem cheia de verdade e cheia de dor, na serenidade, o sono, e foi isto que comoveu, comoveu até a Merkel, que a fez mudar a perspectiva sobre os refugiados, porque se percebeu que são seres humanos que têm de ser ajudados, ao contrário dos seus homens, amigos com a mesma fé, que os matam. 

Vejam esta imagem, a sucessiva, uma outra figura de uma “dormiente”, um Adónis maravilhoso, de um grande escultor que se chama Corradini, que poderíamos ter nos museus italianos mas que alguns, digamos, atentos a tantas coisas mas distraídos diante da beleza, consentiram que esta obra acabasse no Metropolitan Museu, um historiador de arte que a reconheceu, chama-se Montanari, e considerou que fosse a mesma coisa a obra ter ido para a América, tudo isto é uma forma de falta de respeito pelo nosso património, isto é a Itália, em Itália deve ficar, em Itália devemos vê-la, mas vejam como ainda o mundo antigo nos manda sinais e como nós podemos responder com a arma da cultura; olhem para esta imagem: 25 persas que vêem ali, com aquela imunda bandeira que cobre um templo romano, ou melhor, o teatro romano, vejam que estão homens em pé e homens de joelhos. São rapazes muçulmanos, aqueles atrás têm armas na mão, são rapazes jovens, adolescentes, para disparar aos outros. Esta fotografia é ainda mais terrível que aquela do menino na praia porque dentro de um momento estarão mortos, e estarão mortos sem terem feito absolutamente nada, como se um católico de Rimini matasse um católico de Cesena, não há nenhuma diferença, a mesma religião, a mesma cultura, a mesma formação, mas têm uma incultura de base e por isso chamam Deus para justificar o seu horror; estão a matar aqueles que têm diante de si e indiferentes voltam as costas a esta arquitectura extraordinária, não percebem que esta tem em si a civilização, a humanidade, aquilo que nós somos, aquilo que depois do mundo romano se tornou o mundo cristão, ali, o mundo árabe, que no tempo dos Califas, por volta de 630/640, quando chegaram a ocupar Palmira, não destruíram, não tiveram a violência que têm hoje, aqueles Califas de então respeitaram o mundo romano, o mundo bizantino, transformaram aqueles edifícios em mesquitas, não os destruíram; aquela cultura perdeu-se, e chegou a barbárie que leva a matar pessoas como tu. 

Vejam o que é a Itália, o que é a cultura italiana, numa espécie de correspondente natural desta arquitectura que corre o risco de estar em pé por pouco tempo. É a Escola de Atenas, de Rafael: vejam, uma arquitectura que está por cima, como um templo do espírito, de personagens que são Platão, Aristóteles, Miguel Ângelo, Dante, que estão ali a pensar que a antiguidade serve para viver hoje: a antiguidade para aquelas personagens serve para legitimar a destruição e o horror: a arma secreta que temos é a civilização, a cultura e a beleza. Obrigado! Obrigado!” 

A)   Refere um recente escândalo romano; funeral de um chefe de família mafiosa, os Casamónica, com coche funerário negro e dourado puxado por 6 cavalos 6, orquestra a tocar a música do Padrinho, helicóptero a lançar pétalas de rosa, gigantografia do defunto na fachada da Igreja de São João Bosco. 

Abraço. 

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2016
Octávio Santos 

PS: Balzac, na sua novela “Le Réquisitionnaire”, publicada em 1832 no seu livro “Contes Philosophiques”, prevê o nascimento da parapsicologia que só aparecerá na segunda metade do século passado, passados mais de cem anos: “Na hora exacta da morte de Mme. de Dey, em Carentan, o seu filho era fuzilado no Morbihan. Podemos juntar este trágico acontecimento a todas as observações acerca de afinidades que parecem desconhecer as leis do espaço; documentos juntos com sábia curiosidade por alguns homens solitários, e que um dia servirão a lançar as bases de uma ciência nova, à qual faltou até agora um homem de génio”.