quinta-feira, 21 de abril de 2016

Seguindo sempre e à letra Mestre Ennio Flaiano: "A felicidade é desejar aquilo que se tem", e um princípio meu, se é que alguém não o disse já antes: “Preciso apenas, e só, daquilo que tenho”, atrevo-me a balizar caminhos para outros, na esperança de redenção da incapacidade que tive para balizar os meus próprios, acabando tudo em bem e em festa, só faltando foguetes e zés pereiras.


Este mundo é estranho e pergunto-me como é que alguém que tem dentro de si o caos pode escrever com a pretensão de endereçar outros para a direcção certa na cruz dos sete caminhos ainda por cima com vozes a gritarem slogans que alguém as mandou gritar como “acredita no teu sonho e trabalha sem parar” ou “trabalha sem horário feriados e fim de semana e vais ver os frutos” porque é este hoje o senso comum que para mim é o maior inimigo do bom senso que por vezes também nos engana como quando pensamos que o automatismo do bem existe e te dá a certeza que se fizeres sempre a tua obrigação ou o que pensavas que essa fosse as coisas boas acontecem e vêm ter contigo como prémio mas depois quando sabes que morrem sete vezes mais pessoas por infecções hospitalares que por acidentes de viação ou porque se reduziram os custos das despesas com a saúde porque assim decidiu alguém que está muito acima de ti porque foi preciso desviar o dinheiro para outros canais ou para o Canal e tens o melhor ministro do defunto governo a correr no tapete ao lado do teu no Holmes Place o mesmo que fez com que um enfermeiro cuide de cinquenta e cinco doentes numa unidade de saúde do cantinho do céu apetece-te mandar o bom senso junto com a boa educação às urtigas e dizer-lhe na cara o mesmo que dirias àquele incontestado príncipe do nosso foro que afirmou que “querer acabar com os offshores é como querer acabar com a prostituição” e que “muitas vezes os offshores têm uma lógica que não tem nada de ilícito da mesma forma que pode haver prostituição por amor” que é um grandessíssimo filho de um offshore e que vá acabar mas é os seus dias no Vale (ou Quinta) das Lágrimas mas daquelas verdadeiras e não nas suas de luxo. 

Agora paro porque não era acerca disto que eu queria escrever, mas sim sobre os nossos medos e incertezas, ou porque este mundo se tornou assustador, ou porque temos medo daquilo que não conhecemos como acontece no primeiro salto de paraquedas, e por isso nos escondemos de tudo, ou pior, tudo exorcizamos, deformando assim o espelho que nos obriga a ver de nós o que não queremos ver, escondendo-nos do que na realidade conta. Mas as coisas são o que são e o destino prega-nos cada partida; o máximo foi sabermos na RTP 2 que o médico que fechou os olhos a Salazar, e lhe passou a certidão de óbito, um tal Manuel Souto, fadista e tudo, era do PCP e tinha sido mandado para a sua cabeceira em S. Bento por ordem de um Professor seu superior que, por acaso até foi Grão-mestre de uma das lojas maçónicas nacionais e, também por acaso, era o meu médico. Quem pode adivinhar ou determinar seja o que for? 

O que eu queria esta semana era alertá-los para as possibilidades que a vida nos oferece, por maiores que sejam as adversidades, ou porque os problemas se nos apresentam como montanhas intransponíveis, ou, simplesmente, porque não estamos bem connosco e não temos momentaneamente a percepção de como é fácil mudar as coisas em nosso favor. Ou então, também acontece que, sentindo-se perfeito e, como tal, com uma missão a cumprir, alguém se esqueça de si e carregue nos seus ombros o peso dos problemas daqueles que lhe estão próximos, que ama a ponto de deixar de se amar a si próprio. Geralmente estas pessoas, que também são anjos, acabam por se sentir falhadas e, mesmo continuando jovens, comecem a pensar que não valeu a pena ter vindo ao mundo, esquecendo que, com tudo o que de bom fizeram, criaram um sistema de raízes de tal maneira forte que, aconteça o que acontecer, nada as poderá já abalar, com a vantagem de em cada primavera e por milagre, o despertar seja glorioso, bastando por vezes comprar um espelho novo. 

A propósito de mudar o destino, mesmo quando este parece ter um sentido único, quero lembrá-los que, de hoje, 21/4, até 13/7, temos, no cinema Nimas, o “Ciclo do Cinema Russo” que nos dará a ver, do período da União Soviética até à Perestroyka, todas as extraordinárias obras de realizadores como Eisenstein, Bondarchuk, Konchalkovsky e Mikhalkov, para falar só destes, filmes como  Siberíade, Outubro, Alexandre Nevsky, O Couraçado Potiomkine, Ivan o Terrível ou O Tio Vânia, que vi dezenas de vezes na televisão búlgara, obviamente sem legendas ou dobragens, usufruindo da deliciosa doçura húmida da língua russa, destacando-se na minha memória, Siberíade,  por se tratar de um vademecum para como vencer dificuldades, neste caso extremas, e também porque nele estrelava   Natalya Andrejchenko, para mim, e que me desculpem Audrey Hepburn, Ingrid Bergman, Anna Magnani, Irene Papas  ou Merryl Streep, a mais extraordinária artista de cinema de todos os tempos. Se tiverem pachorra e tempo, porque há filmes que duram mais de três horas e são mais lentos que “Uma Abelha na Chuva”, imaginem como é que grandes realizadores, a quem o regime totalitário da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas encomendava obras de propaganda, não havendo como fugir ou sequer tergiversar, punham de parte toda a sua ideologia, ou a falta dela, concentrando-se na sua arte suprema de fazer cinema, que se lixem as mensagens enganosas, criando obras de uma perfeição e beleza únicas, difíceis de serem igualadas.

Não é para todos o poder fazê-lo, mas está ao alcance de todos meditar na vantagem de ter a coragem de o fazer. 

Como isto está a ficar muito pesado, didáctico e pretensiosamente encurralador, numa tentativa de vos levar onde quero, vou acabar com duas coisas ligeiras que inadvertidamente se me apresentaram na net durante a pesquisa que fiz para vos transmitir o que queria e, pior, também o que não queria, ou pelo menos não era essa a minha intenção; a primeira, a poesia de João de Deus, “Dia de Anos” (A) para todos e todas que fazem anos hoje ou na próxima quinta-feira, e estou a lembrar-me da Marta, e a canção da dupla Tom Jobim/Vinícius de Moraes, de que vos deixo letra e vídeo, “Se todos fossem iguais a você”, isto para que não percam a esperança e se levantem, mesmo que seja só para fazerem na perfeição tudo aquilo que não gostam de fazer, como aconteceu aos realizadores em tempos de Goulag. 

A)   Num comentário à poesia de João de Deus pode ler-se, assinado por um tal António
        Mendes, a seguinte sextilha:
 


Fazer anos quem me dera

e sempre na Primavera.

é assaz elucidativo

por ora estar presente

mesmo por vezes ausente
mas que ainda estou vivo.

 
Abraço.

Lisboa, 21 de Abril de 2016
Octávio Santos