Já são mortos a mais. 14 entre o Meco e a Caparica. Mais de 350 ao largo de Lampedusa. Centenas na República Centro Africana. Perdemos os milhares àqueles do Iraque e do Afeganistão. Estamos quase a perder a conta daqueles da Síria. Não há números certos acerca dos filipinos. Esperam-se as estatísticas sobre os mortos da crise, suicidas incluídos. Depois foi Nelson Mandela e agora Eusébio.
Na 2ª
feira, dia de Reis, o Dr. Marinho Pinto, com o indisfarçado intuito de
desvalorizar tudo o que todos viram da extraordinária homenagem que todos, e
sublinho todos, prestámos ao nosso Rei morto, debitou uma lista de diversas
personalidades que recentemente passaram a melhor vida, incluindo o Senhor
Kalachnikov, Hugo Chavez, Giulio Andreotti, Margaret Thatcher e outros que não me lembro
já que deixei de o ouvir, embora tenha a certeza que não referiu o Dr. António
Borges. Que merecia ser lembrado, em pé de igualdade com a Dama de Ferro, por
ter sido encarregado pelos donos do dinheiro para, em nome da freenança, destruir o Estado Social no
seu próprio país. E o seu desaparecimento prematuro, que todos humanamente
lamentamos, em nada alterou os desígnios dos seus mentores, já que os seus
herdeiros, jovens, sérios, determinados, magrinhos e mal dispostos, um até com
apelido numismático, o que o honra visto que não se esconde, pensaram levar a
sua “tarefa” até ao fim. Estaremos cá para ver. Uma coisa é certa; estes
senhores partiram de uma premissa errada que só o seu (deles) obnubilado “cérebrozinho”
poderia congeminar, e, passo a expor o meu ponto de vista sobre este erro
histórico.
Tudo
começou com a queda do Muro de Berlim, para designar assim o fim do socialismo
real, ou seja, do comunismo, “para chamar
os bois pelos nomes”. No seu anti-comunismo
cego (também eu o sou mas já fui operado às cataratas), os donos do dinheiro
sentiram-se senhores absolutos e vá de avançar à bruta, doa a quem doer. Só que confundiram o comunismo ditatorial
defunto com o Estado Social em democracia, vivo e de boa saúde, e não
perceberam a diferença fundamental. O Estado Comunista, para se manter no poder
à força, dizia ao povo: - Não penses, e não te preocupes; estamos cá nós! O Estado Social, para que o povo continue a
votá-lo, diz-lhe: - Deves pensar, e não te preocupes; estamos cá todos!
Mas só
falei disto porque veio na onda dos mortos do Dr. Marinho Pinto, quando o que
queria era falar do “nosso” morto.
É
verdade. Domingo foi um dia triste. Não queria entrar no coro geral de elogios,
não porque o Homem não o mereça, como deu a entender o ilustre causídico, mas
porque não esqueço algumas coisas que agora é de bom tom não recordar. Sem
nomear os responsáveis, porque para além de não me
lembrar, não merecem a atenção de ninguém, é bom ter presente que aquele que
foi o maior futebolista português de sempre, jogou no Arsenal Futebol Clube, no
bairro de Mafalala, no Sporting de
Lourenço Marques, onde o Benfica o foi buscar por 250 contos, fazendo a sua
brilhante carreira no clube da Luz. Na Selecção Nacional jogou sempre com a
mesma alegria e empenho com que jogava no seu clube; mas os tempos eram outros.
E os homens também.
Quando
o seu joelho começou a fraquejar, após a 5ª ou 6ª operação, e o Benfica deixou
de precisar dele, o Eusébio, na ânsia de mostrar que ainda era o maior, foi
ainda até ao Canadá, aos Estados Unidos e ao México onde foi campeão nacional. Regressado a Portugal jogou no União de Tomar
e no Beira Mar, onde alternou partes de jogos com o banco dos suplentes e
humilhações não esperadas nem merecidas, marcando ainda assim mais alguns
golos. Depois, o Benfica esqueceu-se que ele existia e que tinha necessidades,
já que não ganhara durante a sua fabulosa carreira, o que jogadores de hoje,
que tentam chegar-lhe aos calcanhares, ganham num mês, contabilizando juntos,
golos e desodorizantes. Houve tempos em que Eusébio almoçava e jantava no
Nobre, na Ajuda, porque atraía clientes que lá iam para, além de comer bem, trocar
algumas palavras com ele e roçarem a intimidade de uma celebridade. Dizem que
levava para casa refeições para a Família. Em 1980, alguém com vergonha e
memória, e aqui o nome de Gaspar Ramos convém ser lembrado, o fez regressar à
“sua casa” devolvendo-lhe a dignidade. Mas isto foi só um desabafo para provar
a mim mesmo que ainda tenho memória, por mais incómoda que seja.
Um dia,
quando escrever sobre os fugazes encontros que tive com pessoas conhecidas, não
hei-de esquecer que almocei uma vez com o Eusébio. Lembro-me que estavam à mesa
outros jogadores do Benfica como o Cruz, o Adolfo, o Malta da Silva, etc., que
lhe chamavam “o nosso abono de família”, referindo-se aos prémios de jogo que
os seus golos os faziam ganhar. Quanto
à grandeza deste Homem, alguém nos revelou que, poucos dias antes da sua morte,
Eusébio mostrou o desejo de dar um abraço ao Artur Jorge, que perdera a sua filha Francisca
na noite de Natal. De verdadeiro Rei!
Acham
que um Homem assim merecia que alguém se lembrasse de retirar os cachecóis
verdes e azuis da sua estátua, ou que o Dr. Marinho Pinto tentasse fazê-lo
descer ao nível do inventor da AK 47?
Lisboa,
9 de Janeiro de 2014Octávio Santos