Eu no Tua e tu não estavas
Não é Tua não é Minho mas é de quem o apanhar.
O Tua é rio que não é meu, roubado ao Douro p’lo novo Muro
Tudo é novo e tecnológico, e um drone
aponta-me à cara espantada
Que debita a sua deixa a um louco, para quem o Tua não é pouco
E rega com palavras adultas um bebé, como se fosse a única razão de
estar em pé.
Ensonado e curioso parti do Oriente (não das Índias)
Olhando as palmeiras do Santiago Calatrava
Únicas resistentes ao imundo bicho que as devora com uma
determinação quase humana
Penso que a alma dos homens tem a arquitectura daquelas altas,
altas
Que nos ancoram ao chão, para as mantermos vivas ou para ajudarmos
a destruí-las.
Uma seta que une a noite ao dia me despejou sem história na
Campanhã
Que, pobre dela, seguindo as modas já viu privatizada a cagadeira
Com cinquenta cêntimos se passa o torniquete, e aliviado em vaso
inoxidável
Ajudei ao lucro de empresário, que se merecer top ten da Exame, já vive do meu consumo
Ficando feliz em aumentar-lhe os proventos com a minha mijadela
memorável,
Meu desconsumo e seu lucro.
Depois, até ao Bustelo, tens as Amadoras, os Rios de Mouro e as
Odivelas do Norte
Tudo a cheirar a francesinhas com molho ou a entremeadas com batata
frita Matutano.
E finalmente o Douro à tua direita se a janela não for suporte de
obra de arte moderna,
Que transforme a carruagem em vagão Jota de transporte animal
Liso como o tampo da minha mesa da casa de jantar
Com círculos concêntricos de peixes a saltar (não sei se vi uma
lontra)
E só mais adiante, passando Tormes (sonhei com favas e literatura)
O tampo da mesa se enrugou e parecia a da casa do forno da minha
Avó
Onde amassava o pão em cima dela e depois o deixava a crescer, a
levedar
A caruma a acender, as vides a começar a crepitar, e os cheiros,
Os cheiros daquilo tudo que era bom, os cheiros….
Dos companheiros de viagem, tantos e tão diversos
Só tirei uma selfie com
uma Mulher triste e cansada, entrada nos anos
Que entrou na carruagem abraçada a um ramo de flores de pano
E com o Homem, sentado vis à
vis, que sem mais aquelas
Lhe perguntou onde ia com aquele ramo de flores falsas.
São para o cemitério, que as frescas estão pela hora da morte
E não posso vir todas as semanas para as mudar, que rezar, lá isso, rezo
todos os dias.
Fosse eu o morto, disse, e rogava-lhe uma praga por já nem merecer
flores verdadeiras.
Tua, Tua, que não és do Minho mas da Terra Quente do Nordeste
Transmontano,
Ou do Alto Douro Vinhateiro (qual dos nomes agradará mais à
UNESCO?)
Tua, que esperas que o novo Muro te limpe as águas da miséria que
do Cachão
Se juntam a ti como se fosses o vazadouro das escórias
Da arte de fabricar lixo, um dos poucos pontos não comuns a homens
e outros animais.
Parei no Tua perdendo a Alegria, mas também Ferradosa, Vargelos,
Vesúvio, Freixo de Numão
E Pocinho, estação terminal de uma viagem que só pode acabar mal
Enquanto de braço dado aos cinco estrelas com Spa, shiatsu e nova cozinha de contaminação
Conviverem tugúrios de tristeza para onde não desejo que vá viver
Nem a minha vizinha que fala alto às quatro da manhã por skipe p’ró Brasil.
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No Tua, mesmo em
frente da estação, o Calça Curta põe-te na mesa só coisas boas, do pão às
azeitonas passando pelo tinto da casa. Tive pena de, após os filetes de polvo e
as costeletas de borrego, não ter tido espaço para mais nada, à parte o café
que até esse é bom. Enquanto durarem os trabalhos da barragem, aconselho mudem o
nome para Calça Comprida, para satisfazerem a boa centena de comensais,
nacionais e estrangeiros, que vi entrar para almoçar e sair com ar beato.
Não vi o Douro no Cachão da Valeira que engoliu o namorado da Dona
Antónia
Um tal de escocês, Barão e de Forrester, Joseph James de seu nome
Fechei os olhos e vi-o a debater-se e a gritar por ela, my love, my love…
Ou pelo Vinho do Porto que nunca mais lhe passaria
Por aquela garganta que só servia agora para entrar água.
E tive medo de estar ali sozinho sem a única bóia que me salvaria
A tua, em caso de naufrágio, derrocada, tornado ou pior desgraça.
Mas isso já é uma outra história (de amor foi a da semana passada)
Que de Tua tem tudo, de Minho não tendo nada.
Abraço.
Lisboa, 12 de Novembro de 2015
Octávio Santos