Confesso que tenho o
hábito de ler o “Le Monde” e o “Corrière della Sera” no El Corte Inglès, em
acções quase quotidianas de parasitagem - ia escrever canibalismo mas teria de
dar explicações que nem eu próprio entenderia -, até quando não se lembrarem de os reduzir ao nível do
“Correio da Manhã”, que esse mostra a 1ª página com a menção protectora, e
ameaçadora, de “vende-se no balcão”. Mas, como nem todos os dias os almoços são
grátis, este “Le Monde” de 21/10 tinha tantas notícias apetitosas que lá
resolvi desembolsar os dois euros e meio e estou agora sentado à sua frente
para vos “traduzir” à porca janota - será que a Dona Lilita ainda está no Café
Correia de Vila do Bispo, a regalar todos os escolhidos com as lulas recheadas,
os camarões guisados e o bolo de batata doce? – tudo aquilo que nele chamou a minha atenção, e começo já:
- Nuclear: Pequim
entra na Europa, pela mão da EDF - Electricité de France, para construir no
sudoeste da Inglaterra, em Hinckley Point, duas centrais nucleares. Assim, a
China (CGN -China General Nuclear, e CNNC - China National Nuclear Corporation)
entra no exclusivo clube dos países exportadores de tecnologia atómica,
financiando 33,5% dos 33 mil milhões de euros que se calcula custará a
operação. Vitória política e económica que teve a sua montra na visita de Xi
Jinping, recebido como um rei pelo conservador David Cameron que sonha fazer da city a testa de ponte financeira
chinesa no Ocidente. Pergunto-me para que é que a Fosun e a Anbang precisavam de comprar o Novo Banco? Para
entrar na Europa?
- Skynet, um
programa secreto baseado na análise de dados telefónicos por meio de um
algoritmo, permite à NSA - National Security Agency alvejar presumíveis
terroristas no Paquistão. Nesta lista negra de indivíduos a abater por meio de drones há também muitos inocentes. Nem
queria acreditar no que estava a ler, mas fui confortado pelo Sr. Michel
Hayden, ex-patrão da NSA passado depois à CIA, que declarou em 2014: “Sim, nós
abatemos pessoas baseando-nos em metadados”. Não percebi tudo bem, mas deu para
entender que, se os metadados recolhidos e tratados de cada um dos 188 milhões
de utilizadores de telemóvel,
der um resultado acima de um certo plafond, determinado pelo tal algoritmo,
esse é considerado terrorista e portanto passível de ser abatido. Calculem que,
segundo o BIJ - Bureau of Investigative Journalism, a CIA efectuou 421 ataques
com drones no Paquistão entre 2004 e
2015, que fizeram entre 2.500 e 4.000 mortos e, pelo menos, 1.500 feridos.
Desses mortos, 22% eram civis não combatentes, incluindo crianças, e 76% não
puderam ser classificados com precisão, sendo apenas 1,5% identificados como
“alvos de alto valor”, isto é, terroristas que ameaçavam interesses americanos.
Mas não sou só eu que gosto de brincar com coisas sérias, já que a NSA “roubou”
o termo Skynet ao sistema informático do filme “Terminator” que, tornando-se
incontrolável, decidira ele próprio aniquilar toda a humanidade com bombas
nucleares. Humor do caraças! Temos de
agradecer ao Edward Snowden o facto de agora sabermos isto tudo. Ou era muito
melhor não sabermos?
- Marte: trinta e
seis anos depois de “Alien”, Ridley Scott volta ao espaço com “Sozinho em
Marte”, naufrágio espacial de um optimismo eufórico, tudo à volta de um náufrago
engenhoso cujas receitas de sobrevivência quase resistem a um exame científico,
não muito importante para um que, ao pronunciar as imortais palavras “Estou-me
a cagar para a ciência”, merece o castigo da sobrevivência no planeta vermelho.
À parte o filme, Marte está no centro das atenções do mundo, talvez por
desilusão do planeta que nos foi dado estragar, porque já não falta tudo para
nos sentirmos de volta a 1962 a ouvir as promessas de conquista lunar de John
Kennedy. Com a anunciada novidade que afinal há água em Marte, e esta não é do
filme, parece renascer a esperança dos milhões que na Terra sofrem por falta
dela, ou por aqueles que morrem por a beberem, não potável, diariamente. Não
fui ver a “Ovelha Choné” e ia agora perder tempo a ver esta fantochada!
- Islamismo e
Europa: a Sra. Merkel parece ter prometido à Turquia usar os seus bons
ofícios para acelerar a entrada do país na UE, a troco de facilidades para os refugiados.
No sudoeste deste país euro-asiático há uma cidade de 280.000 habitantes,
Adiyaman, onde o Presidente Erdogan regista os melhores resultados eleitorais,
e que é o principal viveiro de recrutamento do estado islâmico em território turco.
De lá vieram os responsáveis e executores dos atentados de Ankara, Diyarbakir e
de Suruç, mas as autoridades estão mais ocupadas em reprimir os delitos de
opinião que a perseguir os assassinos. Tratando-se do ISIS, fecham os olhos
todos. As mesquitas e as madrassas de Adiyaman continuam a funcionar como se
nada fosse, mas é nelas que, sob o olhar complacente dos imãs, se recrutam
soldados para o ISIS. As famílias preferem o silêncio e, quando os corpos dos
filhos voltam da Síria, enterram-nos de noite. Estou cada vez mais baralhado.
Quando o Sr. Rajoy (não nos bastava Bruxelas e Berlim) diz que está muito
preocupado com Portugal, cujo PR diz que não PODEMOS se queremos ficar
na Europa e na NATO, como é que a Sra. Merkel promete abrir a porta a um país
com uma cidade assim? E será só uma, ou Adiyaman é o seu retrato?
(Lembrei-me agora do
filme "O Exorcista" quando o padre grita para a menina "Sai
daquele corpo!!!", porque me apetecia começar a gritar debaixo das janelas
do Palácio de Belém "Sai daquelas funções!!!!" para sentir novamente
pela instituição Presidência da República o mesmo respeito que sinto pela Bandeira ou pelo Hino)
- PEGIDA: “Patriotas
Europeus Contra a Islamização do Ocidente”, fez um ano no dia 19/10. Nascido em
Dresden (Saxe), já se tornou o símbolo de uma Alemanha populista e ocupa, junto
com o AfD - Alternativa para a Alemanha, o espaço deixado vazio entre a CDU-CSU
e os pequenos partidos neo-nazis. Na sua festa de aniversário, cerca de 15.000
simpatizantes ergueram uma forca para os traidores, Angela Merkel e Sigmund
Gabriel (SPD), e aplaudiram Viktor Orban, Vladimir Putin e Marine Le Pen. As
últimas sondagens dão 7% de intenção de voto ao AfD, o que lhe dará
representação no Bundestag, e o PEGIDA, que se esperava em declínio porque o
seu fundador, Lutz Bachman, que, para além de cadastrado, tinha aparecido
disfarçado de Hitler no facebook,
conseguiu juntar 25.000 manifestantes num meeting
em 2014. Pior que isto só o facto do NPD - Partido Nacional Democrático da
Alemanha, ou seja, o partido neo-nazi, ter tido 7% dos votos e eleito 5
deputados (entre 71) para o Parlamento Regional da Pomerânia Ocidental. Udo
Pastörs, sua cabeça e braço armado,
condena a violência e diz não ter culpa que as pessoas percebam mal os seus discursos e incendeiem
os alojamentos dos refugiados, e acusa o PEGIDA de estar a aproveitar-se da sua
acção - foi preso 20 vezes na rua após
discursos inflamados - para tirar as castanhas do fogo. Afirmou que a imigração
modifica o caracter de um povo, provocando, com a ajuda da “cloaca comercial
cocamericana” um genocídio de facto. Viva (esta) Alemanha!
- A Sesta, o sono do
justo equilíbrio: As virtudes insuspeitáveis da sesta. Vigilância, imunidade,
memória, criatividade, performance
profissional ou desportiva. Nem Reiki,
nem EMDR - Integração neuro-emocional pelos movimentos oculares, nem HBP -
Human Brain Project nos conseguem dar os benefícios de uma boa sesta. Tida por
vezes como um hábito reservado às crianças, aos calões e aos velhinhos, este
parêntesis cerebral vê as suas virtudes psicológicas, e não só, sublinhadas por
estudos que revelam os benefícios deste sono diurno tão sub-estimado. Visto,
até agora, como um conforto, está a revelar-se um instrumento de saúde pública.
Virá ele a ser aproveitado para o bom funcionamento das empresas? Uma dívida
contraída junto do banco do sono acumula-se como qualquer outra dívida, e terá
de ser paga mais tarde com juros muito elevados. Hoje dorme-se em média menos
de 7 horas por noite, contra as 9 horas de cem anos atrás, e uma sesta, mesmo de
apenas 20 minutos, ajuda a baixar a taxa de juros, que se materializam em
obesidade, diabetes, hipertensão, depressão e, pior, em acidentes de viação,
domésticos ou de trabalho. Eu, que passei a dormir a sesta, porque adormeço a
ler deitado depois do almoço, não sou um bom exemplo já que abri um lábio
quando, ao adormecer, me caíram das mãos as “Memória Íntimas” de George
Simenon, que devem ter quase um kilo e meio. Boa soneca, melhor se adormecerem a ler o "Borda d'Água".
- Portugal 1: nos
Açores, acordos perfeitos entre a pesca e o cinema, é o elogio que merece o
“Documentário Português” (1h e 43 m), de Joaquim Pinto e Nuno Leonel, que
filmaram com um lirismo brilhante e de partilha, o quotidiano dos habitantes de
São Miguel. Pinto, antigo colaborador de João César Monteiro, doente de
hepatite C e de sida, construiu, com o
seu amante Nuno Leonel, que padece dos seus mesmos males, este diário filmado para a televisão, sobre a
pesca artesanal em São Miguel, evocando a amizade que os autores entabularam
com estes “cow boys do mar” que nunca conheceram patrões e jamais assinaram
contratos. Um sopro lírico avassalador.
- Portugal 2: Para a
série “A Europa dos escritores”, o documentário de Inês de Medeiros “Portugal
entre o aqui e o algures” (55 m) revelou-se o melhor, como uma lufada de ar
fresco neste clima pesado de eurocepticismo. Escolhendo a dedo os escritores
que deram voz ao seu trabalho, temos a revelação (para eles, franceses) de
Lídia Jorge, Mário de Carvalho, Gonçalo M. Tavares e Mia Couto, este
moçambicano (precisam eles). Inês, pergunta: “Momentos de glória da sua
história, as descobertas foram elas o prelúdio do êxodo obrigatório de um povo
de camponeses tornados marinheiros?”. Lídia, diz: “Há uma espécie de capacidade
estóica de resistência que nos conduziu à submissão a ditaduras, mas que também
nos conduz a situações de auto defesa”. Carvalho, afirma: “Acabou o Portugal da
gentinha, da miséria, do povo submisso, isolado e encarquilhado sobre si
mesmo”. Couto, sentencia: “O melhor (desse povo) é a sua capacidade de não ser,
de aceitar de ser outro”. Uma língua, falada por 260 milhões de pessoas, que é
o território destes escritores, para não dizer, como Pessoa, a sua Pátria.
Portugal 3: no
carnet “Nascimentos”, lê-se: “Lia Reychman-Guerra, nasceu em 18 de Outubro de
2015, de Clément e Madalena. Alegramo-nos em Paris, em Portugal, nos Estados
Unidos, na Suécia e na Polónia. Todos os numerosos avós, incluindo Betty
Mialet, estão muito felizes.” Fiquei sem palavras, sonhando um dia poder
escrever a história da vida desta Madalena Guerra, nossa compatriota e agora
cidadã do único local que temos todos para viver, e que por isso mesmo é de
todos: a TERRA!
Abraço.
Octávio Santos
PS: A Odete Miranda,
aquela Senhora que me trata dos caracóis, quer à viva força que eu esteja por
dentro da revista à portuguesa, e eu não a desiludo e acho sempre graça à sua
repetição das piadas e buchas, mas desta vez ri-me com gosto quando ela me
repetiu 3 vezes uma do Joaquim Monchique, que gritou para uma parada de
políticos da nossa praça: - Óhhh Cóstinhaaaa, tu vai masé vendê chamuuuuças,
pá!!!!