Do passeio de lá, de lá do outro lado
Uma mulher descia lenta a minha rua
Atracada a um tipo, os dois de braço dado
Trauteava ela o que a mim pareceu ser fado
Tudo sem alma porque a voz não era a tua.
Numa árvore, periquitos verdes de colar
Agitam-se entre os ramos como perdidos
Nem trinados, nem gorjeios, nem cantar
Penosos lamentos, metálicos, sofridos
De quem perdeu, ou roubaram, o seu lar.
O Miguel já não mora na Elias Garcia
Nem o velho louco grita à minha esquina
Ontem uma mãe com a sua menina
Porque só para ela a pedir se atrevia
Tenho fome, mas ela, ela, eu não queria.
Atrás da igreja o gringo da Re-Food
Que vai acumulando coisas de trincar
É uma nova versão de Robin Hood
Pedindo a pobres para a pobres dar
Que já nem os ricos se deixam roubar.
Lojas que fecham, lojinhas que abrem
Umas com três meses já de porta fechada
Via Intimidades que vendia o que sabem
É só mais um baú cheio de cangalhada
Vazio. Nada que lá vende merece dentada.
Chineses que não sabem onde estão
Saem como cheia do Júpiter Lisboa
Irão de visita à Igreja da Conceição?
Ou a saltar no tuk tuk pelo Conde Barão
Correm p’la cidade, sem destino, à toa?
Cada supermercado tem seu pobre à porta
Na Versailles, na Choupana, uma romena torta
Arrumadores de carros com línguas estranhas
Defendem-se de concorrentes cheios de manhas
Outro pede um euro para o funeral da Mãe morta.
Agora que só de pão vive o homem (e a mulher)
Do Bairro, do Pão de cada dia, da Portuguesa
Comas lá empadas, comida de garfo ou de colher
É de Fábrica, de Padeiro, de Mafra ou de Alenquer
É sempre pão e mais pão que te põem na mesa.
Outra de línguas com alunos na vitrina
Farmácias vazias onde até falta a aspirina
Um carrinho de bebé empurrado pelo Avô
Penicos na cabeça de caloiros de Medicina.
E velhas que contam doenças paradas no passeio
E velhos que arrastam as pernas e o dia a dia
E uma mulher bonita com um homem feio
E as Avenidas continuam Novas, quem diria!
Abraço.
Lisboa, 26 de Novembro de 2015
Octávio Santos