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Como o Natal se aproxima e não temos certezas sobre se a sua celebração não será brevemente tomada como uma forma de prepotência e proselitismo, tenho tantas pequenas coisas para fazer que, não estando para ficar aqui sentado, ou a passear à chuva, a inventar um assunto para esta crónica, resolvi rebuscar gavetas à procura de qualquer coisita que, poupando-me a escrita, pudesse não parecer um remedeio. Assim, encontrei o texto que segue, intitulado “Platão e Aristóteles”, o qual foi lido durante a sessão “Incertezas Económicas”, no Auditório da AICEP, em 26 de Maio de 2011, que teve a participação pro bono de três excelentes colegas: a Florinda Grave, o José Meira da Cunha e o Vítor Quelhas (A).
Platão e Aristóteles
Não vamos confundir o conceito de mercado, que existe há 6.000 anos, com a
economia, muito mais recente. O pensamento económico ocidental começa na Grécia
porque foi aí o berço da nossa civilização. Foi no seio das cidades gregas que
o homem toma consciência de ter uma vida política, identificando-se com o
Estado, que não sendo uma realidade material o afirma com uma concepção
altamente espiritualista.
No Renascimento, admite-se que o homem não passa de um animal superior,
concepção naturalista que influenciou os autores dos séculos XVIII e XIX que
lançaram as bases da economia política. Concepção que ainda hoje influencia os
autores contemporâneos que pretendem construir a ciência económica como ciência
exacta. Tudo isto é posto em causa pelo marxismo que, na utopia de criar o
“homem novo”, retorna ao pensamento grego segundo o qual a vida política é um
aspecto essencial da vida espiritual do homem. Se abordarmos o estudo do marxismo
encontraremos certas teses que não se compreendem senão à luz da filosofia
grega. Eu, que vivi 13 anos num “paraíso do socialismo real” e, empírico como sou, só sei analisar o marxismo
à luz de exemplos de vida vivida, e a única verdade que posso afirmar é que
onde havia socialismo não havia bananas. Posso explicar-me se assim o quiserem.
Tudo isto para tentar compreender a influência dos dois grandes pensadores
gregos, Platão e Aristóteles, que são os primeiros a tratar da organização
económica no sentido em que hoje compreendemos esse termo. É curioso abrir aqui
um parêntesis para recordar que tanto Adam Smith como John Keynes, foram ambos,
para além de reconhecidos e estudados economistas, filósofos e moralistas como
os seus ilustres antecessores helénicos.
Platão, que é o grande percursor e um dos grandes inspiradores da concepção
cristã do homem, vê na cidade um instrumento da salvação das almas. Esta
concepção leva-o a propor a supressão da propriedade nas classes superiores da
sociedade.
Aristóteles, pelo contrário, defende a propriedade. A partir desse momento,
portanto, levantou-se o problema do comunismo. Todavia, a oposição que existe
entre as doutrinas dos dois filósofos é muito diferente do debate moderno que
existiu até à queda do comunismo, entre liberais e marxistas. Platão e
Aristóteles são idealistas, ao passo que a discussão moderna sobre o comunismo
se desenvolveu na Europa Ocidental no seio de sociedades que adoptaram numa
larga medida uma concepção naturalista do homem.
Platão aos 20 anos encontra Sócrates e atravessa uma profunda crise
interior; doravante só poderá servir o verdadeiro e o justo. Sócrates morreu
por ter afirmado que existe uma justiça absoluta, superior às leis da cidade. O
dinheiro e a lei, a riqueza e a justiça, são doravante para si poderes opostos.
Expõe numa das suas Cartas, que lhe não é já possível encarar uma participação
na acção política imediata, nas vulgares e baixas competições que a
caracterizam. A acção eficaz exige que se esteja primeiramente em retiro para
descobrir a verdade na contemplação, a teoria. Deste período de meditação saem
os seus primeiros diálogos. É procurando dizer o que é a justiça e como é
possível conformar-se com ela que Platão é levado, na República, a falar da
organização da vida social e nomeadamente da vida económica. A cidade ideal
corresponderia exactamente às exigências lógicas da vida em sociedade; seria
portanto perfeita com nomeadamente as quatro grandes virtudes da sabedoria, da
coragem, da temperança e da justiça. Mas para o Platão da República, o problema
da atribuição das riquezas a um tal ou tal indivíduo não é de nenhum modo um
problema de justiça. Parece, sim, que para ele o indivíduo não tem qualquer
direito sobre a riqueza social, mas que tem apenas o dever de levar o género de
vida conforme função que lhe cabe.
No decurso do diálogo da República foi posta já nitidamente a questão de
saber se a cidade perfeita era realizável. E Sócrates respondeu com muitos
cambiantes. Platão insiste nomeadamente na necessidade de estabelecer a
igualdade das fortunas; se existir uma classe dos sem nada, estes serão uma
fonte perpétua de revolução. Ora Platão descobriu que realmente o grande
obstáculo para os reformadores sociais é um obstáculo de ordem económica. O fim
essencial é estabelecer a amizade entre todos os cidadãos; qual é a organização
económica e social apropriada para esse fim? O verdadeiro meio, responde
Platão, é a comunidade absoluta dos bens. O comunismo é-nos assim apresentado
pela primeira vez como um ideal de alcance geral, mas não é menos verdadeiro
que a sua obra, pela maneira profunda e eloquente como põe os problemas
políticos, foi o verdadeiro ponto de partida da filosofia económica e social da
nossa civilização.
A personalidade de Aristóteles é-nos muito menos conhecida que a de Platão.
Várias das suas obras não chegaram até nós e é difícil determinar o carácter
das que possuímos: cursos, notas ou verdadeiros tratados. As duas obras
principais que tratam dos problemas económicos são a” Ética a Nicómano” e a “Política”.
Aristóteles é o adversário do “comunismo” de Platão e mesmo do
igualitarismo que Platão defende nas Leis. Quando trata da propriedade,
Aristóteles opõem-se muito vivamente à ideia de Platão segundo a qual a
comunidade dos bens seria o regime ideal. “Em geral, escreve ele, partilhar a
vida de outrem, colocar tudo em comum, é para o homem uma empresa difícil entre
todas”, acrescentando que “ os possuidores de bens em comum ou indivisos têm
entre si conflitos muito mais frequentes que os cidadãos cujos interesses estão
separados”.
Aristóteles não será um comunista nem partidário da rigorosa igualdade das
fortunas. Todavia, encontramos nele a importante tese de que, se a propriedade
deve em princípio ser privada, o seu uso deve, ao contrário, ser comum. Aliás,
o filósofo concretizará num outro texto que a quantidade de bens necessária à
felicidade é tanto mais fraca quanto melhor é o indivíduo: “Porque a vida feliz
requer um certo acompanhamento de bens exteriores, em quantidade menor para os
indivíduos dotados de melhores disposições e em quantidade maior para aqueles
cujas disposições não são tão boas”.
Qual é, antes de mais, o princípio da justiça distributiva ? Ao procurá-lo,
Aristóteles afasta novamente Platão. “A igualdade não é realizada quando se dá
a todos os indivíduos a mesma coisa como nas Leis de Platão, porque os
indivíduos são desiguais entre si. A verdadeira igualdade consiste, pois, em
dar mais àquele que merece mais. É uma igualdade proporcional”.
Ao admitir que há actos justos e injustos em si mesmos, independentemente
da moralidade dos indivíduos, levanta a existência daquilo a que Hegel chamará
moralidade objectiva. Apercebe-se deste modo toda a fecundidade dos princípios
aristotélicos, mas terão de passar numerosos séculos antes que esses germes de
uma ciência económica e de uma do direito possam desenvolver-se. Por seu lado,
se Platão não se eleva, à ideia de uma ciência da história, pode, todavia,
afirmar-se que a sua visão do mundo deixa aberto o caminho por onde ela se
poderia introduzir.
Vê-se então como a oposição do relativo conservadorismo de Aristóteles ao
idealismo social platónico deriva da oposição que existe entre as respectivas
concepções do mundo. O “comunismo” de Platão é realmente uma consequência da
sua crença na vida futura (por muito singular que isso hoje nos possa parecer).
A crítica desse “comunismo”, bem como do igualitarismo, desenvolvida por
Aristóteles decorre da sua visão de uma humanidade que necessariamente
permanece através do tempo conforme à sua natureza imutável.
Nos vinte séculos que se estendem do século IV a.C. ao XVI da nossa era não
se poderá fazer melhor do que procurar tirar partido das análises sociais de
Platão e Aristóteles, não obstante o facto de ter desaparecido o mundo que lhes
serviu de modelo. Este longo período de estagnação do pensamento político
explica o porquê de Platão e Aristóteles continuarem tão próximos de nós. Até a
uma época relativamente recente, nunca tiveram, na verdade, sérios
concorrentes. Considerá-lo é prestar homenagem ao seu génio, mas é também
verificar quanto foi profundo e prolongado o recuo da vida intelectual no
Ocidente depois da queda das cidades gregas diante do invasor romano.
Abraço.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2015
Octávio Santos
(A) Todas as comunicações produzidas, incluindo o fantástico cartoon da Florinda que é a imagem desta
crónica, foram por mim coligidas numa brochura, que contém mais umas coisas
minhas com umas ilustrações à maneira, da qual "argolei" 50 exemplares numerados,
tendo ainda alguns na cave à espera de serem remetidos a quem se mostrar
interessado. Desculpem esta vã tentativa de tirar lixo de casa, convencido que
estou a salvar o planeta.