Quando comecei a
engendrar esta crónica - post, para os entendidos - no parque de
estacionamento dos Inválidos do Comércio que, por ser Páscoa, chamo Jardim das
Oliveiras, na triste tarde de sábado sob uma chuva não só molha parvos porque, para além de eu estar dentro do carro,
caía se Deus a dava, ouvi uma voz que me dizia “se a fizeres bem dou-te um
vintém, se a fizeres mal dou-te um real”, repto que aceitei porque não sou
venal e tenho a sorte de ter uma reforma, que até foi aumentada, ao contrário
dos quarentões e cinquentões (homens e mulheres, não vou nessa dos portugueses
e portuguesas) que, se tiverem a sorte de ainda ter trabalho não sabem se a
terão, quando a terão e a quanto amontará caso a venham a ter, mas se não
tiverem essa sorte nunca mais a terão vendo os seus postos de trabalho ocupados
por jovens estagiários felizes na precaridade de mostrarem o que valem por um
vintém ou um real, ou mesmo à borla, que são os próprios Pais a empurrá-los de
casa para o mundo virtual do trabalho que, segundo os novos cânones (A), é muito lucrativo
para quem está a aproveitar das novas regras, medrando. Eles medram e os
outros, com respeito falando, merdam, ou seja, para os mais biqueiros, patinham na merda.
Aqui, sem rede, à
procura de assunto para me livrar desta, lembro-me que ouvi o Frei Fernando
Ventura dizer Sexta-feira Santa na SIC que “os pobres dão de comer a muita
gente” e que “é necessário distinguir quem está ao serviço deles e quem se
enfeita com eles”. Os cães ladram e a caravana passa mas, ou os cães que ladram
não mordem ou a caravana é composta por grandessíssimos camelos, o certo é que
pode acontecer que os cães estejam narcotizados e que os beduínos
sejam mais camelos que aqueles que montam, como acontecia quando andava no liceu e
chamávamos fracções impróprias aos GNR a cavalo porque, dizíamos nós, a maior
besta estava por cima. Mas esta de pôr em fila palavras à toa leva-nos à
geringonça, à caranguejola e à passarola, usadas agora na Assembleia da
República, tanto no hemiciclo como nos passos perdidos (B) e repetidas à
exaustão nas diversas caixas de ressonância de S. Bento, RTP, SIC e TVI. Como
ultimamente só me saem é duques e que há dias em que mais valia encher um pé de
merda, não sei se preferiria viajar numa caranguejola ou numa passarola,
dependendo do caranguejo ou da pássara que nelas embarcassem para nos fazer
companhia, como me disse um dia destes um velho ginja que eu conheço de
ginjeira.
Por falar de ginjas, certo que as
palavras são como as cerejas, e fazendo atenção aos curadores da nossa
desengonçada, mal enjorcada, pirosa e desconchavada televisão, ouvi falar no novo filme “Batman contra
Superman” e fiquei piurso porque me roubam sempre as ideias, há um ror de tempo
que sonhava com “Rambo contra Rocky”, projecto posto de parte porque o Silvester
Stallone exigia fazer os dois papéis, não aceitando que o Balboa fosse
interpretado pelo Joaquim de Almeida, porque não o via a gritar pela Adriana
com aquele ar de trolha da Bouygues na “Gaiola Dourada”. Os meus sonhos morrem
todos antes que eu acorde, mas já me resignei porque o essencial é que continue
a acordar; os sonhos, esses, logo se verá.
Todos sabem que se
me meteu agora na cabeça fazer obras de arte pobre e, passando pela nova loja
“Tendências”, aqui na 5 de Outubro logo ao virar da esquina da Miguel Bombarda
como quem vai na direcção da “In’Canto” (mini SPA ZEN) ou da “Fascínio”
(bric-à-brac chinês de pacotilha), que têm agora entre elas a "Casa do Kebab"
(ghiros e falafels), vi na montra o esqueleto ferrugento de um colchão de molas
a servir de cenário a trapos para senhoras, tudo rendas, crochets, flores de
seda e penduricalhos, fui à arrecadação desencantar um penico de esmalte todo
desbeiçado que era da minha Bisavó e, ao imaginar-lhe uma serventia artística,
pensei dá-lo como taça à Selecção Portuguesa de Futebol após a derrota no jogo
de Leiria com a Bulgária, 70ª da FIFA que humilhou as vedetas e o Melhor do
Mundo com um goleco chocho de um brasileiro de aluguer chamado Marcelinho que
só jogou, garantiram-me, para não nos ficarem atrás já que temos o Pepe,
estando todas as selecções a tentar chegar ao nível daquelas da Guiné
Equatorial e da de futsal do Kazaquistão, que de brasileiros têm uma equipa inteira.
Mas não era minha
intenção falar-vos, nem de futebol, embora os nossos P.R., P.A.R. e P.M. tenham
assistido ao Portugal-Bélgica, talvez porque hoje o cheiro dos mortos atrai,
embora no jogo anterior já tivessem alinhado 11+6 moribundos entretanto reanimados para o evento, nem da Guiné Equatorial,
para não me lembrar do que ouvi na segunda-feira na nossa televisão para desculpar
Angola - digno parceiro do país de Teodoro Obiang Nguema na CPLP - pelo caso
Luaty e seus infrequentáveis companheiros, e o que ouvi foi falar de Guantanamo, de justiça à medida
do poder em todos os países do mundo, mesmo os mais democráticos, só não se
citando o caso Sócrates às claras, cordeiro escondido no forno com a língua
fora da boca, que o melhor é estarmos caladinhos e aceitar tudo e, já que foi
Páscoa, repetirmos alto para nós mesmos “quem nunca pecou que atire a primeira
pedra”, o que dito por Jesus há 2.000 anos compreendemos e aceitamos, mas dito
hoje só nos desilude e, pelo menos eu, não aceito da boca de curadores da
amizade fraterna que une os nossos dois países que já foram, um de “terroristas
assassinos de inermes e inocentes colonos” e o outro de “criminosos
colonialistas exploradores das suas riquezas”. Para pôr um ponto final nisto
lembrei-me de um cartaz de propaganda salazarista que rezava “Em Angola
está-se” por baixo de duas mãos, uma preta e outra branca, que se apertavam num
gesto de união; não me admiraria ver agora um outro que legendasse a face
risonha da Senhora Dona Isabel ao lado daquela chorosa e aflita de uma vítima
da freenança, com um garrafal “Em Portugal
está-se (assim)”.
Entristeço-me muito
por não ter engenho e arte para seguir, quando escrevo, aquilo que disse
Antoine De Saint Exupéry: “A perfeição atinge-se, não quando se tem qualquer
coisa a acrescentar, mas quando já não se tem mais nada para retirar”, mas
auto absolvo-me quando penso que chamar o nome justo às coisas é por si só um acto
revolucionário.
A) Cânones resumidos por um Pharoleiro francês que dá pelo nome de
Patrick Drahi em entrevista ao Expresso em 26/9/2015: “Eu não gosto de pagar
salários. Pago o mínimo que puder”. Alticemo filho da P.T..
B) A propósito de passos perdidos, ouvi designar assim o Passos Coelho
e o Luis Montenegro desde que o Marcelo está em Belém.
Abraço.
Lisboa, 31 de Março
de 2016
Octávio Santos