Hoje um jornal velho de dez dias é como a notícia que chegava a cavalo
anunciando uma batalha perdida há dois meses; já não serve para nada. Mas a
falta de assunto é tão grande, ou melhor, a informação é tanta e tão acavalada
uma na outra que, não tendo tempo para a ler, ouvir ou visualizar e muito menos
para a digerir, baixo as antenas e desvalorizo os seus conteúdos que me chegam
enevoados (Eco, Sebastião, Eco) e, última coisa que me devia acontecer, não
tenho qualquer ímpeto para tentar dar-lhes um significado, quanto mais para
lhes intuir as consequências. É como se já não fosse para mim. Então, abro jornais
com a data de 1 de Dezembro (como desenrolar papiros, à velocidade de hoje),
que já foi da independência e agora é apenas um feriado desrespeitado, talvez
porque a independência já não tenha qualquer significado, e, para me certificar
que faço ainda parte do número dos vivos, começo a traduzir excertos de notícias
sem importância daqueles poucos que sei ler, já que nunca fui prático em inglês
para além do “the pencil of my cousin is
on the table”, já percebi o que é que constitui uma maioria beneditina (era
preciso tanto?), e não me interessa se podemos ou não podemos ser cidadãos ou
se os Silvas de El Rey (Marcelo dixit)
continuam a mamar na pingue vaca coroada, e eles, os excertos, aí vão
devidamente identificados e traduzidos à porca janota:
Manuel Dias, francês
por adopção
Sempre que conduzia champenois
(habitantes da região Champanhe/Ardenas, capital Reims) ao Stade de France, Manuel cumpria o seu ritual. Após estacionar,
comia uma bucha atrás do volante e bebia um café sentado numa esplanada. Depois
voltava ao carro para ouvir o desafio no auto-rádio, como apaixonado de futebol
que era. Na sexta-feira (13/11) tinham sido os clientes a pedirem para serem
transportados por Manuel Dias, porque ele era profundamente respeitador do seu
trabalho, quase transparente, no sentido em que nem ele próprio se dava conta
das suas qualidades profissionais. Antes de transportar pessoas trabalhara numa
siderurgia, numa filial da Saint-Gobain, tendo depois tentado a restauração e o
pronto-a-vestir. Manuel Colaço Dias nascera há 63 anos em Portugal, na cidade
medieval de Mértola, que domina do seu promontório as margens do Guadiana e tem
como paisagem as colinas áridas do Baixo Alentejo. Tinha chegado a França, com
os seus Pais, no fim dos anos 60, tendo-se instalado em Reims. Gostava dos
prazeres simples, dos momentos passados em Família, nos quais desempenhava o
seu papel de patriarca, com palavras de conforto portadoras de esperança, disse
a Filha Sofia. Manuel Dias, pai de uma família muito unida, tinha uma Mulher,
uma Filha de 33 anos e um Filho de 30.
(Le Monde: pág. 15, in Memorial do 13 de novembro. Le Monde publica cada dia retratos das vítimas
dos atentados, a fim de conservar, com a ajuda dos familiares, a memória das
vidas ceifadas).
Brasil. A onda tóxica
no Atlântico
Alguém já a baptizou como “Fukushima do Brasil” ou seja, o mais
grave desastre ambiental que feriu o país latino-americano. A ruptura dos dois
diques que continham as escórias das minas da Samarco, um colosso australiano,
provocou uma gigantesca onda de lama tóxica - mais de 60 milhões de metros
cúbicos – no Rio Doce, a qual, após 17 dias, atingiu as águas do Atlântico. A
lama, proveniente do Estado de Minas Gerais, poluiu dezenas de quilómetros das
pescosas costas turísticas do Estado do Espírito Santo, paraíso de surfistas, e
ameaça agora alastrar bem para além das fronteiras do país. O “tsunami tóxico”
já provocou danos incalculáveis ao ecossistema e à inteira bacia do Rio Doce,
considerado biologicamente morto. A ONU confirmou “altos níveis de metais
pesados tóxicos e outras substâncias químicas igualmente tóxicas”.
(Corrière della Sera: pág.
3, in Primeiro plano, Conferência de
Paris).
Porque é que o BCE
batalha para relançar a inflacção
“Faremos tudo o que devemos fazer para relançar a inflacção, logo
que seja possível”, declarou em 20/11 o Presidente do BCE, Mario Draghi. “A
questão não é a de saber se o BCE vai usar novas armas, mas quais”, resume
Jonhatan Loyne no “Capital Economics”. “Na zona Euro, a extrema fraqueza da
inflacção explica-se também pela insuficiente procura”, lembra Thibault Mercier
do BPN Paribas. “As trocas com os países low
cost contribuíram a reduzir os preços dos produtos importados”, pode ler-se
num estudo dos economistas Gregory Claeys e Guntram Wolff, do think thank Bruegel, que explicam também que “a integração de milhões de
trabalhadores no mercado de trabalho mundial, diminui o poder de negociação dos
assalariados nas economias nacionais”. Temos que ficar inquietos? A questão
divide os economistas. É certo que a baixa inflacção favorece, a curto prazo, o
poder de compra dos consumidores, mas, uma vez instalada, passa a fazer parte
das previsões das empresas, que cessam de aumentar os salários, o que pesa na
procura e, por isso, nos seus lucros e intenções de investimento, com o risco
de provocar uma espiral deflacionista e desencadear um círculo vicioso, no qual
os consumidores começam a prever uma baixa de preços, adiando as suas compras e
bloqueando assim a inteira economia. Os números: 60 mil milhões de euros é o
montante mensal das compras de dívida pública e privada do BCE. 0,1% foi a taxa
de inflacção na zona Euro em Outubro, longe do alvo de 2%
preconizado por Francoforte. -0,2% é a taxa de juro para depósitos no BCE.
Sendo negativa é o equivalente a uma “penalização” com que a instituição onera
os bancos em troca da liquidez que eles deixam nos seus cofres. Temos que ficar
inquietos?
(Le Monde: pág. 5 do
caderno “Economia e empresas”).
A coragem política
da viagem africana do Papa Francisco
O Pontífice foi a um continente instável para falar de paz,
desafiando o perigo de atentados, reacção forte após aqueles de Paris. Muitos
eram contrários à viagem do Papa à África Central e à sua arriscada presença em
Bangui. Tinham razão porque foi um verdadeiro risco para a sua pessoa. Os
militares franceses avisaram sobre a impossibilidade de controlar as diversas
facções e as armas nas mãos de toda a gente. Francisco quis, apesar de tudo, ir
a Bangui, respeitando o programa, incluindo a visita à zona muçulmana, a qual
suscitou as maiores perplexidades. Teve uma extraordinária coragem pessoal,
reveladora do profundo sentido do seu ministério, mostrando a audácia daqueles
que vivem aquilo em que acreditam. Não teve medo de ir à mesquita central de
Koudougou proclamar que “entre cristãos e muçulmanos somos irmãos”. Francisco
desceu ao epicentro da instabilidade para falar de paz, antecipando a abertura
da Porta Santa e o Jubileu da Misericórdia num “inferno” de violência, raptos,
ódio, intriga política, corrupção e miséria. Foi também uma lição para nós
europeus, apavorados com o futuro, especialmente após os atentados de Paris. De
uma entrevista durante o voo de retorno: - Voltará à África, Santidade? – “Não
sei, estou velho, as viagem são duras… Memorável foi a multidão: reflecti sobre
a capacidade de fazer festa com o estômago vazio. A África é vítima, é mártir,
foi sempre explorada por outras potências”.
(Corrière
della Sera: pág. 23, in Visita pastoral).
O dinheiro e o clima
Alerta de mau tempo sobre o clima. A Terra e os espíritos
aquecem-se à volta da grande questão deste começo de século. Questão que diz
respeito, como sempre, à sociedade e à economia. Pois que a revolução
industrial e capitalista, iniciada há mais de 200 anos, é responsável pelo
aumento de gazes de efeito estufa na atmosfera, mudemos a sociedade. A economia
de mercado não pode ser o problema e a sua solução. É uma quimera. O Primeiro
Ministro indiano, Narendra Modi, não se enganou lembrando esta segunda-feira,
30 de novembro, no Finantial Times, por ocasião da abertura da Conferência de
Paris sobre o clima (COP21), a posição do seu imenso país. Fora de questão,
para ele, que a porta do desenvolvimento económico dos países emergentes lhes
seja fechada por causa da luta contra o aquecimento. Para a Índia, como para os
seus vizinhos chineses, indonésios ou africanos, o acesso à economia de mercado
não é negociável. Sendo assim, que fazer?
(Le Monde : pág. 1
do caderno “Economia e empresa” in Perdas
e lucros/COP 21).
As muçulmanas: “Quem
nos trava são os homens, não a religião”
“Os homens devem dirigir as mulheres por causa da preferência que
Allah concede a uns em relação às outras…”, recita o Corão na Sura IV
(Na-Nisa’, As Mulheres), verseto 34. Naturalmente, o problema reside na
contextualização histórica. Em Itália, o uso que os machos fazem do conceito é
muitas vezes criminoso. O homicídio da paquistanesa Hina Salem, massacrada e
enterrada em 2006 pelo Pai com a ajuda de alguns parentes machos, e aquela da
marroquina Saana Dafani, esfaqueada pelo Pai em 2009, acenderam um farol sobre
a condição das jovens acusadas de comportamentos demasiado ocidentais. “Se
estás mais interessada num cinto
explosivo que num vestido de noiva branco,
ou nas fantasias das princesas da Disney, vem até nós”, prometem os
propagandistas de al-Zawra, a escola
jihadista que, de Raqqa, oferece cursos de cozinha e lei islâmica, de economia
doméstica, armas e meios de comunicação a centenas de jovens como Merieme
Rehally, Irmã Rim no mundo do Twitter,
estudante que deixou Pádua para se arrolar na logística sob a bandeira
negra de Al Baghdadi. “Alguma experimente pôr um lenço na cabeça e procurar
trabalho”, escrevia provocatoriamente a italo-jordana-palestinesa Sumaya Abdel
Kader: “Bom, a probabilidade de sucesso é igual a zero!”. Era em 2008 e,
pioneira entre as de segunda geração, Sumaya tinha criado a personagem de Sulinda,
30 anos, que, no romance autobiográfico “Uso o Véu e adoro os Queen” satirizava
o hijab, véu que emoldura a face,
reivindicando a liberdade de o endossar. “ Dão-nos uma máquina de lavar roupa,
aí na Síria? Achas que posso levar o gato? “. Este o léxico familiar, via Skype,
de mamma Assunta para a sua filha
Maria Giulia, agora Irmã Fátima no Califado, (a arrumar o carro com o Marido
para irem ter com ela, quando foram detidos) que nos diz muito acerca da grande
confusão mental que induziu, e continua a induzir, um sem número de mulheres
europeias e, agora, cada vez mais italianas, a engrossar as hordas do ISIS.
(Corrière della Sera: págs.
1, 8 e 9, in “O Islão em Itália”).
A Turquia joga com a
fraqueza europeia
Face a uma Europa desunida e volúvel, o Presidente turco, Recep
Tayyip Erdogan, é em posição de força. E gosta disso. Bruxelas corteja Ankara,
actor chave de uma dupla crise que na realidade é só uma: a do fluxo migratório
cujo destino é a UE, e o caos do Médio Oriente. Mas na sua relação complicada
com a Turquia, a Europa é menos vítima de Erdogan que da sua própria incúria. É
um triste espectáculo. Três horas de negociações em Bruxelas, domingo 29 de
Novembro, entre os europeus e a Turquia, para tentar dominar o fluxo migratório
mais forte que o Velho Continente conheceu depois de 1945, resultaram num
acordo mínimo e sem calendário. A Turquia de Erdogan é um parceiro difícil e
imprevisível. Tem uma atitude ambígua contra a organização do Estado Islâmico,
do qual é também ela vítima. A deriva autocrática do seu Presidente e o seu discurso
muitas vezes depreciativo dirigido ao Ocidente, afastam-na, cada dia um pouco
mais da UE.. Tudo isto é verdade. Mas o que as crises nascidas da tempestade
médio-oriental descobrem em primeiro lugar, são as fraquezas de uma UE em plena
regressão: ausência de um mínimo de política externa e de defesa comuns; ausência
de uma política de imigração; inexistência, ou muito poucos reflexos, de solidariedade
entre os seus membros. Tudo isto é registado em Washington, em Moscovo e em Pequim.
Mas também em Ankara.
(Le Monde: pág. 24, in
Editorial).
China, o Yuan será
convertível e reduzirá o peso do Euro
A China dá mais um passo para a sua integração no sistema
financeiro mundial com o ingresso do renmimbi, a “divisa do povo”, no clube
fechado das moedas de reserva globais. Ontem o FMI deu luz verde à introdução
do yuan, o outro nome da divisa chinesa, no cesto das divisas que compõem os
Direitos Especiais de Saque (SDR), isto é, a unidade de conta do FMI que até
agora compreendia o US dólar, o Euro, o Yen e a Libra Esterlina. O renmimbi
entrará no cesto, como quinta divisa, em 1 de Outubro de 2016, quando passará a
ser livremente utilizável, e pesará 10,92%. A new entry redimensionará o peso das outras divisas: o
euro descerá de 37,4% para 30,9%, o yen de 9,4% para 8,3%, a libra esterlina
de 11,3 para 8,1%. Substancialmente invariável o US dólar de 41,9% para 41,7%.
Que coisa significa? Os SDR são uma divisa teórica. A inclusão do yuan é, por
isso, sobretudo simbólica: certifica que a moeda chinesa tem agora um papel
significativo no comércio mundial e é usada livremente a nível internacional. É por isso que
Christine Lagarde, número um do FMI, define a decisão como “um marco
importante” para a economia chinesa e um “reconhecimento” dos progressos feitos
pelas autoridades de Pequim na reforma do seu sistema.
(Corrière
della Sera: pág. 25, in Economia).
Ciao basket
Kobe Bryant, o fora de série atleta do Los Angels Lakers, anuncia que
no fim da época acaba a sua carreira, e abandona com uma poesia:
Caro basket,
Estou pronto a
deixar-te.
Fizeste-me viver um
sonho e amar-te-ei sempre.
Mas não posso mais
amar-te com a mesma obsessão.
Corri em todos os
parkets e atrás de cada bola por ti.
Dei-te tudo!
O meu coração pode
suportar a batalha,
A minha mente gerir
o cansaço,
Mas o meu corpo sabe
que chegou a hora de dizer adeus.
Amar-te-ei sempre.
Lisboa, 10 de
Dezembro de 2015
Octávio Santos