O título não é meu
mas do Curso de Poesia que o Professor José Fanha ministrou no El Corte Inglès,
de 10 de Fevereiro a 5 de Março. 7 lições, cada uma com um título que não teve
qualquer atinência com o desenrolar das mesmas, não se vislumbrando galopes e vendavais a
merecerem arrumação, talvez porque, ao contrário daquilo que se esperava, não foi dada oportunidade aos assistentes para
falarem das suas experiências poéticas e muito menos para dizerem um pedacinho
que fosse do fruto dessas experiências, embora, no decorrer das lições, tivessem sido criadas excepções, a que me
referirei no momento próprio
De 27 de Março a 22 de Maio, com um interregno para o “obrigatório” 25 de Abril, escrevi 8 textos sobre as 4 sessões de Escrita Criativa em que participei na Culturgest, vendo as audiências precipitarem, talvez porque quis fazer de mais. Aprendida a lição, não vou escrever 7 textos sobre as 7 lições do Professor Fanha, mas apenas um, no qual vou tentar contar tudo aquilo que aprendi, não sem dizer que a assistência, de 60 pessoas com uma média etária acima dos 50, era composta por 80% de Senhoras e menos de 10 % de falantes. Agora, folheando todas as notas que tomei ao longo das lições, vejo que me é impossível escrever em 3 páginas tudo aquilo que aconteceu e foi dito, pelo que, me limitarei a dar umas dicas, com a pretensão de pôr os meus leitores a pesquisar sobre aquelas que lhes despertarem mais interesse, transformando este texto em mais uma “lição”, desta vez livre e sem mestre, limitando-me a repetir o que disse Fanha (J.F.):
- A poesia é a
linguagem dos símbolos e um dos pilares da construção de Portugal;
- J.F., que diz
muito bem poesia, nitidamente inspirado por João Villaret, foi com Ary dos
Santos, Mário Viegas, José Jorge Letria e outros, um dos jovens que fizeram
tremer o antigo regime com as suas poesias;
- Poetas árabes
houve que muito influenciaram a poesia portuguesa, como Al-Mu’tamid e Ibn
El-Arabi, e destes e doutros e de muitas outras coisas, fala o arabista
Adalberto Alves nas suas obras, “Ecos de um passado árabe”, “O meu coração é
árabe” e “As sandálias do mestre”;
- Houve também
poetas judeus com grande influência na nossa poesia, e não só, mesmo após a sua
expulsão: Jorge Luís Borges, descendente de judeus portugueses, escreveu o
poema “As chaves de Salónica” sobre a única coisa que os judeus expulsos da Península
Ibérica levaram para o exílio, as chaves da casa que deixavam. Herberto Hélder
é um dos nossos grandes poetas de origem judaica;
- Enquanto Miguel
Torga disse que Camões era um cedro desmedido na pequena floresta portuguesa,
Eduardo Lourenço afirmou que Fernando Pessoa tinha o sonho de ser um super Camões;
- No século XVII
muitas freiras, inspiradas no Cântico do Cânticos, escreveram poesia: Soror
Violante do Céu, Soror Maria do Céu e Soror Mariana da Glória, entre outras;
- No século XVIII a
única Mulher a afirmar-se na poesia é a Marquesa da Alorna (Alcipe), primeira
Mulher ligada à maçonaria, mas no século XIX não há nenhuma poetisa portuguesa
digna desse nome;
- No século XX
surge o escândalo Florbela Espanca, violenta nos temas e explícita na
linguagem, que abalou a fechada classe elitista alentejana. Há ainda Judith
Teixeira, poetisa sáfica, “vulcão e brasa ardente” no dizer de Zenóbia Collares
Moreira, que viu a sua obra “Decadência” apreendida por “imoralidade” e por
constituir “literatura decadente”, tal como “Canções” de António Botto e
“Sodoma Divinizada” de Raul Leal;
- Afirmou J.F. que
Sofia de Mello Breyner não fazia versos de amor; pedi licença e li o seu
pequeno poema “Ausência”. Contrapôs J.F. que se quis referir ao amor carnal, sendo
Sofia, nesse particular, muito diferente de Maria Teresa Horta que privilegiava
o tema;
- Aconteceu que um
rato, um pequenino mus musculus,
apareceu a espreitar por baixo da toalha da mesa do buffet, atraído talvez pelo odor das bolachas. Um certo histerismo
colectivo levou J.F. a alertar a responsável pelo Âmbito Cultural do ECI que
prontamente compareceu, pedindo desculpa e dizendo que seguramente o animalzinho
provinha do restaurante, e que deveria suspender a lição para permitir a
intervenção da brigada de desratização, tendo sido contrariada unanimemente
pela assistência que quis continuar a lição mesmo com a presença do inofensivo
murídeo. Pensei em Ratatouille, o rato cozinheiro;
- No dia seguinte
apareceu a mesma Senhora a pedir desculpa do episódio do rato (já neutralizado
pelos colegas da manutenção, o que provocou ohs! de repúdio na assistência);
- J.F. falou das
correntes literárias preponderantes durante o Estado Novo: Modernismo,
Neorealismo e Surrealismo, referindo a propósito Fernando Pessoa, Manuel da
Fonseca, Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, Joaquim Namorado e Políbio Gomes
dos Santos;
- Falou da censura
da escrita, da imprensa, do teatro, e disse que Snu Abecassis, casada com um
industrial adepto do Estado Novo, escondia livros proibidos na Lusalite que era
a fábrica do marido. Chico Buarque para escapar à censura da ditadura
brasileira escreveu canções com o pseudónimo da Julinho da Adelaide, entre as
quais “Acorda amor”;
- Pedi licença e
perguntei se hoje não havia poetas que escrevessem contra o estado das coisas:
disse-me que Nicolau Santos (Expresso) escreveu ultimamente um livro de poesia
de denuncia. Falei-lhe e mostrei-lhe o livro” Manifesto Anti Crise”;
- J.F., saindo da
poesia, disse que o neo-realismo começou em Portugal na pintura dez anos antes
da escrita, com o quadro “O Almoço do Trolha” de Júlio Pomar, que o surrealismo
nasceu em França em 1924 e chegou a Portugal em 41, que o movimento Dada nasceu
em Zurique em 1916, por um grupo que recusou a barbárie da 1ª Guerra e resolveu
fazer tábua rasa de tudo incluindo a arte, decretando a morte de todas as
formas de arte existentes. Com Freud nasceu uma escrita e uma pintura inconsciente
e automática. Falou ainda de Magritte, Dali, Klee, Kadinsky e Miró, e da
recuperação tardia da arte negra e daquela infantil;
- Afirmou J.F. que
o surrealismo tem dois lados, a liberdade prática e a provocação. Só houve, e
há, uma Mulher surrealista em Portugal, a Isabel Meireles, ceramista com 85
anos. O último dos surrealistas, Alípio de Freitas, que foi padre, casou agora,
cego, aos 83 anos, e foi cantado por Zeca Afonso;
- Para J.F., na
mudança do século dois homens deram volta à cabeça da cultura europeia;
Einstein e Picasso. Os impressionistas, que reproduziam os pontos de luz que
lhes feriam os olhos, Balzac, Flaubert, Victor Hugo e Balzac, já o tinham
tentado antes. Os futuristas D’Annunzio, Maiakowsky e Almada, endeusando a máquina,
também deram a sua contribuição. Em Portugal, o Grupo de Orfeu, Amadeo de
Souza-Cardoso, Santa Rita Pintor, Domingos Alvarez, Keil do Amaral, Leopoldo de
Almeida e o próprio António Ferro, empurraram o país para uma espécie de
Modernismo Lusitano. Depois, o 25 de Abril, feito por “militares que não viram
os filhos crescer”. O certo é que a
verdade é sempre difícil de estabelecer: Mário Sá Carneiro suicidou-se no
quarto do hotel com cianeto ou estricnina? Ou foi no metrô?
- Desta vez J.F.
falou torrencialmente sobre poetas e outros artistas estrangeiros da sua
predilecção, numa interessantíssima conversa que, acelerada pela pressa de sair
mais cedo para assistir a um concerto de Pete Seeger, nos inundou de noções
sobre os nomes abaixo citados e, sobretudo, vontade de os descobrir. Assim,
percorreu uma galeria onde pontificaram Woody Guthrie, o citado Pete Seeger,
Jacques Prévert, Berthold Brecht, Pablo Neruda, Gabriela Mistral, Wislava
Szymborska , Czeslav Milosz, Jorge Luiz Borges, Federico García Lorca (Llantopor Ignazio Sánchez Mejías), Jean Cocteau ( que dedicou,
tal como Pablo Neruda, um poema a Llorca), Tonino Guerra e Lawrence
Ferlinguetti, último sobrevivente da beat
generation, proprietário da livraria City Light em S. Francisco, o qual tem
um poema sobre o Elevador de Sta. Justa, que atribui a Gustave Eiffel e não a
Raúl Mesnais du Ponsard. Pedi licença e
disse a J.F. que, tinha comigo um poema de um poeta português sobre o mesmo
tema, este sobre todos os ascensores de Lisboa, tendo dito, com sua autorização,
o meu poema “Viagem de Fim de Semana em Ascensor”, sem revelar a autoria.
Descobri depois que Vasco Graça Moura também tem um poema sobre o Elevador de
Sta. Justa;
- Falando de
traduções de poesia, J.F. considera que as traduções que fez de Berthold Brecht
são melhores que aquelas de Paulo Quintela, e disse que há dois caminhos para a
tradução: aquele representado por Vasco Graça Moura, com um rigor que
espartilha o poema, e o de Eugénio de Andrade, menos rigoroso, o que lhe dá
outra alma;
-Na quinta lição
entreguei a J.F. um exemplar do livro “Manifesto Anti-Crise – Da revolução dos
cravos à revelação dos cravas”, na sequência de ele ter citado os poetas que
escreveram contra a ditadura, e de eu lhe ter perguntado se hoje não há poetas
a escrever contra este estado de coisas. Nesta última lição, J.F. puxou do
livro, diz à assistência que fui eu que lho fiz conhecer e começou a fazer
considerações sobre o mesmo:
- Que bastava o
título sem sub-título. As pessoas escrevem coisas inúteis que não acrescentam
valor à obra, antes pelo contrário, dizendo que aquela tirada da “revelação dos
cravas” era uma graçola descabida. Depois abriu o livro e anunciou que ia dizer
uma poesia de uma tal Carmo Oliveira, intitulada “Seca” .
- Depois de a
dizer, declarou que a mesma começava e acabava admiravelmente: “Nos rios quase
secos do nosso desespero” era, para ele, uma frase poética de grande alcance.
“O Governo por Despacho autorizou a importação de crocodilos”, era frase que
ele usaria numa poesia anti-crise, como refrão entre cada verso de denúncia do
estado das coisas. Achou inútil o jogo de palavras usando o nome dos políticos
e dos partidos, que, segundo ele, nada acrescenta tirando espessura ao poema.
Salvou esta parte:
“Portas do céu
fechadas a qualquer pingo de chuva
Secam os leitos dos nossos rios e barragens
Vendo-se já aparecer os periscópios
Dos submarinos da nossa vergonha,
Assentes no fundo das docas de um país que
está
Na eminência de o tocar definitivamente, e nele ficar”.
Para mim, esta foi
a melhor parte das lições do Professor José Fanha, como foi bom eu ter dito o
poema “Ausência” de Sofia de Mello Breyner; mas o melhor foi eu ter dito o meu
“Fim de Semana em Ascensor” na sexta lição, e estas foram as excepções de que
falei no fim do primeiro parágrafo deste texto.
Nota - Deixo mais três links:
Nota - Deixo mais três links:
Almada Negreiros.
Octávio Santos