Esta semana estava
cheio de preguiça para começar a escrever uma coisa séria, porque, para além
de não saber por onde lhe pegar, não
fazia a mais pequena ideia que voltas
havia de lhe dar. Mas como Deus vem sempre em ajuda dos
preguiçosos, salvou-me a leitura do Expresso desta semana (26/09), onde apanhei
na Revista um texto do Henrique Monteiro, escondido atrás do Comendador Marques
de Correia – Marcos de Correio, de portinha ao centro, para quem se lembra do
fado do Alberto Ribeiro -, no qual, sob o título “Ó Tsipras, pá, diz lá como se ganham eleições depois de se violar as promessas todas”, “inventa” umas
cartas, uma do Coelho e outra do Costa, para o Tsipras, ambas pedindo conselho.
Ao ler estas “Cartas Abertas”, que até têm piada para além de fazerem todo o
sentido, veio-me à memória que, em 6 de Outubro de 2009 (como o tempo passa!)
escrevi um texto para os colegas da AICEP, intitulado “Contrapartidas”, no qual
também eu inventei três e-mails
falsos para explicar a mim próprio que raio eram as tão badaladas
contrapartidas que enchiam a boca a tão boa gente, e um era da Merkel para o
Barroso, outro deste para o Sócrates, e o último do então PM para a Merkel,
fechando assim o circulo epistolar. Como achei, no meu narcisismo crónico e
infinito, que o Henrique Monteiro estava, seis anos depois, a “copiar”, senão o
meu texto mas a sua arquitectura inventiva, aqui vos deixo tudo, safando-me ao
exercício penoso da escrita por esta semana.
“Contrapartidas
6/10/2009
Caros colegas,
Ouvi ontem que
Quentin Tarantino deixou a escola aos 15 anos e que a sua principal actividade
daí em diante foi a de devorar tudo quanto era filme em cassettes VHS que alugava no vídeo clube da sua rua. Deve ter a sua mente propriedades magnéticas,
já que nela gravou as melhores cenas dos melhores filmes e absorveu o estilo e
a maneira de contar histórias dos grandes mestres, qual salteador da arte dos
outros, para hoje nos regalar as magníficas e únicas colagens que fazem deste
eterno menino frankenstainiano com atestado de menoridade mental, o mais
iluminado sacana à solta que, ao contrário dos nossos auto-convencidos
intelectualóides “melhores do mundo”, nos revela a essência do génio. Não
conhecemos o critério com que Deus distribui os talentos, mas geralmente usamos
aqueles que pensamos ter e descuramos o que Ele nos deu. Quando o uso coincide
com o dom divino o artista revela-se como é o caso de Tarantino.
Eu, que não tendo
talentos não sei fazer nada, que represento o português médio, que alinho na
conversa de café exprimindo à toa a opinião bacoca do cidadão comum, querendo
embora mostrar sapiência colada com cuspo, ouvira até agora falar em
contrapartidas fingindo perceber o que era já que todos percebiam, cultivando
um respeito reverencial pelos colegas que, tratando dessa impenetrável matéria,
tomavam um certo ar de misteriosa superioridade. Devo confessar que só este fim
de semana compreendi finalmente tudo. Incapaz de explanar teoricamente o que
quer que seja, limito-me a dar o exemplo que me esclareceu. O consórcio alemão
que vendeu os submarinos que tanto jeito fizeram ao povo português, sentindo-se
agora envolvido neste caso nebuloso, fez saber que a Volkswagen detém 30% desse
consórcio e que, a ser posta em causa a lisura dos processos utilizados no
negócio, poder-se-ia correr o risco de não estar garantida a manutenção da Auto
Europa. Perceberam? Eu que sou vivaço e que não deixo que me façam o ninho atrás
da orelha, comecei a topar. Mais vale os nossos submarinos levarem o escândalo
para os abismos do oceano, ao abrigo de jornalistas metediços e juízes vingadores,
que atirar para o desemprego uma grande percentagem dos trabalhadores do
Distrito de Setúbal. Contrapartida não despiciente e com força suficiente para
convencer os nossos políticos daquilo que estavam já convencidos e os mantinha
descansados, isto é, que o crime compensa e não tem castigo. Nas minhas
conjecturas comecei a imaginar que a Sra. Merkel teria já mandado um recado ao
Dr. Durão Barroso. – Fala tu com o Zé para lhe explicar que não vale a pena
meter-se connosco, ou terei eu de lhe dizer para continuar a ocupar-se do
trivial, filetes de pescada e peras bêbedas, e deixar cair o caso dos
submarinos que não o vai levar a bom, nem free,
porto. Absorto neste exercício de tentar adivinhar, lembrei-me que poderia
experimentar entrar no computador da Sra. Merkel para corroborar as minhas
suposições, já que o nosso PR nos abriu os olhos para essa facilidade que não
deixa os poderosos guardar os seus segredos, e pus mãos à obra. O mais fácil
foi encontrar o endereço electrónico da Senhora: ange@mer.de. Depois,
servindo-me de um hacker búlgaro que
tinha de parte, dei com isto:
Caro Zé Manel,
Não sei se ocupado com a Irlanda tens seguido o que se passa no teu
país, de onde tiveste a sorte de escapar a tempo. Pede que te façam um briefing
sobre o caso dos submarinos e diz qualquer coisa àquele pateta com nome de filósofo
para ver se ele faz calar a canalha. Faz-lhe entender sff as ligações perigosas
entre o caso e os interesses de Wolfsbourg, que até podem pôr em causa a
geminação com Palmela. Caso ele queira levar os submarinos to a good and free
port, deve pôr já água na fervura.
Abraço
Ângela
A curiosidade
levou-me também a encontrar o e-mail
do Barroso, joel@dubar.eu, e lá pude ler preto no branco:
Caro Engenheiro,
Tás porreiro, pá? Com pedido de reserva junto o e-mail da Ângela
que está danada com o vozear que daí chega sobre o negócio que, segundo ela me
confidenciou, serviu a muitos. Largou-me aquela dos 30% da Volkswagen como quem
não quer a coisa, mas vi bem que por detrás daquela sua gentileza entrevi um flash
de ubber alles que a doce Senhora tem na massa do sangue. Eu por mim já estou
seguro por mais 5 anos e estou-me cagando, como o Cristiano Ronaldo, para isso
tudo, não tendo satisfações nem provas a dar a ninguém. Vê tu se defendes o tacho,
já que seria estupidez mandares tudo às urtigas só para atares as mãos ao
Portas para que te deixe continuar no poleiro.
Teu
Zé Manel
Nova busca e lá
encontrei a caixa de correio do Engenheiro: jopisou@poleiro.pt, dando com esta
pérola:
Caríssima Ângela,
Posso garantir que o lamentável caso dos submarinos não passou de
uma ideia dos rapazes que, contra a minha opinião, acharam que era melhor
entalar o Portas do que nomeá-lo Ministro da Defesa, solução por mim defendida.
Já perceberam que se enganaram e que meterem-se com os teus patrícios foi areia
de mais para a sua camioneta. Posso adiantar que já dei ordem para abafar tudo,
classificando o juiz que tem o caso nas mãos com a mesma nota daquele da Casa
Pia. Pedi também ao António Costa que dê ordem ao Zé Sá Fernandes para
desacreditar o Berloque que está a levantar demasiadas lebres. Como sabes o meu
carro oficial é, já do tempo do Zé
Manel, um Phaeton; vou agora assinar o
despacho que autoriza a compra de Passats CC para todos os Ministros e Secretários
de Estado, tendo já encomendado um Scirocco para mim, um EOS para a Fernanda e
um Sharan para a Fava levar as crianças à escola. Não te preocupes, mas peço-te
um favor: não voltes a servir-te do Zé Manel como intermediário nos assuntos
bilaterais dos nossos dois países, tradicionalmente amigos – lembra-te da nossa
posição durante a última guerra – já que ele não nos grama, tendo inveja da tua
inteligência e do meu físico. É daqueles a quem eu não compraria nem um
Volkswagen em segunda mão. Desculpa lembrar-te, mas já que falamos de
contrapartidas recorda-te daquele “coiso” típico da
cidadezinha onde uma nossa rainha ia a banhos, que te mandei no Natal passado e
de que tanto gostaste. Uma palavra tua, mando a Fernanda à Fava, e ofereço-te o
original. Ias achar graça pois que, pensando em ti, tatuei-lhe um wurst
pequenino, não para a Oktober Fest mas suficiente para um cachorro nacional.
Sabes que os nossos cachorros são pequenininhos, como tudo em Portugal, mas são
os “melhores do mundo”.
Já agora termino com
uma citação: “O plágio é o melhor certificado de mérito do plagiado” – Carlos
Drummond de Andrade.
Abraço.
Lisboa, 1 de Outubro
de 2015
Octávio Santos