Quando, em 2013, meu
último ano de trabalho, esperava
diariamente pelo 27 ou pelo 38 na Avenida da República para ir até às
Necessidades, via sempre um cidadão
romeno (ou moldavo, que a língua é a mesma) sentado no passeio em frente à
“Bella Italia”, mão estendida à caridade dos passantes. Um dia vi chegar junto
dele um grupo de compatriotas muito mais jovens que, com modos bruscos lhe
despejaram o copo de plástico das esmolas, lhe revistaram os bolsos retirando
mais moedas e o apostrofaram duramente ao constatarem a magreza da receita
obtida naquela manhã. A semana passada, durante o meu passeio matinal
acelerado, voltei a encontrar o pedinte, agora com mais um ano e muitos meses,
mais alquebrado que antes, arrastando os pés e a bengala no mesmo passeio, na
sua prática diária de esmolar, atravessando mesmo a Elias Garcia e indo até à
entrada do Metro numa acção de potenciamento da sua actividade na mira de
alavancar os seus proveitos. Seguindo-o
com os olhos vejo aproximar-se um dos seus “protectores” que, encostando-se a
ele, lhe meteu directamente as mãos nos bolsos do velho e surrado sobretudo e começou a contar as moedas ao
mesmo tempo que, com a rispidez própria da sua superioridade física e
hierarquica, dirigia palavras que adivinhei pouco amistosas ao ”agente ganha
pão” da sua actividade empresarial. Segui o meu caminho acabrunhado, primeiro
por não ter tido a coragem de intervir, e segundo por ter a certeza que se me
dirigisse à Esquadra da PSP das Avenidas Novas para denunciar quanto vos conto,
não só não resolveria o problema como iria encontrar um monte deles, com um
interrogatório e a obrigação de apresentar provas, e sem a certeza de não me
estar a expor a outros incómodos e até a perigos. Já me lembrei de contar tudo
ao Dr. Garcia Pereira, que encontro todas as manhãs a passear o cão, ou vice
versa, mas hesito com receio de ir ao
encontro de mais uma desilusão. Também não é nada comigo e até pode ser que se
trate de uma representação popular tradicional dácia, e que alguém esteja a
filmar tudo com uma Go Pro, para
posteriormente montar um documentário étnico. Com este pensamento fico muito
mais tranquilo e vou à minha vida.
Tenho ultimamente
acompanhado o meu Neto André à praia de Carcavelos onde vai praticar surf, seu
desporto favorito, e tendo de esperar duas horas que ele brinque com as ondas,
comecei por passear ao longo dos agradáveis e concorridos passeios da costa, da Parede a St. Amaro, depois pela
areia a descobrir todos os recantos da praia, respirando simplesmente ar puro e
iodado, até que um destes dias me pus a
apanhar todo o tipo de lixo que encontrava no areal com a finalidade de fazer
com ele uma instalação, na esperança de
aceder à notoriedade da Joana Vasconcelos embora não tenha topado com qualquer
Tampax ou OB que fosse. O certo é que enchi três sacos de plástico com tudo o
que me veio à mão e não vos vou fazer uma lista dos exemplares que desencantei
no meio de alforrecas mortas e cascas de mexilhões, mas uma coisa me chamou a
atenção: ter encontrado, durante três
manhãs de pesquisas intensas, uma só
seringa daquelas usadas pelos tóxico dependentes – que recolhi servindo-me de
uma embalagem de Calipo -, o que para mim foi um bom sinal e, vendo na água
voltearem alegre e ruidosamente dezenas
de rapazes e raparigas, me veio de pensar que se os Ministérios da Saúde e da
Segurança Social destinassem somas idóneas e consistentes ao fomento deste
desporto ( e doutros), a poupança seria considerável, não só nas contas destes
Ministérios como naquelas dos da Justiça e da Administração Interna, mas também
ao nível global de todo o país, isto é, de nós todos, isto se pensarmos naquelas
alocadas presentemente à luta contra a tóxico dependência Mais um lirismo utópico do velhote, direis
vós, ou pior, uma das suas forçadas montagens facilmente desmontáveis.
Como nunca cumpro o
que prometo vou revelar, para além da seringa, uma outra coisa que encontrei
misturada no lixo da praia: um paralelepípedo
daquela espuma verde usada nas floristas, com restos de flores
espetadas, apresentando-se como se de uma prenda natalícia se tratasse, dado
que tinha à sua volta duas fitas de tecido com laçarotes e tudo. Aproximei-me
curioso e vi que as fitas tinham mensagens escritas, e a amarela dizia:
- Homenagem aos
jovens do Meco
- Homenagem a todos
os mortos do mar
Naquela branca, por
seu lado, podia-se ler:
- À mãe natureza a
sua divina protecção
- 2015
- Paz às suas almas
Não me vou pôr para
aqui a fazer conjecturas sobre quem lançou aquilo ao mar, nem como ali foi
parar, mas fez-me impressão ver no lixo algo relacionado com a vida, a morte e
a dor das pessoas; preferia ter encontrado um relatório sobre o estado da
Justiça em Portugal e uma lista dos seus intocáveis, mas até no Reino de
Carcavelos as lixeiras não cumprem a sua função. Até pode acontecer que alguns
inimigos invejosos do DUX tenham encenado tudo aquilo ali mesmo, montagem para
comover e dar que pensar a papalvos como eu que não sabem (ou não querem?)
viver num mundo repleto de ratoeiras.
Comecei por estas
“historietas” para adiar a parte difícil, como fazem os miúdos no domingo à
noite com os trabalhos da escola, mas vamos a isto que o que tem de ser tem muita força.
Recebi no dia 19/12,
de pessoa amiga que muito considero e cuja seriedade não está em jogo, um
e-mail acompanhado de 22 imagens chocantes relacionadas com o que está a
acontecer no Médio Oriente, e de uma reflexão profunda, justa e sacrossanta.
Acontece que, no mesmo dia, reencaminhei tal mensagem, com todos os seus
anexos, a todos os meus amigos e amigas, tendo recebido de volta algumas
manifestações de repúdio e horror e, sobretudo, dois alertas que, por virem de
pessoas igualmente amigas e merecedoras da minha consideração e atenção, passo
a divulgar nas suas partes essenciais, e a comentar empiricamente à minha
maneira:
1º Alerta
Pena seja que ainda o Ocidente quiçá por cumplicidade
politica com alguns estados árabes “coniventes,” não tenha sabido como abordar
a questão radical religiosa. A Europa que teve uma inquisição, devia não
esquecer isso e saber como agora lidar com a problemática; só quando o
principio do livre arbítrio for introduzido na cultura muçulmana, e assim o
homem muçulmano se libertar da tirania da hipocrisia, da dita blasfémia, quando o muçulmano só o for por opção
própria e não por nascimento, e ser muçulmano por opção própria, ou mesmo
não o ser, se começará a poder esclarecer e controlar o fenómeno. A Europa já
matou em nome de Deus, mesmo sem autorização escrita; afinal parece que a
historia se repete com sujeitos diferentes, apesar e "pour cause" do esquecimento de muitos.
2º Alerta
Tenho muitas reservas
à partilha de textos e/ou imagens recebidos de outrem, principalmente quando
tem uma carga emocional associada muito forte. Pelo que:
1 - algumas das fotos
menos chocantes aparecem noutros sites, atribuídas a outros locais, por
exemplo:
- a igreja a arder na Índia,
http://www.emalayalee.com/varthaFull.php?newsId=85984
- as crianças a rezar/chorar em
gaza, http://www.aporrea.org/ddhh/n255589.html
2 - as fotos mais chocantes aparecem em sites
católicos:
- http://www.catholic.org/news/international/middle_east/story.php?id=56481, a publicação já tem 4 meses e é replicada, parcial ou
totalmente, noutros sites; a foto da criança decapitada já aparece desde 2009
associada ao Egito e não as encontro em
sites de notícias de referência (é certo que não leio árabe...), pelo que a
veracidade das fotos é incerta, o próprio snopes
tem dúvidas, http://www.snopes.com/politics/war/isis.asppor
Peço que compare o
minuto 1:26 do video - https://www.youtube.com/watch?v=yXUM0-Cxvr0
- com a
imagem que contem duas fotos, uma duma jovem viva e da suposta mesma jovem
amarrada a uma cama cheia de sangue e com uma cruz na boca...
O vídeo retrata o "trabalho" de um canadiano
dedicado aos efeitos especiais. Gosto duvidoso, sem dúvida, mas não um crime,
pelo menos não o que se pretende retratar...
Nada disto abona em
favor do Estado Islâmico e outras criaturas afins, obviamente, mas o problema
da publicação de fotos "falsas" misturadas com
"verdadeiras", seja por ignorância ou intencionalmente, não pode
merecer credibilidade; apenas um desabafo
contra reencaminhamentos sem verificação.
Posto isto, começo
por agradecer seja a quem, na sua boa fé, me transmitiu as imagens, seja a quem, com a
sua amizade, me alertou para a sua falta de veracidade, seja ainda a quem, com
o seu conhecimento de causa, me chamou a
atenção sobre as nossas “culpas” em todo este processo, sigo pedindo desculpa
pela minha “ligeireza” ao transmitir
material cuja idoneidade não verifiquei, lembrando humildemente uma
frase de Don Oreste Benzi, padre italiano que será santo não tarda muito: “Se
queremos viver, e morrer, de pé, teremos muitas vezes de nos pôr de joelhos” e,
como me restam poucas certezas, termino fazendo perguntas avulso como
aconselhava o meu mestre Claude Lévi-Strauss:
- Será que tudo
aquilo que se passa no mundo, sem imagens verdadeiras, ou falsas que sejam, não
existe?
- Que diferença
fazem as imagens verdadeiras daquelas falsas, quem se importa com isso, e quem
as pode distinguir?
- Qual a verdade que
nos é transmitida por filmes como a Bíblia, Spartacus, Titanic, Soldado Ryan,
Apocalipse Now, Dia D, Roma Cidade Aberta e outros?
- Seriam verdadeiras
as imagens das execuções de Elena e Nikolai Ceaucescu, de Khadafi e de Saddam
Houssein, a que todos assistimos sentados nos nossos sofás?
- As imagens com que
a televisão nos bombardeia todos os dias correspondem à verdade, ou são uma
montagem romanceada, exagerada ou
minimizada segundo os interesses em jogo, do que se está realmente a passar?
- Não será
preferível que escapem algumas falsidades, a omitir tudo por falta de provas, e
estou a lembrar-me, por exemplo, da
violência doméstica?
- Fiz mal em fazer,
e publicar em 2013, umas quadras tipo António Aleixo, mas indignas dele, a
dizer que o Vara era um ladrão?
- Precipitei-me
quando sugeri, e publiquei em 2011, um novo texto para o 7º Mandamento? (Não
roubar: certos banqueiros e políticos não admitem concorrência)
- Esconder a
extensão do escândalo GES/BES até ao
limite da indecência, foi arma legítima
usada pelo poder político e económico?
- Temos de nos defender
das montagens feitas para desmontar verdades, ou daquelas feitas para
demonstrar mentiras?
- Seriam verdadeiras
as execuções sumárias de inocentes filmadas pelos agentes do Estado Islâmico,
ou foi só uma encenação para nos meter medo?
- Aquilo a que
assistimos a semana passada em França foi um
trailer de uma nova telenovela intitulada “Je suis Charlie”?
- Quem foi mais
blasfemo contra o Profeta, os
cartoonistas do Charlie Hebdo ou os seus assassinos?
- Porque é que as
vítimas de um ataque mais que anunciado tinham tão escassa e descuidada
protecção?
- Como Torquemada já
morreu, My Lai, Wiriamu e Araguaia estão esquecidos, alguém me vai enviar
imagens de Abu Ghrabi, Guantanamo, Gaza,
Xinjiang ou de drones
assassinos de inocentes, mesmo falsas,
para me ressarcir divulgando-as?
- Quando os fanáticos
de uma religião declaram guerra santa a
outra religião, é obrigatório que os não fanáticos dessa religião recolham o
desafio, ainda que os seus fanáticos tenham desencadeado uma há 800 anos?
- Porque é que as
religiões politeístas não são tão atreitas a guerrearem-se entre si como o são
as monoteístas?
Sou um chato, mas
gostaria que tivessem a paciência de ler, ou reler, um papel que publiquei na
página 29 e seguintes do meu livrinho “Hieróglifos Órfãos de Roseta”, em 2011
(embora o tivesse escrito muito antes), intitulado “O Silêncio, a Reflexão e a Dúvida”, e que elevassem um pensamento para aquele polícia
franco-tunisino morto a sangue frio no passeio como um cão vadio, que pagou com
a vida o seu trabalho em defesa da liberdade, e também ao velho Galileu que,
condenado por afirmar que a Terra rodava em torno ao Sol, encolheu os ombros
aceitando a sentença proferindo o já estafado
“Eppur si muove!”
Como já não sei o
que digo e me falta o discernimento para distinguir o real do irreal, o bem do
mal, o sangue do sumo de tomate, como
daqui em diante vou passar a dizer que admiro muito o programa da Senhora Júlia
Pinheiro desde que revelou, por um dos chacais de serviço, todos os pormenores da doença da Laura Ferreira,
apesar do legítimo pedido em contrário do Marido, como irei brevemente em peregrinação a Évora
para abichar um indulgência política plenária, embora pense que é mais perigosa a banalização do mal que
dizer de vez em quando algumas mentiras, vou acabar na galhofa, chamando-vos a
atenção para a imagem que escolhi para ilustrar o texto de hoje. Quando, e foi
no tempo das vacas loucas, a transmiti
aos colegas acompanhada de um daqueles altos pensamentos filosóficos a
que vos habituei, uma das mais ingénuas, ou talvez não, respondeu-me que se
tratava de uma montagem. Dupla, minha cara, dupla, respondi eu!
Abraço.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2015.
PS: Não escondo que ficaria muito feliz se isto provocasse uma maré de comentários… amistosos bem entendido.
Octávio,
ResponderEliminarAcompanhando este blogue desde a crónica inaugural, gostaria de deixar, à laia de comentário, três notas:
Através dos textos com que nos foi presenteando, este primeiro ano de crónicas oscilou entre doses de subtil ironia e uma espécie de anamorfose invertida, em que o leitor foi sendo alertado para uma realidade que consegue ser ainda mais cruel e deformada do que aquela que supõe ver.
Não, não é um “chato” e também não se pode agradar a “Gregos e Troianos ao mesmo tempo” e nem todos são obrigados a gostar do mesmo tipo de escrita nem dos mesmos temas “ - Por isso é que o mundo não tomba!”. Por outro lado, também não fazia mal a alguns leitores (já que visitam este blogue) de vez em quando levantar os olhos do umbigo, como quem diz, das suas escritas, e ter a humildade de tentar perceber o que por aqui vai escrito, se bem me fiz entender!
Por último, e sei que já bastas vezes ouviu/leu este conselho: continue a escrever, sabendo de antemão que vai agora virar ligeiramente o leme, quiçá para temas mais literários e não menos importantes, que certamente nos despertarão a atenção para o percurso literário de muitos autores portugueses, naturalmente que, com interregnos regulares para que nos vá “deleitando” com as suas crónicas neste blogue.
Um abraço.
T
Cara Cristina,
EliminarMuito obrigado por ter aceite o meu convite ao comentário, encontrando-me desde já em desacordo com a primeira afirmação, que não passa de uma desmontagem da realidade, porque não é verdade que acompanha “este blogue desde a crónica inaugural”, mas sim que é a sua criadora e principal responsável pela existência do mesmo. Reposta a verdade, passo a referir-me às suas três notas:
- Os textos nunca pretenderam ser presentes para ninguém, mas escrevendo-os para mim como memória futura, transformo-os nessa coisa que chama de “anamorfose invertida”, designação perfeita para os venenos que sirvo em pratas e cristais e as ambrósias que disfarço em púcaros de esmalte falhados, baralhando incautos e precavidos quanto às minhas intenções e desígnios.
- Sei que não sou um chato (fui ao diccionário), porque na minha megalomania me sinto uma santola, e lembro-me de já ter agradado a “ Gregos e Troianos ao mesmo tempo”; a quem não pretendo agradar, nem nunca pretendi, foi a “figli di troia” (vá à net sff), que são todos aqueles prepotentezinhos, porque pequenos são, que, escudados nas suas certezas, não se compreendem nem a si próprios, recusando-se a sair do seu armário como os escorpiões dos círculos de fogo.
- Quanto ao conselho para continuar a escrever, já o li e ouvi de algumas pessoas amigas que não querem ser responsáveis por alguma minha falência orgânica provocada por uma crise de abstinência. Mas o mesmo conselho, vindo de si, deixa de o ser para se transformar em orientação para deixar de usar “a sublime ironia”, como designa as minhas patéticas tentativas de humor rançoso, com os assuntos menores da miséria humana, e virar-me para temas com outra elevação e dignidade, indicando-me afinal o caminho da verdadeira literatura. Sei que não sou capaz, mas como até hoje nunca houve nada que não tivesse tentado, para mais “autorizado” a incursões esporádicas naquela que é a minha praia, vou fazer um esforço de seriedade para copiar ou tentar imitar aqueles que escrevem bem.
Um beijinho
Octávio
Caro Octávio,
ResponderEliminarComo eu gosto da visão do seu olhar sobre o que o rodeia, sempre que percorro as suas crónicas…
Abraço
Caro(a) Anónimo (a),
EliminarGostei da “visão do olhar”, embora referindo-se a mim seja um pouco redutivo, porque tendo eu uma visão holística (já ouvi esta a alguém) do que se passa à minha volta, também tenho uma “audição do ouvido”, uma “sensação do tacto”, um “aroma do olfacto”, um “som da fala” e, sobretudo uma “intuição da alma” que, actuando em sinergia, alavancam as imagens e as narrativas que transmito (também já domino o politiquês!), para o patamar onde pretendo que elas estejam e. se possível, perdurem.
Abraço
Octávio