Alfacinha nos papéis, português porque a Pátria
não se renega, sempre me senti apátrida por dentro, tentando muitas vezes
aninhar-me em berços que não me pertenciam, chegando ao ponto de pretender
antepor um “ribeiro” regional, o Tibre, a um senhor rio internacional, o Tejo,
só porque os costumes das terras banhadas eram mais consentâneos com o que me ia (e vai) na
cabeça.
Nunca parigot por repulsa ou incapacidade minha, não me sentindo à vontade nas margens do Sena ou do Marne, escassamente eslavo por não assimilar os cânones vigentes nas faldas da “Velha Montanha” onde nasce o Sturma, que com o nome de Strimonas desagua na Grécia, país que adoptei por mares quentes, mezzes frios e tantas outras coisas, muito riso amaro e dolce vita por atracção irresistível à beleza que, mesmo quando pobre e trágica, pode contagiar a vida, badio na alma por rebeldia natural e fugas estrategicamente defensivas, sampadjudo por músicas mornas, pensei, um dia que passava entre Teimosas e Pouca Farinha, tornar-me cidadão da Costa Vicentina, projecto abortado por mau funcionamento dos pisca pisca.
Nunca parigot por repulsa ou incapacidade minha, não me sentindo à vontade nas margens do Sena ou do Marne, escassamente eslavo por não assimilar os cânones vigentes nas faldas da “Velha Montanha” onde nasce o Sturma, que com o nome de Strimonas desagua na Grécia, país que adoptei por mares quentes, mezzes frios e tantas outras coisas, muito riso amaro e dolce vita por atracção irresistível à beleza que, mesmo quando pobre e trágica, pode contagiar a vida, badio na alma por rebeldia natural e fugas estrategicamente defensivas, sampadjudo por músicas mornas, pensei, um dia que passava entre Teimosas e Pouca Farinha, tornar-me cidadão da Costa Vicentina, projecto abortado por mau funcionamento dos pisca pisca.
Até que, por força da “maldita crise” que tudo
cobre com o seu pesado manto da estupidez, que tudo permite ou interdita, tudo
contamina, tudo endossa, tudo fecha, desde que cheguem ordens das margens do
Reno, se lembrou, após transferir a estação dos correios para o café da esquina
e de tentar adaptar a raça de fidelíssimos cães vermelhos nas planícies do Yang
Tzé, de fechar também a Loja do Cidadão que foi Éden para tantos, deixando-me à deriva com o Cartão de Cidadão a
caducar e na eminência de ter de rumar às Laranjeiras e arrostar com as
inevitáveis filas que continuam a formar-se à porta, até ao dia em que se
lembrem de encerrar mais esse templo do despesismo que só serve para albergar funcionários
públicos inúteis e calaceiros.
Como, afinal, tenho sempre sorte, alguém me
indicou que na Loja dos Açores - mesmo ao pé de casa, na Elias Garcia - havia
um serviço denominado RIAC – Rede Integrada de Apoio ao Cidadão, que tratava
também do CC. Nunca acredito em facilidades, sobretudo nestes últimos tempos,
mas para lá me dirigi para ver como era. Balcões, meninas bonitas, maquineta de
débito de senhas, o robot que nos
capta tudo, fotografia, dedos e assinatura (esperando que a nova geração não nos
adivinhe pensamentos e desejos), e o principal, isto é, um espaço agradável e
luminoso onde esperar aquela hora a que a senha 13 me obrigou, a bisbilhotar
tudo aquilo que os Açores têm, não só para nos vender, mas também para nos dar
uma ensaboadela sobre a cultura do arquipélago.
E essa foi a descoberta que vos passo a
descrever em estilo telegráfico, como fiz uma vez que passei 5 horas com Um Olho na Luz para me dizerem que afinal não era
nada , já que será supérfluo informar que saí da Elias Garcia com o CC
renovado até 2019.
- Soube que o segredo mais bem guardado de cada
família açoriana é a receita do licor que só naquela casa se sabe fazer, e daí,
quando se visitam familiares ou amigos na quadra natalícia, se pergunta aos
anfitriões, após admirar o Presépio ou a Lapinha: - O menino mija? -, pergunta
que automaticamente faz aparecer o licor da casa que é servido copiosamente às
visitas, as quais, caso visitem muitos Presépios, devem voltar para suas casas
com um grão na asa por força dos diversos
xixis do Menino Deus, que, pelo que vejo nos rótulos das garrafas à
venda, pode ser de maracujá, amora, baguinha, laranja, tangerina, canela, chá,
ananás, leite, banana, anis, ginja, nêspera e capucho (phisalia). Doces há-os disto tudo e mais de goiaba, de
uva de cheiro, de figo, de batata doce, araçá, gila, meloa, groselha e butiá.
- Soube que Vitorino Nemésio tem sucessores que
dão pelo nome de Maria Eduarda Rosa, Daniel de Sá, Luís Mendonça, Helena Ranha,
Maria José Alemão, Paulo Assim, Dias de Melo, Silvino Bettencourt, Alberto
Peixoto, e sobretudo João de Melo, autor do romance “Gente Feliz com Lágrimas”,
terceiro dos 11 que escreveu, editado em 1989,
multipremiado e adaptado ao teatro e, com muito êxito, à televisão.
- Que o Vinho do Pico se bebia com deleite na
corte dos Czares já se sabia, mas todos os outros que lá vi, brancos, tintos e
rosés, de mesa, abafados, de lava, de cheiro, dos Biscoitos, do Chico Maria,
têm de ser provados tal como as aguardentes de bagaço, de figo, com nêveda ou com bagas de faia, para conhecermos todas as vantagens de ser
patrício do Pauleta.
- Charutos e cigarrilhas, que matam como todos
os outros, lá estão tentadores a lembrar-nos marinheiros sem pressas que matam
a sede e desentaramelam a língua no Café Peter depois de terem perpetuado a
cores a passagem das suas embarcações na Marina da Horta, e a recordar-nos duros baleeiros
esculpindo dentes de cachalote, como se de homenagem se tratasse ao formidável
animal que tinham acabado de abater por profissão e por necessidade.
- Falando de artesanato, as Lapinhas, típicos
presépios/totens com alto conteúdo artístico, têm de ficar à cabeça, mas os bordados,
de matiz ou outros, como os extraordinários bordados de palha, as preciosas
composições florais de escamas de peixe, as esculturas e jóias de pedra lávica, as “violas
da terra”, as porcelanas de matiz e as faianças policromas, os meticulosos
trabalhos de miolo de figueira e de hortênsia, os estandartes e capinhas
bordados para as festas do Espírito
Santo, as miniaturas de fachadas de solares, igrejas e “impérios”, as bonecas de capelo de milho ou de folhas de
ananás, os patchworks e batiks, tem
de ser nomeados, e sei que estou a
esquecer injustamente outras coisas importantes.
- Chico Ávila, Ermelinda Toste, Bruno Walter
Ferreira, José Medeiros (autor da banda sonora de “Gente Feliz com Lágrimas”),
Aníbal Raposo, Rafael Carvalho e Nuno de Brito, a par com inúmeros coros,
bandas e agrupamentos musicais das diversas ilhas, são nomes lidos nas capas
dos cd musicais à venda, e quem nos diz que não está ali algum tesouro
escondido?
- Chás e ananases, sabemos serem os únicos da
Europa, e ainda por cima bons, ou melhor, excelentes, mas outras maravilhas lá
estão para tentação dos palatos mais finos e exigentes: queijos de todas as 9
ilhas, mel, enchidos, queijadas, pastéis e biscoitos, conservas de atum, manteiga,
inhame e batata doce, molhos de vilão e de pimentinha salgada, açafrão, carne,
carne, carne e mais carne, estão lá todas as partes nobres do bicho boi,
fazendo-nos sonhar com um cozido das furnas.
- Cozido das furnas que é um cartaz turístico, como
o são as touradas à corda, as festas Sanjoaninas, do Espírito Santo e do Senhor
do Santo Cristo dos Milagres, as emoções de um mergulho num mar incontaminado,
de cotejar com um vulcão vivo, de ver uma fajã do alto, do verde e do azul que
contaminam tudo, água, ar e vegetação, de admirar currais “envideirados”, de
olhar embasbacado para gigantescos prismas basálticos que apontam o céu onde as
aves que deram o nome ao arquipélago planam seguras de habitar o paraíso, que cada vez mais turistas escolhem seguros de
umas férias inesquecíveis. Na minha terra.
E pronto, agora que sou cidadão dos Açores só me
resta desejar que alguém que me considera um “corisco mal amanhado” no seu
verdadeiro significado (descubram sff!), não me diga um dia: - Desapega-te!!
Lisboa, 16 de Janeiro de 2014
Octávio Santos
PS: No momento em que me declaro orgulhosamente
cidadão dos Açores, sem qualquer mérito ou esforço da minha parte, gostaria que
me explicassem quais os serviços prestados, e a quem, por Vitor Louçã Gaspar,
Álvaro Santos Pereira e José Luís Arnaud para serem agora felizes cidadãos do
FMI, da OCDE e da Goldman Sachs?
PS2: Acaba de nos explicar o Dr. Marinho Pinto,
no qual “bati” a semana passada por me ter beliscado o Eusébio, qual foi o
mérito do José Luís Arnaud: participou activamente no processo de privatização
dos CTT, dos quais a Goldman Sachs ficou com 6%. Esperemos que alguém nos venha
explicar o “fenómeno” dos outros dois. Já fui tão feliz em Portugal, diria o
Malato.
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