Vivemos num clima
envenenado. Ambiental e humanamente falando. Venenos sempre existiram e
célebres especialistas houve, como, por exemplo os Bórgias. Alguns, mais sofisticados, eram denominados filtros
de amor, o que, para mim e até agora, não tinha qualquer lógica. Só pensei
nisso quando junto de uma cama com o número 23 no IPO de Lisboa, passei 4 horas
junto do meu irmão pequenino a ver umas senhoras simpáticas, competentes e
carinhosas, a trocar e vigiar os sacos com os venenos que desciam gota a gota
para as suas veias e artérias, venenos sem nome doseados ad hoc por mãos sapientes e amigas para atacarem e matarem aquilo -
que ele chama de ouriço – que se lhe aninhou no corpo, divertindo-se a cravar
os seus espinhos por aqui e por ali sem ordem nem preceito. E lá estão eles, os
venenos amigos, a executar a sua função de matar o inimigo para salvar o amigo.
E vão atacar três vezes, em vagas sucessivas, com todas as suas forças, sempre
mascarados, sem nome, como se de tropas de elite se tratasse.
Como no filme “Guerra
das Estrelas”, tribos menores de bons venenos, as Xelodas, capacitabinas
citostáticas“ouriço” que, de
certo só tem a derrota no horizonte. ,
desferram ataques diários, de manhã à noite, não dando trégua ao
Os velhos repetem-se, e
eu já disse muitas vezes que nem tudo o que é legal é moralmente aceitável,
repetindo-o agora, que ouvimos contar a história do condenado de Ohio que levou
25 longos minutos para morrer, porque o cocktail de venenos que lhe injectaram
para o justiçar pelos seus crimes, não foram tão cuidadosamente estudados como
aqueles que os médicos do IPO destinaram a salvar o meu irmão pequenino. Venenos
vingadores que, mal doseados, torturaram por quase meia hora o irmão de alguém que
estava a assistir. América, América!
Há venenos que ganham
batalhas, mas temos obrigação de batalhar contra certos, de entre eles.
Políticos, por exemplo. Sócrates (o original) tomou voluntariamente a cicuta
porque sentiu perdida a sua batalha cívica e política; a Napoleão e a Arafat,
que não admitiam a derrota, teve a cicuta que lhes ser ministrada por terceiros.
Os venenos da Síria -
sarin, gás mostarda e VX -, que de atoarda ocidental, horrorizando o mundo
perante as imagens do resultado da sua utilização, passaram a realidade tão
gritante e palpável que foram capturados com o consenso de todos e, agora, por
aí andam à espera de um destino. Retidos em bidões por especialistas,
embarcados num cargueiro dinamarquês, não encontraram países que aceitassem
recebê-los. Assim, terão de ser transferidos para um navio daqueles que
continuam a ser os polícias do mundo, que depois decidirão onde e como os
destruir, dizem que por hidrólise. Faltava decidir o porto onde efectuar tal
transferência. Portugal ou Itália? Lages ou Gioia Tauro?
O Governo português
ficou feliz com esta segunda oportunidade de garantir a permanência militar
americana na Base das Lages. A primeira correra-lhes bem, quando servindo de
cenário à encenação da peça “Armas Químicas no Iraque”, salvaram a Base embora
“perdendo” Durão Barroso, primeiro humanoide a ser teletransportado das Lages a
Bruxelas. Mas como os americanos são pragmáticos, bread bread cheese cheese, e as Lages já não lhes serve desde a
queda do muro, não estando dispostos a pagar o preço pedido pelos aliados
lusos, fizeram agulha para a Calábria.
Logo o Ministro italiano das Infraestruturas declarou “considerar que o
Porto de Gioia Tauro é o mais apropriado” citando razões técnicas e de segurança.
A agência ANSA, antecipando-se ao anúncio oficial, referiu que a escolha se
ficava a dever ao facto do porto calabrês ter características que tornam mais
fácil “ a gestão de protestos contra a operação”.
Aqui entra em acção o meu
mestre Claude Lévi-Strauss a espicaçar-me para fazer perguntas e eu, como
sempre, obedeço:
- É verdade que pelo
Porto de Gioia Tauro entra 80% da cocaína destinada à Europa, que o tráfico
internacional de armas é uma das suas actividades mais reditícias, que o porto
está nas mãos da ‘Ndrangheta, mafia
calabresa, e das suas principais famílias, Piromalli, Alvaro, Mammoliti, Molè,
etc…?
- É verdade que a forma
mais barata de reciclar resíduos radioactivos é aquela de os carregar em navios
em desarme, e fazê-los afundar, muitas vezes com parte da tripulação (quem se
importa com somalis, eritreus, etíopes, sudaneses, etc.?), evitando a porra das
testemunhas?
- É verdade que foi isso
que aconteceu anos a fio, satisfazendo o interesse de industriais distraídos, a
cargo da Ndrangheta, com a cumplicidade
de políticos corruptos, ao largo da Calábria?
- É verdade que a
chamada “Ecomafia” afundou entre 40 a 100 embarcações nas costas calabresas,
transformando o Mediterrâneo num cemitério de todos os resíduos, desde os
inócuos pós de mármore até ao plutónio e ao césio?
Se tudo isto for
verdade, a agência ANSA tem razão quando afirma ser fácil a “gestão dos
protestos contra a operação”, já que os pobres calabreses já se cansaram de
chorar os seus mortos e de gritar e denunciar o escândalo mais bem guardado da
Europa dita civilizada. Itália, Itália!
Todos acreditamos que os
norte-americanos partirão com os venenos sírios para águas internacionais, onde
os destruirão legalmente por hidrólise. Mas se o navio, por acaso ou maldição,
se afundasse ao largo da Calábria, o mais que poderia acontecer seria a criação
de uma Comissão Warren que nos desvendaria uma parte da verdade daqui a meio
século.
Voltando à nossa casa,
porque tal desvario ninguém acredita ser possível na Costa das Negociatas,
lembrei-me de fazer umas perguntas domésticas sobre um caso de venenos, quase
esquecido. Durante muitos anos não houve transformador, condensador e gerador
eléctrico que não utilizasse o chamado Pyralen (PCB), por ser este o fluído
mais indicado para o seu correcto funcionamento. Mais tarde foi descoberto - por
uns chatos de uns técnicos intrometidos -, que esse produto era altamente
poluente, tóxico e cancerígeno, tendo sido ordenado pelas agências ambientais
americanas e europeias, a inutilização desses equipamentos eléctricos, com a
correspondente recuperação dos fluídos incriminados (PCB’s), e sua posterior destruição.
Sabe-se que a EDP, e outras empresas utilizadoras desses equipamentos, tudo
fizeram para cumprir a lei, entregando-os a empresas especializadas e
certificadas, que parece terem feito bem o seu trabalho. E aqui voltam as
perguntas, neste caso só uma:
- É verdade que a
Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos entregou os seus equipamentos ao
sucateiro Manuel Godinho, amigo do Armando Vara no tempo em que o Eng. Sócrates
era Secretário de Estado do Ambiente, o qual, tendo recuperado o cobre e os
restantes metais componentes, e não sabendo o que fazer com o famigerado Pyralen,
o teria reciclado à sua maneira (de sucateiro), com prejuízo nosso presente e
futuro, arriscando-nos a tê-lo no prato por via de peixes do rio ou de alfaces
da horta?
Venenos nacionais,
escondidos debaixo do tapete dos brandos costumes e dos negócios entre amigos e
compadres. - Portugal, Portugal!
Faço votos que o corte
de verbas com que o governo presenteou venenosamente os IPO de Lisboa, Coimbra
e Porto, não impeça as suas equipas técnicas de continuarem a preparar os seus cocktails venenosos que são a esperança
de salvar tantas vidas, incluindo aquela do meu irmão pequenino, para que ele
possa continuar a criar cavalos nobres e inteligentes, e eu a zurzir,
denunciando, cavalgaduras reles e estúpidas.
Herdade das Valadas, 23
de Janeiro de 2014
Octávio Santos
Estou vendo que os ares alentejanos o inspiram !!!
ResponderEliminarBoa estadia e bêjos !
Caro Octávio
ResponderEliminarLeitor atento das suas crónicas e percebendo nesta, a angústia do momento, por conta daquele malfadado “ouriço” que atormenta aquele a quem quer muito bem, também faço votos para que os “cocktails venenosos” sejam rapidamente eficazes, para continuarmos a ter não só “cavalos nobres e inteligentes”, criados pelo seu “irmão pequenino” como a ter as suas crónicas, que zurzem e denunciam outras cavalgaduras e essas sim, escritas com melhor inspiração.
Abraço.
L
Caro (a) L…anónimo (a),
EliminarMuito obrigado por ter lido exactamente o que eu quis escrever e transmitir. Se é pessoa habituada a ler os meus inúteis textos, sabe que estou certo que há muitas formas de amor, e esta é uma delas. Um dia, em honra de leitores como o (a) L, escreverei um conto por cada uma dessas formas que fazem parte da minha carteira de afectos. Nunca outro investimento me deu tantos juros. Espero que esta minha resposta sirva também para a anónima sem inicial do comentário anterior.
Abraço (beijo)
Octávio
Recém iniciada na leitura do seu blog, que me foi generosamente indicado, com o seu consentimento, pelo meu GRANDE AMIGO, seu irmão pequenino, ouso intrometer-me na sua "carteira de afectos". Gosto do seu sarcasmo que assoma em pinceladas fortes, zurzindo os que mal fazem e encobrem. Fica-me em ecos preventivos. Gosto, ainda mais, da afectividade que envolve as palavras.O meu GRANDE AMIGO, seu irmão pequenino está a lutar com o ouriço. Os cavalos e as éguas estão atentos - lutam com ele - à sua maneira. Mas o "pequenino" é forte e tem muitos amigos cujas espadas já foram hasteadas.
ResponderEliminarAbraço
Margarida
Cara Margarida,
EliminarMuito obrigado por ter entrado por direito próprio na minha “carteira de afectos”, direito que lhe é conferido por ser Amiga do meu “irmão pequenino” e por ser Filha do Professor que cuidou da minha saúde até ao momento do seu retiro. Vivendo muitos anos fora de Portugal, ia consultá-lo sempre que cá vinha nem que fosse para o ouvir dizer, uma vez que eu regressava de Sófia: - O que tu tens é “bulgarite” aguda! E era, porque o Professor nunca falhava um diagnóstico. Aquilo que designa por sarcasmo é, em mim, cólera legítima, que todos temos obrigação de expressar quando as coisas ultrapassam os limites da decência. Não sei se o Vasco lhe ofereceu os meus dois primeiros livros - vou escrever mais 10 ou 20, se tiver tempo -; se não o fez ainda, deve exigir-lhos para perceber melhor este seu novo Amigo, que se encarregará de lhos dedicar quando nos encontrarmos. Quanto ao “ouriço”, que pode ele contra tantas espadas desembainhadas contra ele?
Abraço
Octávio