De tanto subir e descer a Avenida já deu para saber que tem 1.100
metros, do Marquês aos Restauradores, pelo que hoje devo ter completado uns 10
km, contando com as vezes que atravessei os seus 90 metros de largura porque
qualquer coisa me chamou a atenção do outro lado. De cada um deles tem um
passeio e uma via para veículos, as quais se transformaram há já uns tempos em
“transtransitais“ (desculpem o neologismo) dado que se desce por aquela que se
deveria subir e se sobe por aquela que se deveria descer, como se tivéssemos
pontualmente virado ingleses, suecos ou moçambicanos, mas mesmo assim só até um
certo ponto - tudo volta à normalidade por altura da Travessa da Glória e do
Largo da Anunciada - porque no complicar é que está o engenho. Quando o António
Costa for Primeiro Ministro o que irá ele inventar para infernizar gratuitamente
a nossa vida? Menos gratuitamente se levar consigo o socialista-novo José Sá
Fernandes que, esse sim, sabe como nos fazer pagar as suas birras de quando era
do esfarelado bloco de esquerda e fez parar o túnel. Mas isto são só divagações
e não estamos aqui para perder tempo, mas apenas para vos reportar quanto vi
nas duas áleas ajardinadas (afinal de uma só) que separam as vias laterais da
via central com quatro faixas de rodagem, duas descendentes e duas ascendentes,
e nestas já se conduz à direita como em todo o resto da cidade e do país.
Iniciando no Marquês (a preguiça deu-me para começar a descer) pela
álea da direita, temos um canteiro só com relva. Depois, e despacho aqui também
a outra álea por ser igual nestes pormenores, temos a parte central ajardinada,
ladeada por largos passeios com dois renques de árvores, de diversos tamanhos
(pré e pós Metro) e espécies, nunca palmeiras, uma fila de bancos de jardim e
duas filas de candeeiros públicos, altos e duplos aqueles que dão para as
faixas de rodagem e, digamos de jardim, os adjacentes ao verde central. A
calçada é a dita “à portuguesa” profusamente decorada com temas geométricos ou
botânicos estilizados, alguns símbolos heráldicos e poucas inscrições,
desconhecendo eu se o seu autor é o mesmo do pavimento do passeio central dos
Restauradores, o grande João Abel Manta. Ao primeiro canteiro segue-se um outro
rectangular com relva e arbustos, e dois outros idênticos, o primeiro com duas
palmeiras e o segundo com três; neste, uma boca de ventilação do Metro, que é a
primeira nota dissonante que encontramos: será que os paisagistas da CML não
poderiam ter projectado uma coisa menos desgostosamente esquálida? Entre este
último e a estátua de pedra de Alexandre Herculano (1810-1870), em canteiro circular
relvado, está uma entrada do Metro e uma outra palmeira. Quando digo palmeira
refiro-me a árvores altas e direitas com a sua cabeleira lá bem no alto,
algumas com o tronco coberto de heras, pensando que todas as 75 (setenta e
cinco) que contei na Avenida venham do século XIX. Há dias o Dr. Bagão Félix
falou na televisão de um livro intitulado “Greguerías”, de Rámon Gómez de La
Serna, que é uma selecção de frase metafóricas mais ou menos bem humoradas
inventadas pelo autor, que também inventou a palavra do título para as
designar. Li lá duas sobre palmeiras que não resisto a transcrever:
“As palmeiras levantam-se mais cedo do que as outras árvores”
“A palmeira ancora o céu à Terra”
Atravessando à altura da Alexandre Herculano temos um canteiro
circular com relva e flores, que serve de moldura à estátua de pedra de António
Feliciano de Castilho (1800-1875), um pavilhão (tipo falso quiosque) Bananacafé,
com esplanada, e um canteiro rectangular com relva, arbustos, plantas várias e
cinco palmeiras. Segue-se um busto de bronze de Rosa Araújo (1936), dando as
costas à sua rua, encimando uma base de pedra com uma figura de mulher coroada
e seminua que lhe oferece com a mão direita rosas de um ramo que tem na mão esquerda
apoiada sobre a anca. Muito belo e sensual. Depois mais um canteiro
rectangular, igual em tudo ao precedente, até nas suas cinco palmeiras, mais um
canteiro circular com plantas e flores, tendo no centro uma palmeira de um
outro tipo, esta baixa e com cinco troncos magrizelas. A proximidade da sede do
Novo Banco, a lembrança dos cinco ramos da Família que agora esconde a pomba
atrás da borboleta e a passagem de um casal de turistas japoneses, inspirou-me
este haiku:
Cinco braços da palmeira
Verde antídoto para quinteto
Que nos aliviou a carteira?
Atravessando ao nível da Barata Salgueiro temos outro canteiro
circular com relva, flores e uma palmeira no centro, e mais três canteiros
rectangulares com relva e plantas diversas, com quatro palmeiras cada um. Ali
pela Travessa da Horta de Cera, de um lado um canteiro circular com relva e
flores à volta de uma palmeira com sete troncos, do outro exactamente a mesma
coisa, só que a palmeira tem dez troncos. Uma entrada do Metro divide um
canteiro rectangular com relva e arbustos, no meio dos quais uma caixa de
correio vermelha dos CTT, daquelas modernas e quadradas que antes também
vendiam selos. Se é só para enfiar cartas de que lhe serve ser tão grande e
alta? E também um pavilhão da Ribadouro, com esplanada, e mais um canteiro
rectangular com relva, arbustos floridos e flores, e já estamos à altura do
Parque Mayer e da estátua aos Mortos da Grande Guerra, que lhe dá as costas. A
estátua está emoldurada por um amplo canteiro octogonal com relva, flores e
quatro pequenas coníferas podadas em cone. O monumento, em pedra, com uma
figura de Mulher com bandeira, que representa a Pátria, a coroar de louros um
soldado com um joelho em terra, é sustentado de ambos os lados por duas hercúleas
figuras masculinas seminuas. De cada lado tem a inscrição “GRANDE GUERRA”, na
frente a legenda “Ao serviço da Pátria, o esforço da Grei” e, numa placa em
bronze, a dedicatória “Aos combatentes mortos pela Pátria - Homenagem dos
Combatentes da Grande Guerra -XI 1918 - XI 1968 -. Atrás pode ler-se “9-3-1916 -
A Alemanha declara guerra a Portugal - 11-11-1918 - Armistício - 28-6-1919 -
PAZ”, e ainda os nomes do arquitecto, G. Rebelo de Andrade, e do escultor,
Maximiano Alves. Ler tudo isto hoje não faz sentido senão para saber que há 100
anos as guerras eram declaradas por alguém, tinham um princípio e um fim, e os
que morriam tinham uma noção do porquê, embora isso não tivesse qualquer
aparente utilidade para o próprio. Seguem-se três canteiros rectangulares em
tudo idênticos, com relva, arbustos e flores, e uma entrada do Metro entre o
segundo e o terceiro. Não pude deixar de olhar para cima para as varandas
floridas da Emília e do António Romano, como se tivessem ligação com os
canteiros cá em baixo.
Passada a Praça da Alegria temos um canteiro com gradeamento baixo
artisticamente trabalhado, com duas palmeiras e uma bananeira com seis ramos -
no passeio um pavilhão Maritaca, food and
fun, com esplanada - canteiro que comporta um alto amontoado de pedras tipo
“rocaille”, coberto de fetos e
avencas, no alto do qual uma imponente figura de velho com longas barbas e
cabelos, metáfora da nascente, despeja água de uma ânfora (“a água solta o
cabelo nas cascatas”, mais uma greguería de La Serna) que alimenta o arremedo de
rio que desce pelo centro do canteiro que lhe reverdece as margens,
multiplicando-se em açudes, com uma romântica ponte de ferro que o atravessa e,
a jusante, mais uma “rocaille”,
abrigo para cisnes e patos ausentes (onde param os da minha infância?), fechado
e sujo. O “rio” acaba no fim do canteiro, que tem ainda duas palmeiras e uma
bananeira de cinco ramos. De cada lado, uma entrada para o parking, uma para viaturas e outra para peões. À altura da Travessa
da Glória, num novo canteiro gradeado que tem, entre duas árvores, uma base de
pedra que suporta um artístico vaso metálico com duas asas apoiadas em cabeças
humanas, árvores e vaso que se repetem no fim do canteiro já à vista dos
Restauradores. Entre as duas pontas deste cenário, um lago de pedra de bela
traça, sem água, que apresenta três bases também de pedra. Da primeira e da
segunda estão ausentes os elementos decorativos em bronze que lá devem ter
estado, apoiada esta suposição no facto de a terceira ostentar um belo leão alado (Grifo) pintado de
verde. Pena que dentro do artístico gradeamento do canteiro estejam duas bocas
de ventilação do Metro que têm o condão de desvirtuar tudo. Ladeando o
canteiro, e já com um pé nos Restauradores, duas inevitáveis entradas do Metro
e uma de ascensor, em vidro, lamentavelmente suja. E agora é só atravessar para
olhar o obelisco com olhos de ver!
O monumento, que é basicamente um obelisco com 30 metros de altura,
com uma base alargada com oito artísticos candeeiros, e uma outra que sustenta
o obelisco propriamente dito, comemora a
reconquista da independência de Portugal, que ocorreu no dia 1 de Dezembro de
1640, após 60 anos de jugo “filipino”. Visto do Rossio, tem na segunda base uma estátua de bronze, figura
de Mulher alada, com palma e coroa de
louros, que representa a Vitória e, no obelisco, diversas inscrições que
indicam datas de acontecimentos importantes relacionados, com destaque para as
batalhas da Guerra de Restauração que se seguiu à independência, para
consolidação e definitiva conquista da mesma. Assim, de alto a baixo, temos:
Angra - 16 de Março
de 1642
Lisboa - 15 de
Dezembro de 1640
Aos Restauradores de
1640
1º de Dezembro de
1640
Em 1886 por
subscrição nacional erigiu a Comissão Central Primeiro de Dezembro de 1640
A Sociedade
Histórica da Independência de Portugal no Centenário do Monumento aos Heróis da
Restauração - 1886- 1986
Girando no sentido dos ponteiros do relógio, temos na outra face um
elemento escultórico em pedra com armadura, bandeiras, espadas, tambores, bocas
de canhão e outros elementos relativos às batalhas, e as seguintes inscrições:
Castelo Rodrigo - 7
de Julho de 1664
Almeida - 2 de Junho
de 1663
Évora - 4 de Junho
de 1663
Elvas - 14 de
Janeiro de 1659
Ameixial - 8 de
Junho de 1663
Já virados para o
Rossio temos outra estátua de bronze, figura de jovem alado, com bandeira,
espada e cadeias quebradas, que simboliza a Liberdade reconquistada e, de alto
a baixo, novas inscrições:
Tratado de paz - 13
de Fevereiro de 1668
Vila Viçoza - 14 de
Junho de 1665
Montes Claros - 17
de Junho de 1665
Na última face do
monumento, aquela oposta ao Eden, temos novamente o elemento escultórico
(diferente mas igual) presente na face oposta e mais inscrições, sempre de alto
em baixo:
Badajoz - 22 de Junho
de 1658
Pernambuco - 17 de
Janeiro de 1654
Angola - 15 de
Agosto de 1648
Sto. Aleixo - 12 de
Agosto de 1641
Montijo - 26 de Maio
de 1644
Pondo tudo por ordem
cronológica, até para termos a noção que passaram 25 anos entre a declaração de
independência e a última batalha, e mais 3 para a obtenção da paz, temos:
Lisboa, 1/12/1640:
Proclamação da Independência; Lisboa, 15/12/1640: Aclamação de D. João IV como
Rei de Portugal; Batalha de Sto. Aleixo, 12/8/1641; Batalha de Angra, 16/3/1642; Batalha do Montijo, 26/5/1644; Batalha de Angola, 15/8/1648;
Batalha de Arronches, 8/11/1653 (omissa no monumento); Batalha de Pernambuco,17/1/1654; Batalha de Badajoz, 22/6/1658; Batalha das Linhas de Elvas,
14/1/1659; Batalha de Almeida, 2/6/1663; Batalha de Évora, 4/6/1663; Batalha do
Ameixial, 8/6/1663; Batalha de Castelo Rodrigo, 7/7/1664; Batalha de Vila
Viçosa, 14/6/1665; Batalha de Montes Claros, 17/6/1665; Lisboa, 13/2/1668:
Assinatura do Tratado de Paz.
Chamaram-me a
atenção aquelas batalhas que se travaram fora do território ibérico e, nessa
conformidade, tentei saber mais sobre aquelas de Angra do Heroísmo, Pernambuco
e Angola, deixando-vos literatura sobre cada uma delas, o que me deu alguns
esclarecimentos e vos poderá interessar. Devo dizer que não encontrei
referência a estas batalhas em qualquer livro publicado sobre a Guerra da
Restauração. Dada a complexidade e vastidão do assunto, e da importância que as
mesmas tiveram na história de Portugal e do Mundo, muito maior que aquela que habitualmente aqui se lhes confere, principalmente as duas Batalhas dos Guararapes (que alguns brasileiros designam por " o nosso Vietnam"), voltarei a interessar-me por ele se tiver tempo e disposição para
tal.
Um abraço.
Lisboa, 28 de Agosto
de 2014
Octávio Santos
Caro cronista,
ResponderEliminarMas que grande caldeirada! Ou melhor, sopa de pedra, porque ao elemento primário, a Avenida da (tua) Liberdade, vais juntando tudo o que te vem à mão, neste caso à cabeça, para nos impingires uma iguaria que, com a variedade e profusão de ingredientes e temperos, uns reais outros virtuais, que vais metendo na panela, se está a tornar uma mixórdia intragável. Menos mal que a próxima será a última, talvez porque te deste conta que, com o calor que faz, arrisca de azedar. Devia haver uma ASAE para a pseudo-literatura.
Sem rancor
Caro(a) Anónimo(a) "Sem rancor",
EliminarSe chama a isto “pseudo-literatura” então está visto que não passa de um iletrado, de entre os muitos que pululam neste país. A particularidade do cronista, se é que ainda não reparou, está nos pequenos detalhes e se não perceber isso, blogues há muitos!!!
L
Cara(o) Anónima (o) mentirosa (o)*,
EliminarCom a idade começa-se a compreender os outros e a apreciar o verdadeiro valor daquela frase lapidar que é a essência do perdão: “Perdoai-lhes Senhor porque não sabem o que fazem” (neste caso o que dizem). Não é culpa sua se hoje a nossa televisão está cheia de programas de culinária e de futebol, desprezando os de literatura e anulando os de poesia, e menos mal usou a cozinha para a sua crítica e não o desporto rei, já que em vez da ASAE teria de chamar a PJ. Diz um grande homem de cultura italiano, o Professor Vittorio Sgarbi, que a poesia é produzida com a parte mais elevada do nosso cérebro, daí eu compreender que a(o) “sem rancor” tenha utilizado a parte que tem disponível no seu. Porque a crónica da Avenida da (nossa) Liberdade é apenas uma moldura ricamente cinzelada, para, em largo passepartout de futilidade, corrupção e impunidade, enquadrar a poesia dos simples, dos espoliados e dos injustiçados, isto é, dos últimos, que é a poesia que hoje todos temos obrigação de inventar. Termino pecando também eu, não por superficialidade, mas por arrogância: estou a vê-la ((o) a comparar o “Livro do Desassossego” a uma salada russa.
Abraço
Octávio
*pelo “sem rancor”
Caro (a) Anónimo (a) L,
EliminarNão venho agradecer-lhe a defesa que fez da minha crónica, mas dizer-lhe que, tendo percebido exactamente o que pretendi que ela fosse, guiou-me como um GPS na resposta que acabei de dar ao meu crítico(a) “sem rancor”. Na sua resposta senti a falta de “blogues há muitos seu palerma!!!”
Abraço (ou Beijo)
Octávio
Estou a adorar seguir esta sua verdadeira "maratona" na Av. da Liberdade!
ResponderEliminarIara
Cara Margarida,
EliminarMuito obrigado por continuar a seguir-me: depois do Carlos Morais, agora na Av. da Liberdade. É preciso ter coragem! Numa das minhas caminhadas na Avenida pereceu-me vê-la num tuk-tuk com a cabeça no ar para ver se era tudo verdade. Um dia destes vai ter a surpresa da minha promessa cumprida.
Beijinho
Octávio
Caro Ostinato, esta "maratona", como escreve uma leitora, embora esteja a chegar ao fim, mais parece que vem num crescendo de informação e com a anotação de ligações a acontecimentos históricos, e ao mesmo tempo por vezes indicando as varandas que dão para a Avenida ondem residem amigos, o que demonstra a importância que o A. dá aos amigos, sejam muito conhecidos ou anónimos. Parece-me que este blog será um dia um marco importante da Avenida, porque nele quase se vê a evolução dos canteiros e ajardinados que vieram sobrepor-se a obras que durante meses tornaram impraticável passear na Avenida. Espero a continuação do blog.
ResponderEliminarCaro (a) Anónimo (a),
EliminarVai ter a continuação do blogue, mas não a da “maratona” da Avenida, que, como diz um(a) anónimo(a) que me aprecia menos, e está no seu direito, já estava a azedar. Ao contrário do que diz os meus textos nunca serão um “marco” da Avenida porque ela é como um campo de dunas movediças que muda com uma velocidade espantosa, e se lá se passear daqui a um ano nada estará como nos meus textos: o número de dorminhocos aumentará nos bancos de sentar e os bancos de assaltar já terão inventado instrumentos novos para continuar a fazê-lo. Talvez dupliquem as Sociedades de Advogados e os Consultórios de psiquiatria.
Abraço
Octávio