No sábado passado, dia da apresentação da minha primeira
experiência “literária” dirigida a crianças, que devo à Editora storyTellMe,
alguém amigo me dizia estar “angustiado e preocupado, com a sensação de estar
prestes a entrar numa profunda e longa noite, sombra a pairar, que me
aterroriza”, acrescentando que “ se sentia apavorado como se estivesse num
comboio de alta velocidade rodeado de
gente que não tem nada a ver comigo, numa espécie de mundo paralelo em que há
um grande esquema montado que não se percebe onde começa nem onde acaba, nem
mesmo o que é, e eu quero descer e não consigo”. Assustei-me com a crueza dos
propósitos e debitei umas banalidades para acalmar o susto evidente; sabes, é o
sentimento geral, a sombra paira mas é colectiva, para mim já não tenho
esperança, mas para ti que tens idade para ser meu Filho, pode ser que as
coisas melhorem, embora só para os mais pequeninos se possa pensar voltar a uma
normalidade, que de qualquer maneira não será aquela que conhecemos, não
imaginando sequer nós o preço a pagar por isso. E com esta me safei de um ainda mais
lúcido que eu.
Mas vamos lá à Poesia, que merece maiúscula. Os factos relatados
interessam sobretudo os meus ex-colegas da AICEP, que continua a ser a “minha
casa” pois foi de lá que passei à peluda, apesar daqueles 11 meses em que
passei pelas (por) Necessidades. Para todos os outros temos os poemas que,
esses, são universais. Tudo começou com o colega Rui Boavista Marques, então
Administrador, a dar-nos a conhecer o filme japonês “Chanoyu” no qual ele
desempenhou o papel de um jovem português chamado Stefano. Todos gostámos,
tendo-nos o Rui dado, como programa extra, uma lição sobre a cultura japonesa
da cerimónia do chá, confessando eu agora, e espero que ele não se zangue, que
já tinha visto o meu Avô fazer aquilo, com tijela, pincel e um pó verde, mas
para fazer a barba. Ora se o Senhor Administrador podia usar o Auditório para
fins não técnicos, porque não dar seguimento à “aventura”?
Assim, criámos uma troyka
(lagarto, lagarto, lagarto…) - eu e duas das minhas queridas Cristinas, a Filha
do Professor Políbio de Almeida e a Neta do Palangana - e conseguimos convencer
as cúpulas a fazer no Auditório uma sessão intitulada “Cultura no Auditório”,
tendo como tema a Poesia. Para tal idealizámos um programa ligeiro em que
quatro colegas diriam duas poesias cada um, sendo uma da sua própria autoria e
outra de um autor consagrado à sua escolha, e os quatro colegas seriam, por
ordem alfabética, a Iara Martins, o Joaquim Pimpão, o Miguel Malheiro Garcia e
o Octávio Santos, ou seja, eu. Acontece que o Joaquim - Pedro Assis Coimbra, de
seu nome artístico -, às voltas com os goulash
nas margens do Lago Balaton, não pôde estar presente tendo delegado na colega
Cristina Góis Amorim a leitura do seu poema. Acontece também que, tendo eu
escolhido dizer um poema de António Gedeão, e sendo a sua Filha, a escritora Cristina Carvalho (e
já vão três Cristinas!), casada com o nosso colega José Meira da Cunha (aquele
da visão holística), passou-nos pela cabeça convidá-la para nos falar do seu
Pai, e não é que ela aceitou!
Como nestas coisas acontecem sempre imprevistos, a Iara não pôde
participar, por válidos motivos
familiares, para dizer uma das suas
poesias e um lindíssimo poema de Alexandre O’Neill, o que a entristeceu
muito, e o programa ficou assim estabelecido:
Ciclo “Cultura no
Auditório”
Sessão : “Abaixo o
Mistério da Poesia”, 17 de Novembro, das 17H30 às 18H30
Auditório da Av. 5
de Outubro, Lisboa
Programa
• Abertura pelo nosso
Administrador, Vital Morgado
• Octávio Santos recita:
• Cristina Góis Amorim recita:
Boa Gente Como Sempre, de Pedro Assis
Coimbra (Joaquim Pimpão)
Até ao Fim, de Nuno Júdice
(in Pedro, lembrando Inês, 2001)
• Miguel Malheiro Garcia recita:
Homens à Beira-Mar, de Sophia de Mello
Breyner
Poema , de Miguel Malheiro Garcia
• Octávio Santos recita:
• Convidada especial para o período de debate: Escritora Cristina Carvalho,
que nos falará da obra e da personalidade de seu pai – Rómulo de Carvalho (António Gedeão)
Lembro-me que correu
tudo muito bem e que os colegas que encheram o Auditório deram por bem empregue
o tempo que lhes “roubámos” ao descanso. Lembro-me também de ter dito uma
quadra minha improvisada, glosando esta quintilha do poema do Pimpão dito pela
Cristina:
“tu vais acreditar
como aconteceu
quando a Primavera
de tão ousada
na acidez do vinagre
de Modena
se meteu
cuidadosamente
a fundo no meio do
teu corpo”
Brinca tão
completamente
Que usa vinagre de
Modena
No teu corpo…
cuidadosamente.”
Sempre em honra da
poesia popular, que é também uma altíssima forma de arte, e não porque seja
minha intenção abandalhar a coisa, li hoje ( e está lá para quem quiser ler)
junto à venda de jornais e revistas que está na esquina da Miguel Bombarda com
a Marquês de Tomar, em papel colado numa caixa da EDP, o seguinte escrito, que,
dado o sublinhar da última palavra, pode ser também um código secreto para
interessados naquele princípio activo (estive para alertar o SEF mas fui
desaconselhado):
“Versos
transmontanos
Porca/o nojenta o
Cão não é um
Saco cheio de merda
Para despejares nos
Passeios e na erva.”
Mas o que me trouxe
aqui hoje, justificando este já tão
longo preâmbulo, foi o desejo de homenagear a colega Iara que tanta falta nos
fez naquela tarde, como prova o e-mail que, em nome de todos, lhe transmiti na véspera:
Como vamos sentir a
sua falta amanhã, por si e pelos seus poemas, que acrescentariam qualidade à
sessão, fui encarregado por todos de
lhe agradecer a colaboração, dizer-lhe que contamos consigo para a próxima e
desejar um bom aniversário à sua Mãe.
Bjs”
Assim, com autorização da autora, seguem os quatro poemas que me enviou, com imagens e tudo, para que a troyka escolhesse um para ela dizer na tarde de 17/11/2009 (já foi há 5 anos, meu Deus!), junto ao já citado poema de Alexandre O’Neill, e eles aqui ficam com um grande beijinho para a Iara, que aqui se revela uma poetisa de rara sensibilidade, e ainda por cima é também Margarida.
Octávio Santos
preciso de cuidar de mim,
com ternura,
como cuido dos que amo.
preciso de esperança,
parar de atormentar a minha paz
com propósitos tão tristes quanto funestos.
e aprender de vez
que um dia mau
é apenas e tão só isso,
um dia mau.
mesmo que seja um ano,
ou até muitos,
anos maus.
ainda assim é só isso,
e não a vida inteira.
preciso de cuidar de mim,
ler Sophia em voz alta,
e deixar me adormecer no sofá,
a ouvir feliz Caetano,
a cantar o verso
onde um carinho às vezes cai bem.
J’aime les ballons
ar. cansado.
respirar.
cansada de tentar inspirar.
os meus olhos não aguentam.
como que uma culpa.
uma doença no ar.
um vírus
febril
com sintomas de desgaste.
queria criatividade.
a minha inspiração está presa
numa letra.
anda para cá e para lá
sem saber se me ajuda
a pensar
ou a escrever.
que se soltem os balões
para eu criar.
Senhoras e Senhores
senhoras e senhores
ando silenciosa
a alma precisa de tempo para,
num outro tempo, talvez,
transcrever o que absorveu de belo.
senhoras e senhores
no país das maravilhas a menina caiu.
de medo e sem rédeas
desabou.
flutuando no caos,
perdida no todo.
na cabeça a vida corre
como um rio,
memórias do agora sem forma de amanhã.
a tristeza é sempre funda.
como um rio,
memórias do agora sem forma de amanhã.
a tristeza é sempre funda.
senhoras e senhores,
começou a corrida sem o sinal sonoro de partida.
não é tempo. haverá tempo?
o tempo dirá.
a tempo será?
o tempo dirá.
a tempo será?
Nós
nós,
pretensos amantes
dois pontos equidistantes,
duas notas dissonantes,
espaço entre o depois e o antes,
um desejo sem afecto
o “A” e o “Z” do alfabeto
distância entre o longe e o perto.
eu, deste sonho, fujo
sem mesmo beijar-lhe a boca.
desamparo a emoção pouca,
de tê-lo no abraço
frágil como este laço
que se desfaz ao meu contacto
escolho o real ao abstracto.
Quatro poemas de Iara Margarida Martins
Caro cronista,
ResponderEliminarFinalmente! Basta que a escrita não seja sua para se começar a ler qualquer coisa que valha a pena. A continuar assim é possível que o seu blogue passe a ter mais leitores. Se aceita um conselho, não escreva mesmo nada seu, porque desta vez o que me saltou à vista foi uma tentativa bacoca de imitação de Fernando Pessoa, e a invenção dos “Versos Transmontanos”, que se vê logo que são da sua autoria por conter a palavra que mais caracteriza a sua “obra”: MERDA!
Sem rancor
Caro Anónimo,
EliminarNão seguirei o seu conselho pelo simples facto de não apreciar cagarolas que não têm a coragem de dar a cara. Dei o seu texto a ler a um amigo psicólogo do Júlio de Matos, que me disse: - Escrito por um homem de meia idade que até agora falhou tudo o que tentou fazer, com evidentes sintomas de impotência, atrevendo-me a diagnosticar que não superou a fase anal.”. Eu encerro esta troca de missivas com um desconhecido, dando-lhe razão quanto à palavra que diz caracterizar a minha “obra”, dizendo-lhe simplesmente: - Vá à merda!
Sem rancor
Octávio