5 poesias 5, retiradas do livro de Rómulo de Carvalho (António Gedeão) “O Texto Poético como Documento Social”, de 1994, que nos dá um retrato social do país através da poesia suscitada pelos acontecimentos marcantes no decorrer da sua história, que poderão ser lidos na ilusão de que foram escritos ontem, não fosse a linguagem fora do nosso tempo.
1 - De António
Feliciano de Castilho, Escavações poéticas, Lisboa, 1844. O poeta “dirigia-se
ao povo pondo-o de sobreaviso contra as promessas dos políticos:”
Há sirtes, há parcéis, há monstros negros,
E proa não velada acha naufrágios.
A baixa sedução virá primeira
Com a virtude na voz, nas mãos a bolsa,
Traficar de infortúnio em tom sumido.
Outros tentando
A crédula ambição com dextras falas
hão-de apontar-te os cumes dos favores,
a futura medalha, a pingue renda,
o acesso livre aos pórticos dos grandes
e a oficiosa pasta abrindo graças.
Mais perigosa astúcia acharás noutros
Sem promessas nem dádivas. Só falam
No bem público e em si. Vão nessa conta
Poucos leais; grão número te engana.
“Viva o Povo!”, era o dia do conflito.
Passa o conflito e afastam-se do Povo,
Requestam distinções, namoram fitas,
levam à escala os cargos, a opulência,
da choça natalícia erguem palácios,
e em coche insultador, troando as ruas,
com o pó, que encheu seu berço, o Povo alagam.
2 - De Alexandre
Herculano, A Harpa do Crente, poema Arrábida, Lisboa, 1838. Herculano, um dos
poucos homens a quem “a desordem política, a vida ostensiva dos abastados e a
corrupção oportunista faziam tremer de indignação”.
Oh cidade, cidade, que transbordas
de vícios, de paixões e de amarguras!
Tu lá estás na tua pompa envolta,
soberba prostituta, alardeando
os teatros, os paços, e o ruído
das carroças dos nobres recamados
de ouro e prata, e os prazeres de uma vida
tempestuosa, e o tropear contínuo
dos fervidos ginetes, que alevantam
o pó e o lodo cortezão das praças;
e as gerações corruptas de teus filhos
lá se revolvem qual montão de vermes
sobre um cadáver pútrido !
3 - De João de
Lemos, Cancioneiro, Lisboa, 1859. O poeta “deplorava, amargurado, a situação
degradante a que Portugal chegara”.
Quem és tu, pobre velho ? Por que choras
assentado à beira-mar ?
Por que levas assim magoadas horas
com as ondas a suspirar ?
Que livro o que tens na mão ?
É tua, já te ornou a fronte nobre
a coroa que tens no chão ?
De que era essa Cruz ? Por que essa espada
tens partida sob os pés ?
Que bandeira é que aí tens enrolada ?
Responde , ó velho, quem és ?
4 - De Bulhão
Pato, Cantos e Sátiras, A Velhice do Século, Lisboa, 1873. Sobre as
“Conferências do Casino” cujo “objectivo era promover debates de ideias,
particularmente no âmbito social, pondo em causa a organização vigente” (a
monarquia).
Em meio deste horror que exige o povo agora ?
Ao passado diz: Basta ! Há muito que devora
a classe do trabalho a sede, a fome, a peste,
enquanto o capital de pompas se reveste,
exulta no esplendor das salas deslumbrantes,
adormece feliz nos braços das amantes,
embriaga-se à mesa e ri-se com desdém
daqueles que nem pão sequer ao menos tem !
E nós da aurora à noite embalde transudamos !
Ao cabo do caminho apenas encontramos,
exauridos de força, o leito do hospital,
e algum descanso, enfim, na vala sepulcral !
Quando o saber iluminar os povos
Então hão-de surgir os horizontes novos.
5 - De Francisco
Xavier de Novais, Poesias, Que Mundo este, Porto/Braga, 1879. “ A ascensão da
riqueza, com todas as infiltrações de corrupção que normalmente a acompanham,
irritavam os utopistas das sociedades sem máculas defendidas pelo poeta”.
É verdade que hoje o pobre,
o plebeu, não tem valor.
Seja o homem rico e nobre,
o meio…seja qual for.
Como haja magnificência,
dinheiro, muita excelência,
muito servil barretada,
que importa que o mundo fale.
Quem muito tem, muito vale.
Quem não tem, não vale nada.
Se um homem aventureiro,
sem talento ou instrução,
hoje vejo cavaleiro,
amanhã senhor barão,
p’ra semana deputado,
logo ministro de Estado,
sem ninguém saber porquê,
com sentimento profundo,
eu só digo, ah! Mundo, mundo!
Quem te viu e quem te vê!
Abraço
Lisboa, 18 de junho de 2015
Octávio Santos
Caro cronista,
ResponderEliminarPergunto-me se este post é legível porque não tem nada da sua lavra, e acho que a resposta é SIM!
Sem rancor
Caro(a) Anónimo(a) mentiroso(a) (isto por causa do "sem rancor" com o rabo de fora),
EliminarPergunto-me se vale a pena mandá-lo(a) à merda por causa da sua acrimónia, e acho que a resposta é NÃO! (por falta de merecimento da sua parte).
Sem nada que valha a pena,
Octávio
Pois, pois - não é por falta de denúncia que andamos a levar com eles, não.
ResponderEliminarÉ mesmo por falta daquilo que, segundo nos disse, os chineses plantam no Alqueva.
Isso e a estúpida tendência para crer que, dobrando a cerviz o suficiente, se pode passar de rafeiro a cão de fila. Rai's partam!...
(bela seleção, by the way...)
f
Cara Anónima F(lorinda?),
EliminarSe não falhei o diagnóstico sobre o anonimato, não lhe perdoo a troca de japoneses por chineses; julgava-a mais mainstream (e esta!!!) de Yoga que de Pa-Kua.
Octávio
PS:"Bela selecção" refere-se aos poemas transmitidos ou àquela que perdeu ontem com a Suécia?