Toda a gente sabe que nasci na
Travessa do Moinho de Vento mas desconhece que todos os Domingos ia à missa do meio-dia
à Basílica da Estrela, com algumas excepções quando me apetecia mais o
recolhimento da Capela de Nossa Senhora dos Navegantes, na rua do mesmo nome,
ou estava de férias em casa dos meus Avós maternos e então o templo era a
Igreja de S. Tomé de Lamas que dava o nome à freguesia. Mas, já que estamos em
tempo de números, 85,3% das vezes ia à Estrela e lembro-me que o que mais me
agradava era o chamado Santo Sacrifício da Saída da Missa quando, acabada a
função religiosa que comportava a soporífera homilia do Cónego António Campos,
que Deus tenha a sua alma em eterno descanso no esplendor da luz perpétua,
encontrávamos primos, tios, vizinhos, amigos e colegas, e aí as faces se
abriam, os abraços e beijos não se poupavam, as novidades corriam como fogo
posto nas serras de Portugal, os trajes, acessórios e penteados eram
escrutinados, que não comentados que isso ficava para depois em casa, as
conversas eram aquelas próprias dos interesses de cada grupo etário, conversas
de longe mais substanciais que as ladainhas ditas e ouvidas no interior da casa
de Deus.
Lembrei-me de tudo isto no
duche do Holmes Place, onde faço um sacrifício do caraças a ir duas vezes por
semana, porque os exercícios que lá sou obrigado a praticar durante uma hora me
pesam, me cansam e são uma seca. Daí que o melhor seja mesmo o chegar ao fim da
“obrigação” e ir para o duche refrescar sem pressas o corpo moído e a mente
aliviada que teima em repetir “por hoje já está!” Agora perguntem-me lá porque
que é que, se me pesa assim tanto, eu continuo a lá ir religiosamente? E eu,
imitando os políticos de todas as praças, direi muito obrigado por me terem
feito essa pergunta porque a resposta é muito fácil e transparente. Porque,
estando no último quartel na minha vida e tendo espelhos em casa, sei que o que
lá faço me faz bem ao corpo e me ajuda a ir passar melhor o pouco (ou muito,
não devemos pôr limites à Divina Providência) que me resta para viver. E aqui
lembrei-me novamente das missas do meio-dia na Basílica da Estrela, porque o
que lá fiz e ouvi, embora uma seca, me ajudou e continua a ajudar, e muito, a
ter passado uma vida melhor, e nem eu sei avaliar quanto. Custou mas valeu a
pena, e refiro-me à igreja e, agora, ao ginásio.
Mas não é só no duche, ou em
qualquer outro acessório de uma casa de banho, que me vêm ideias; ainda a
semana passada, acho que foi na quinta-feira, ao passar diante da Tabacaria
Astória da Duque d’Ávila, mesmo ao lado da Dava (com porquinho de néon) dos óptimos queijos e alheiras
e da Pérola de Chaimite do café, em grão ou moído, delícia daqueles que ainda
não se renderam ao Nespresso, que tem os jornais pendurados à porta, tendo a
sorte de ter todos os leitores penduras a acotovelarem-se diante das primeiras
páginas com títulos garrafais sobre o Espírito Santo, Sta. Apolónia, Cruz, Jesus,
Vitória, Marco, António, João, Pedro e Paulo (bons e maus ladrões?), que até
pensei que todos esses órgãos da imprensa nacional fossem aparentados à revista
Família Cristã, me sobrou o jornal “As Artes entre as Letras” que tinha em caracteres
muito pequeninos uma poesia de Eugénio de Andrade que copiei para um envelope
usado do Banco Novo que encontrei no passeio junto de um ATM, e a poesia é
esta:
"Despedida"
Colhe
Todo o oiro do dia
Na haste mais alta
Da melancolia.
Parti dali a deambular pelas
Avenidas Novas como cada manhã e, com o envelope bem apertado na mão, ia repetindo
o pequeno poema e a, mentalmente, servir-me dele como mote para dizer o que me
vinha à cabeça em pequenas idênticas quadras. Depois foi só chegar a casa e
transcrever tudo para o papel sem qualquer preocupação se estavam bem ou mal
esgalhadas, se o conteúdo tinha nexo ou se tinham alguma ligação entre si e,
sobretudo, com tudo aquilo que estamos hoje a viver. E é este exercício que vos
deixo hoje como leitura, podendo cada um ordenar as 17 quadras como bem
entender - de qualquer maneira para muitos não fazem sentido - como se
estivessem a distribuir bandeirinhas por outros tantos vasos de manjerico,
agora para o S. Pedro.
“Exortação”
Tenta
Compreender este mundo
Saber que os barcos da Líbia
Não são para ir ao fundo.
Mantém
Essa vontade de aço
A doçura de “Smile”
E ela te escolherá, palhaço!
Evita
Casar com rei pelintra
Que, sem trono
Te enclausura em Sintra.
Escolhe
Um que do Chapitô vem
Terás estilista com comenda
Cama e mesa posta em Belém.
Avanza
Fosun, Vinci Altice.
Aqui é Portugal!
Quem foi que te disse?
Pasma
Porque a tradicional
Garganta lusitana
São agora três para teu mal.
Recusa
Construir magiares muros
Que em vez das pontes de Francisco
Hipotecam todos os futuros.
Desconfia
Se pertenceres ao povo
Em conversa mole
De banco velho ou novo.
Afasta
Quem tem a inépcia
De reduzir a cifrões
A história da Grécia.
Esquece
A Carris e o Metropolitano
Que o pica do sete
Fala castelhano.
Vigia
No TAPa e desTAPa
Que o hub
de Lisboa
Não saia do mapa.
Não deixes
Roubar-te a esperança
Por quem tem cheia
Só a própria pança.
Não permitas
Ser humilhado
Por tanto figurão
Presumivelmente honrado.
Não admitas
Perder toda a coragem
Diante de quem se arroga
O direito da pilhagem.
Não desistas
De gritar NÃO!
A quem a prestações
Vende a tua Nação.
Não te atrevas
A dizer que sim
Só porque está de moda
E agora é assim.
E não acredites
Em puras balelas
Daqueles que o Zambujo
Chama de Vilelas.
Abraço.
Lisboa, 25 de Junho de 2015
Octávio Santos
Maravilhoso como sempre... Obrigada Octávio!
ResponderEliminarCara Marta,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo "Maravilhoso" que, se aceita o conselho, deve guardar para coisas que realmente o mereçam e não para banalidades ditas por um velho que só tem o mérito de já não ser obrigado a cala-las.
Beijinho
Octávio
Hoje venho muito zangada. Primeiro, não és velho ou se o és, não se nota, escusas de apregoar porque ninguém te acredita. Depois dizes tudo o que muitos de nós queriam dizer e não dizem, mas em muito melhor. Finalmente, escreves que é um gosto, ora que raios!!!
ResponderEliminarCara Clementina,
EliminarA última coisa que queria era ver-te zangada. Tens razão; não se envelhece à sombra de uma azinheira. Finalmente, escrevo com gosto porque ainda há quem considere que eu escrevo que é um gosto, raios e coriscos!!!
Beijinho
Octávio