Sento-me com o
objecto da minha escrita já todo arquitectado na cabecinha e no bloco notas
mas, como um combóio que à entrada da estação recebe ordem para entrar na linha
1 em vez da 2, como estabelecido, qualquer coisa me obriga a fazer a agulha
para uma linha cega onde não consigo estacionar a minha indignação sem o ruído
de travões a fundo, para que se saiba. Acontece que à meia noite de 31 de agosto
os nossos canais televisivos declararam em perfeita unanimidade que a notícia
do dia era o fecho do mercado das transferências, fornecendo-nos todos os pormenores
da compra/venda/empréstimo de atletas (ou de uma parte deles - 20, 35, 50%) de
uma clube para outro, fazendo especial clamor o valor de dois
pós-adolescentes que valeram juntos 155
milhões de euros, perguntando-me eu quanto foi parar aos bolsos dos novos
negreiros cujo expoente máximo é nosso compatriota, mais um “melhor do mundo”
para nos fazer inchar o peito de orgulho, embora a nossa habilidade e aptidão
para gerir o tráfico de pessoas humanas não fosse novidade para mim que conheço
a Cidade Velha de Santiago, e a sua história, como as palmas das minhas mãos.
Para segundo plano passaram os factos e as imagens das fronteiras da Grécia com
a Macedónia e da Sérvia com a Hungria, da estação ferroviária de Budapeste, do
matadouro do Mediterrâneo, de Lampedusa, Catania, Kos, Lesbos, Calais e tantos
outros lugares que fingimos não existirem, e também aqueles de Palmira, onde um
velho de 82 anos – Khaled al-Assad, seu guardião -, preferiu a morte a
vender-se aos novos senhores, poupando-se a imagem de destruição daquilo que
amava e pelo qual viveu, tudo aniquilado às mãos do DAESH ou ISIS (Islamic
State of Irak and Syria) que, agora que domina territórios em 5 países, ou
ex-países, incluindo a Líbia, o Yemen e a Nigéria, já poderia legitimamente
denominar-se provisoriamente ISISLYN, até novas conquistas. Confesso que agradeci à notícia das
transferências dos novos gladiadores, o ter relegado para terceiro plano a promoção do
Paulinho das Feiras a Aldrabão de Feira pelo facto de ter emulado o seu
compatriota Oliveira da Figueira que, risível paradigma virtual das virtudes lusitanas,
vendia chapéus de chuva no deserto aos beduínos e chapéus altos aos sheiks, não se sabendo ainda se o nosso
caixeiro viajante conseguiu vender máquinas de limpar neve em Maputo. Consta
que, sendo também exímio comprador quando a sua conveniência assim o determina,
certo que a justiça rangeliana é cega para os compadres, deu ordem para fazer
patrulhar as nossas costas pelos “nossos” submarinos, a fim de garantir o que a
sua pupila predilecta determinou, ou seja, que a frota espanhola continue a
pescar as nossas sardinhas nas nossas águas para que as mesmas não faltem nos
nossos pratos, mas de periscópio alçado e atento aos caxineiros porque com a Europa
não se brinca e Portugal não é a Grécia. Felizmente para os gregos que, esses, ainda aprenderam
qualquer coisa com os ingleses: My
Country, Rigth or Wrong. Nós também, mas com a Alemanha: Arbeit (mal pago) macht frei (quem lucra).
Cada um escolhe os seus mestres.
Ainda com a incisiva
frase do VPM nos ouvidos – “Mais vale um pássaro na mão que dois voar” -, eu,
que nunca lhe meti o pássaro nas mãos (nem em lado nenhum), quanto mais o voto, deixei definitivamente de o ouvir, a ele e a
todos aqueles que esvaziam a palavra política do seu alto significado,
servindo-se, porque outros valores nos foram lançados à cara como pedra da
funda de David, e falo das fotos dos pequenos Aylan e Galip (sempre afirmei que
os anjos existem) na praia turca. Não quero ser mais um a especular com a
suprema desgraça e dor dos outros, primeiro porque felizmente não a sei
avaliar, e segundo para não ser obrigado a recordar que há anos que assisto na
RAI a cadáveres de crianças somalis, eritreias, sudanesas, nigerinas,
nigerianas e outras nas praias do sul da Itália, não querendo fazer a mim mesmo
a terrível e incómoda pergunta: - Será que acordámos agora porque os meninos
curdos são da cor dos nossos Filhos e Netos ?
Os amores antigos vêm sempre à gala e eu, que fui accionista fundador do
Correio da Manhã juntamente com o Prof. Ernâni Lopes, o Carlos Barbosa, o Nuno
Rocha, o Vitor Direito e tantos outros, tapei as primeiras páginas de quase
todos os jornais do mundo que publicaram as fotos de Nilüfer Demir em Bodrum,
com a primeira página do jornal generalista mais vendido em Portugal que, no
mesmo dia, publicou a foto de três milionários do futebol - L.F. Vieira, Jorge
Mendes e Siqueira - com a legenda “
Mendes incontactável. Telefone impedido trava Siqueira”. Com isto atribuí ao
Correio da Manhã (porra para os primeiros amores!) a medalha de bronze; a de
ouro vai para as autoridades da República Checa (país de Jan Mazarik, Jan
Palach, Milan Kundera e Vaklav Havel) que marcaram com um número no braço os refugiados que atravessaram as
suas fronteiras, como os tanques russos em 1969, e a de prata ex aequo para a Austrália, o Canadá, a
Hungria e o Reino Unido, a primeira porque se esqueceu que os seus primeiros habitantes
brancos foram o que de pior havia nas prisões britânicas, o segundo porque teve
a falta de pudor de oferecer um visto de entrada no seu território ao Pai (que
teve a dignidade de o recusar) dos meninos mortos quando o negou a toda a
Família em vida, a terceira porque ressuscitou o Muro que tão boas recordações
lhe deve ter deixado em 1956, e o quarto porque persiste em teimar, na sua
grandeza, ser continente entalado entre duas ilhas, a Irlanda e o resto da
Europa.
Ah, a propósito
gostava de vos lembrar que o “Documentário de Alfred Hitchcock”sobre os
campos de concentração nazis vai ser, ou já foi, projectado durante o 72º Festival de
Cinema de Veneza”, a decorrer de 2 a 12 de Setembro. É sempre bom repetir
certos conceitos para que não caiam em desuso por inércia ou falta de
informação.
Abraço.
Lisboa, 9 de
Setembro de 2015
Octávio
PS (escrito em 4/9):
Afinal o aperitivo que vos neguei vai
ser servido como sobremesa porque, para um que pensa que pode resolver puzzles complicados mesmo sem ter as
peças todas, a tentação é grande.
Acontece que a Dra. Manuela Ferreira Leite disse à TVI (não é só o Marques Mendes que dá bitaites) a
propósito da anunciada iminente venda do Novo Banco à Fosun, que lhe causava
muita admiração e estranheza que o Banco de Portugal e o governo permitissem
que a empresa chinesa que fez o que fez com a Fidelidade, adquirisse agora
aquele que foi a maior banco comercial português. E disse mais, que até a
imprensa norte americana já se tinha ocupado do negócio, alertando para o que
poderia vir a ser o primeiro banco comercial europeu comprado pela China,
facto não do agrado da Casa Branca.
Alinhei as peças do puzzle que a Senhora tinha posto em cima da mesa – com intenção,
sem ela, simples recado? -, e não me admiraria se, obedientes como somos a
ultimatos vindos de quem tem poder para os fazer, o Banco de Portugal nos
continuasse a adormecer com a venda à Fosun, hoje até ao fim do dia o mais
tardar até ao fim da semana ou do mês, e no recato dos gabinetes, isto é, nas
nossas costas, estivesse a obedecer ao Tio Sam e a preparar a venda ao Apollo,
anunciando-nos a sofrida decisão, em nome dos altos interesses da Nação, nas vésperas das eleições
(mais vale um pássaro na mão…). E o que é o Apollo Global Management? Como não invento nada, tirei isto do seu site:
Apollo is a leading global
alternative investment manager. We are contrarian, value-oriented
investors in private equity, credit and real estate. We focus our investments
in areas where we can capitalize upon our integrated platform. We have applied
this investment philosophy over our 24-year history, deploying capital across
the balance sheet of industry leading businesses, and seeking to create value
for our investors throughout economic cycles.
Traduzam vocês
porque em inglês só sou bom a ler nas entrelinhas, e o que não li assustou-me. E
quem é o CEO do Apollo ? É um tal Leon Black, célebre misterioso comprador do
quadro “O Grito”, de Eduard Munch, por 120 milhões de US dólares. Se as minhas desconfianças
se concretizarem (se não for assim peço
desculpa, mas foi a Senhora que me apurou o faro), temo que o Sr. Black pendure no seu futuro gabinete da Alexandre
Herculano, ao lado do quadro de Munch, as fotografias dos funcionários que irá
dispensar (pôr no olho da rua) para manter a estabilidade, rentabilidade e
credibilidade da empresa em nome do princípio de “create value for our investors throughout economic cycles”, quando
os seus persuasivos agentes especialistas de mercados (vendedores de fumo) os
convencerem que é para seu bem que irão começar uma vida nova e, sobretudo,
melhor, podendo dar largas ao seu espírito empreendedor, o que lhes abrirá um
futuro risonho, constelado de Auroras Douradas que eles estão a ajudar a construir. Como o BdP, o PM, o VPM, a Senhora Luis e o
resto da quadrilha (mais vale um pássaro na mão que um Costa a dar tiros à toa
como se estivesse na Quinta do Conde) continuam a vender-nos que a venda aos
chineses está por horas, fico tranquilo porque mais uma vez devo estar
enganado, mas é sempre bom repetir certos conceitos para que não caiam em
desuso por inércia ou falta de informação.
PS
2 (escrito em 6/9): Não
sei se repararam mas o Sócrates passou do 44 de Évora para o 33 do Alto do Pina,
e faz hoje, 6/9, 58 anos. Curioso que sou, e interessando-me por numerologia,
fui consultar a Smorfia, tratado popular napolitano sobre o significado dos
sonhos e dos números, que continua hoje a ser indispensável para fazer a
ligação entre ambos e jogar o resultado no Totoloto, e o que me apareceu foi
isto: 44, A Prisão (transparente como a água), 33, Anos de Cristo (que mártir,
nos salvou), 58, O Embrulho (conto do vigário), 6, A que tem os olhos no chão
(a Nação Portuguesa, por vergonha), 9, A Geração (esta, a mais sacrificada). No
comments. Já que tinha a lista dos números à minha frente, fui ver também o meu:
23, O Pateta! Saio a correr para jogar estes números. Esta semana não pode falhar!
Mais uma vez o post de Ostinato está ao nível dos anteriores, sempre repleto de análises sobre o momento que estamos a viver, quer em Portugal, quer na Europa e no resto do Mundo. Na parte que se refere ao problema dos refugiados, Ostinato tem a delicadeza adequada ao mencionar as pessoas que morrem, implicitamente criticando quem o não faz. As notas são Muito Boas e na m/ opinião gostei mais da Numerologia, porque me deu a conhecer algo que não sabia (Smorfia).
ResponderEliminarAditamento ao meu comentário anterior: sobre os refugiados, considero que Ostinato fala do problema sem utilizar palavras que possam sugerir qualquer abuso de "imagens de refugiados mortos", implicitamente criticando quem não tem essa delicadeza; é que isto não ficou explícito no m/comentário. Acrescento que já fui inteirar-me da Smorfia.
ResponderEliminarCara Anónima (um Anónimo jamais voltaria para se explicar sobre aquilo que não achou claro),
EliminarAgradeço-lhe o seu generoso comentário duplo e o facto de me ter compreendido bem. Quanto a quem faz polémica sobre a justeza de captar e divulgar este tipo de imagens, e temos de agradecer a fotógrafa turca por ter acordado tanta gente, recordo que o fotógrafo que tão atacado foi por aquela imagem no Sudão, a preto e branco, de um menino esquelético com um abutre à espera de o jantar, após bater a foto, espantou o abutre, levou o menino a um hospital onde foi salvo, e que hoje o menino é um homem vivo e o fotógrafo não, já que não aguentou a pressão dos seus detractores e se suicidou. Pode ver na net se estou a faltar à verdade como viu na net a Smorfia napolitana que, espero, a faça ganhar o euromilhões, basta que não jogue hoje porque o 10 corresponde a Feijões.
Abraço
Octávio
Eu, anónima me confesso, fiquei a conhecer melhor o problema do fotógrafo e agradeço-lhe, Ostinato. Quanto à Smorfia napolitana, estou a divertir-me imenso e a espalhar pela família.
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