Quando prometo cumpro, com excepções que confirmam a regra, e
lembro-me de ter anunciado na crónica da semana passada que vos faria ver e
ouvir os dois momentos altos do Festival de Sanremo 2016 que foram aqueles
protagonizados pelo maestro Ezio Bosso - Meu Deus, como é possível! -, e pelo
cómico siciliano Nino Frassica - chora
palhaço, chora… -, mas abro aqui um parêntese para me corrigir porque me
recordo de vos ter dito que não ouvi novidades musicais no citado festival, mas
ao escutar repetidamente a canção vencedora “Un giorno mi dirai”, muito bem interpretada pelo histórico complexo “I
Stadio”, mudei de opinião - só os burros e políticos aparentados não o fazem – porque
é um belo rock, com uma bela letra – a carta de um Pai a uma Filha – que nos
faz pensar, emocionar e comover. Fecho o parêntese.
Voltando aos dois momentos que aqui vos deixo com a respectiva tradução, digo-vos que, tanto o momento de Ezio Bosso, incluindo a interpretação da sua composição “Following a bird”, como aquele em que Nino Frassica nos diz o poema “A mare si gioca”, não podem deixar de vos fazer correr uma lagrimazita, e de provocar uma reflexão sobre os mistérios da vida que tantos tentam desvalorizar, ou mesmo destruir, sem razões válidas, mesmo que a alguns pareçam aparentes. Acrescento, no que toca ao maestro, tratar-se de alguém praticamente desconhecido no seu próprio país, com uma brilhante carreira feita entre Londres e Nova Iorque, que aceitou apresentar-se numa manifestação menor, em relação à sua música, no que foi uma espécie de perdão à sua terra que nunca até agora lhe tinha dado nada, e só por isso foi admirável. Quanto ao cómico, devo dizer que sendo ele, neste momento em Itália, o expoente máximo de uma comicidade surreal e non sense, consegue, como todos os grandes actores cómicos, dar um enorme dramatismo à sua interpretação, dramatismo esse suportado por poucos e essenciais gestos, perfeitas pausas e inflexões e expressões faciais que, sendo aquelas próprias da sua veia cómica, se suspendem no momento em que normalmente explodem em graça: único e sublime, como a música que acompanha o poema de Tony Conto.
Voltando aos dois momentos que aqui vos deixo com a respectiva tradução, digo-vos que, tanto o momento de Ezio Bosso, incluindo a interpretação da sua composição “Following a bird”, como aquele em que Nino Frassica nos diz o poema “A mare si gioca”, não podem deixar de vos fazer correr uma lagrimazita, e de provocar uma reflexão sobre os mistérios da vida que tantos tentam desvalorizar, ou mesmo destruir, sem razões válidas, mesmo que a alguns pareçam aparentes. Acrescento, no que toca ao maestro, tratar-se de alguém praticamente desconhecido no seu próprio país, com uma brilhante carreira feita entre Londres e Nova Iorque, que aceitou apresentar-se numa manifestação menor, em relação à sua música, no que foi uma espécie de perdão à sua terra que nunca até agora lhe tinha dado nada, e só por isso foi admirável. Quanto ao cómico, devo dizer que sendo ele, neste momento em Itália, o expoente máximo de uma comicidade surreal e non sense, consegue, como todos os grandes actores cómicos, dar um enorme dramatismo à sua interpretação, dramatismo esse suportado por poucos e essenciais gestos, perfeitas pausas e inflexões e expressões faciais que, sendo aquelas próprias da sua veia cómica, se suspendem no momento em que normalmente explodem em graça: único e sublime, como a música que acompanha o poema de Tony Conto.
Seguem as traduções, seguramente com erros e omissões, para aqueles
que não conseguirem captar tudo o que foi dito e recitado, e isto para memória
futura, pois que, como afirmava Umberto Eco “ A memória está na alma”:
Ezio Bosso (com o
apresentador Carlo Conti):
Carlo Conti: - Ezio,
estás em Sanremo!
Ezio Bosso: - E o
que é que faço aqui?
C.C.: - O que fazes?
É a tua arte que te traz cá! Tu és famoso em todo o mundo, mas sei que quando
eras pequeno a porteira da tua casa te dizia que um dia irias a Sanremo. É
verdade?
E.B.: - Sim, já me
lixaste!
C.C.: - Porque é que
te lixei?
E.B.: - Porque penso
naquela Senhora bonita que traduz tudo quando falo, porque agora estou
emocionado e falo pior do que é costume… Devo fazer uma coisa que me faz estar
bem: quando começo um concerto digo CIAO, é uma palavra belíssima, e aquela
Senhora quando era rapazinho, todos os dias, eu andava ao Conservatório, me
dizia: Espero ver-te em Sanremo… e eu respondia…não Senhora, eu não canto!!!!
Não, não, quem sabe… talvez dissesse agora “eu tinha-te dito”.
C.C.: - O mundo tem
necessidade de música?
E.B.: - Certo,
porque a música somos nós, a música é uma riqueza que partilhamos, que aqueles
que se nos aproximam nos ensinam que nós pomos as mãos mas a coisa mais
importante que existe é escutar.
C.C.: - É verdade…é
fundamental. Amanhã estará na Royal Opera House de Londres, e depois estreia um
espectáculo no Royal Ballet com as suas músicas… . Sábado estará em Vilnius. Mas
onde encontras toda esta energia?
E.B.: - A música é
uma verdadeira magia, de facto sabem que não é por acaso que os maestros têm
uma varinha como os magos. Pensa que a música me deu o dom da ubiquidade; a
música que escrevi está em Londres, dirigida por um bravo maestro com o ballet
mais importante do mundo ... junto com o da Scala ... e eu estou ali, tenho o dom da
ubiquidade, a música é uma riqueza e sobretudo, como dizia o grande maestro Claudio
Abbado, é a nossa verdadeira terra.
C.C.: - Há poucos
meses saiu o teu último CD que é “A 12ª câmara” (a), porque, segundo uma antiga
teoria, 12 são as câmaras da nossa vida.
E.B.: - Sim. Eu
gostei… levo sempre um pouco de água ao meu moinho…
C.C.: - Claro,
obviamente, também eu gostei…
E.B.: - Mas, neste
momento, nós os homens somos estranhos porque damos por adquiridas as coisas
belas…
C.C.: - Estão
ali…são belas…
E.B.: - As câmaras
são uma coisa…inventámo-las nós, para nos protegermos, e demos-lhe nomes e
então eu que às vezes… temo-las todos uma câmara que não nos agrada mas onde
entramos. O nome original da canção era câmara, os trovadores não vendiam
canções mas câmaras…como acontece neste momento…Então, a mim que gosto de
bisbilhotar, explorar o que por vezes damos por adquirido, encontrei uma coisa
belíssima, às vezes sucede… a santos e a cães… mas a todos, dentro e fora, uma
câmara que é escura, que nos é fechada, é pequena… eu encontrei esta teoria que
diz que nós não somos uma linha, mas somos 12 câmaras e na última, que não é a
última ... porque tudo muda ...Recordemos a 1ª… porque quando nascemos não podemos
recordar porque não vemos… mas ali recordamo-las e estamos prontos a recomeçar,
e ali somos livres.
C.C.: - Quando
chegaste disseste-me atrás do pano: És um louco por me teres convidado… e eu estou feliz por ser um louco, mas mesmo
feliz. Agora vais executar “Following a bird” que tem um significado especial,
particular?
E.B.: - Sim. Gosto
de a tocar, e faço só uma pequena parte desta peça, que para mim é importante e
com que abro todos os meus concertos. Eu sou um desastre com os títulos, mas
este é em inglês (porque assim pareço mais engraçadinho) porque “Seguir um
passarinho” não era nada interessante, não é…
C.C. : - É, em inglês,
“Following a bird” é muito melhor…
E.B. : - Então
seguindo aquele passarinho que voava perdi-me e pus-me a raciocinar sobre a
importância de perder-se para aprender a seguir; nós dizemos que perder-se é
feio, mas não, porque perder os preconceitos, o medo, a dor, aproxima-nos e
faz-nos andar em frente. Agora tentarei tocar… mas estou agitado.
C.C. : - “Following
a Bird”, maestro Ezio Bosso!
(Segue-se a
execução, magnífica na sua simplicidade; não deixem de ver mesmo que tenham
coisas mais importantes).
C.C.: - Não só
tocaste em Sanremo mas tiveste até uma standing
ovation, não só ao artista mas também ao homem.
E.B.: - Posso dizer
uma coisa: recordem sempre que a música, como a vida, só se pode fazer de uma
maneira: juntos! CIAO!
C.C.: - Obrigado!
EZIO BOSSO!
(a) Em italiano “La 12ª stanza” que se pode traduzir,
como fiz, por “câmara”, mas também quarto ou sala, e lembrei-me agora das
“Casas do coração” de El Rei D. Duarte no “Leal Conselheiro”, e pergunto-me se
não seria esta a melhor tradução.
Nino Frassica (com o
apresentador Carlo Conti) (A):
Carlo Conti: - Qual
a canção de Sanremo que te agradou mais?
Nino Frassica: - A
canção de Sanremo que me agradou mais ainda não foi cantada.
C.C.: - E a cantará
esta noite Nino Frassica. Melhor, afasto-me e anuncio com atenção: “No mar
brinca-se”, de Tony Conto, dirige a orquestra o maestro Pinnuccio Pirazzoli, e
aconselho-os a estarem com atenção a esta interpretação de Nino Frassica!
No mar brinca-se
No mar brinca-se!
Podem fazer-se
castelos de areia
Pode-se estar
debaixo do chapéu de sol
A fazer palavras cruzadas
Pode-se jogar com as
raquetes e a bola
Podem-se fazer voar
papagaios
E pode-se escrever o
próprio nome na areia.
No mar brinca-se!
Podem-se dar umas
voltas num barquinho
Pegar no colchão e
tomar banho com o menino
Podes pôr-lhe as
braçadeiras, a máscara
E quando sai da água
estarmos juntos
E brincar com ele,
com a pá e o balde
Porque no mar
brinca-se.
No mar brinca-se!
As gaivotas sabem-no
Por isso voam rente
à água…e gritam
E depois sobem,
sobem, altíssimo…
E fingem ser nuvens.
Os pescadores são
seus amigos
E lançam-lhes peixes
E elas agradecem,
enchendo de alegria branca
Os quadros, os céus,
as águas, a vida.
No mar brinca-se,
brincam todos!!!
Pode-se brincar ao
jogo do barco
Sobem todos para um
de borracha
Até o encher para lá
do inverosímil
E quando aquele que
guia o barco,
Aquele que comanda,
Dá ordem de se
lançarem todos ao mar
Lançamo-nos ao mar
É um jogo.
Quando eu era jovem
trabalhava
Na Guarda Costeira,
em Lampedusa
Quantas coisas eu vi!
Uma vez durante uma
patrulha
Vimos 366 golfinhos
enredados nas redes,
Tinham fugido das
águas de onde tinham nascido,
Talvez por fome,
Talvez porque havia
uma guerra submarina entre os peixes,
Libertámo-los todos
das redes
E vimo-los nadar
velocíssimos,
Saltar fora de água,
e seguir-nos…
Brincavam!!!!!!
No mar brinca-se,
brinca-se!!!
Há meninos que
brincam
A estarem imóveis
com a cara na água
Sem respirar, porque
sabem bem
Que está para chegar
a mão forte do pai
Que os levantará e
os fará brincar.
No mar brinca-se!
No mar brinca-se!
(vozes de crianças)
C.C.: - Em Sanremo
2016, um grande Nino Frassica.
N.F.: - Obrigado.
(A) Uma tarde destas
estava a ouvir música no carro estacionado no parque dos Inválidos do Comércio,
quando vi chegar voando, com palradeira estridente, um casal de periquitos de
colar vermelho que poisou numa nespereira, e ali se pôs a comer nêsperas
durante um bom quarto de hora. Fiquei a admirá-los e notei que os melros,
rolas, pardais e outros pássaros que por ali andavam a encher o papo e a tratar
das suas vidinhas, nem por um momento se insurgiram contra aqueles intrusos
que, vindos sabe-se lá de onde, se banqueteavam tranquilos nas suas barbas.
Abraço.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2016
Octávio Santos
Octávio,
ResponderEliminarProvavelmente esta é uma das suas crónicas mais tocantes e emocionantes que nos deu o prazer de ler.
Obrigada, obrigado, obrigada!
AeM
Sempre desconfiei que AeM fosse um casal, mas hoje descobri que, é sim um casal mas atípico, e a ele passo a responder:
EliminarCaros Aníbal e Marcelo,
Muito obrigado pela Vossa sensibilidade ao conteúdo da minha crónica, sensibilidade que não é novidade, desde que o primeiro despertou em mim um sentimento de solidariedade tal a ponto de estar disposto a ceder-lhe uma conspícua parte da minha reforma, e o segundo gaguejou diante da Judite, e do país, para soletrar “Hieróglifos” na sua apresentação do meu livrinho. Bem haja aos dois, para quem continuarei devotadamente a escrever.
Atento, Venerador e Obrigado
Octávio
Brilhante ilação, mas temo ainda assim não tenha acertado!
ResponderEliminarAbraço.
AeM