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A semana passada foi semana de Sanremo e, como todos os amantes
daquele que é, talvez, o mais importante festival mundial de canções ligeiras, lá estive
ao serão, colado ao ecrã do televisor de terça a sábado, 5 noites 5, a tentar
ouvir as novidades em concurso, as guest
stars, os cómicos de turno, as belezas que fazem obrigatoriamente de
moldura ao apresentador, e a captar as tendências da moda, que até para isso o
festival é montra.
Para não vos fazer perder muito tempo digo-vos já que grandes
novidades musicais não houve, nem se esperavam, que o carrocel de famosos
contou com Sir Elton John - real, magnífico mas claudicante -, a sua compatriota
Ellie Goulding - nada de novo das margens do Tamisa -, o irlandês Hozier - muito
agradável surpresa -, o franco-congolês Maître Gims - "rapeiro" africano suave -, Nicole Kidman - a beleza, a classe, a discrição
-, os indígenas Laura Pausini - a pimba de sempre -, Eros Ramazzotti - o mitra
de sempre -, e Elisa - o encantamento vocal e gestual -, todos vencedores de
edições anteriores, e o maestro Ezio Bosso - meu Deus, como é possível! -, que
protagonizou o momento mais emocionante da semana, tendo o outro momento alto
sido obra de um dos cómicos, o siciliano Nino Frassica - chora palhaço, chora… -; destes dois momentos
dar-vos-ei conta na próxima semana, embora não tenha tido muito êxito a semana
passada com a tentativa de vos obrigar a gostar do mesmo que eu, mas tentarei
mais uma vez, só que hoje não, para não arriscar perder-vos para sempre. Esquecia
a beldade, que era romena, chama-se Mädälina Ghenea, foi a protagonista do último filme de Paolo Sorrentino, “La
Giovinneza” (Youth), em que contracenou com os cotas Michael Kaine e Harvey
Keitel, trocou, durante as cinco noites, vinte e cinco vezes de vestido, e mereceu este comentário de um jornalista a
quem perguntaram o que achava dela: - Não sei, é a primeira vez que a vejo vestida!
Na minha modesta opinião - sou macho mas não exerço - esta Senhora vai ter um futuro brilhante porque, protagonizando um nu que não ofende, nem a ela nem ao espectador, chega ao ponto de não provocar ciúme às mulheres legítimas de quem a está a admirar, e a isto chama-se pureza. Da moda desfilada, venceu o clássico e a simplicidade, com evidência para as não cores,
e a boa nova do retorno do blusão de pele, p'ró menino e p'rá menina, não
obrigatoriamente negro, agora que nós portugueses nos estávamos a desmamar
depois de décadas de uso e abuso intensivo.
Acontece que, na ausência de novidades, as emoções canoras nos
foram transmitidas pelos artistas em concurso, não quando debitaram os seus
inéditos, mas quando cada um deu a sua interpretação de uma cover, e aqui, o jovem Lorenzo Fragola,
20 anos, regalou toda a gente com a, talvez, mais bela canção de amor jamais
escrita, da autoria do romano Francesco De Gregori, dito “O Príncipe”,
intitulada “La Donna Cannone”, da qual vos deixo
a versão original, o seu texto em italiano e a minha tradução livre. Como vão compreender trata-se de um homem apaixonado por uma
Mulher que no circo é disparada por um canhão, furando o tecto da tenda, o qual
lhe transmite, cantando, com palavras inflamadas mas contidas, quanto é grande
o seu amor por ela.
Assim, e para dar conteúdo a esta crónica, veio-me vontade de
escrever também eu a letra de uma potencial canção de amor por outra das
vedetas/vítimas do maior espectáculo do mundo: a Mulher alvo do lançador de
facas. Como sabem preciso sempre de me apoiar em poetas verdadeiros para
construir as minhas incipientes poesias e, mais uma coincidência, fui dar na
minha crónica de 27/11/2014 com o poema “Homem à beira-mar”, de Sophia de Mello Breyner, o qual foi dito no Auditório da AICEP,
pelo ex-colega Miguel Malheiro Garcia, na sessão “Abaixo o Mistério da Poesia”,
que teve lugar em 17/11/2009, no âmbito do ciclo “Cultura no Auditório”. Pus
então o poema de Sophia em cima da mesa à minha frente e decalquei, primeiro a quintilha, depois as quatro
quadras e no fim a septilha, rima por rima, copiando mesmo, sem pudor nem vergonha, o primeiro
verso, e deu isto, só esperando que não me queiram mal:
A Noite dos Milagres
ou A Mulher Alvo
Nada trazem consigo.
As imagens que encontram…
Começa assim Sophia
“Homens à beira-mar”
Não a mim, ao ver-te
ali à mercê da pontaria
De quem, certo ou incerto,
armas te lança
O teu amado corpo,
gira na roda, à espera…
As luzes do circo que as fazem brilhar
São imagens que fixam o meu medo
De não ser eu do
acaso o dependente.
O artista faz seus olhos pequeninos
Cala-se a corneta,
rolam os tambores
E eu só, ali a rezar
p´las minhas dores.
Quando a faca sai da
mão que quero certa
Entra-me vento no
peito por janela aberta
Por onde o coração
me escapa esbaforido
Que antes de
sofrer já tem muito sofrido.
Correr sobre a mesa
o dado bailarino
Desejar tanto morrer
mas estar alerta
Na ânsia que termine
o meu tormento.
Quando o estalar das
palmas diz que é fim
E começo a sonhar
com o que aí vem
Que tu, já sem plumas,
p’ra mim corres
Tu que em cada noite
me mil vezes morres
Te aperto nos meus
braços, oh! meu bem
Certo que será outra
a minha pontaria
Não falhar o teu
corpo, e aí está a magia!
Abraço.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2016
Octávio Santos
Se a Mulher Alvo fosse essa Madalina Ghenea até eu era capaz de escrever os Lusíadas.
ResponderEliminarLembro-o que as Tágides não viviam no Danúbio!
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