Este mundo é
estranho e pergunto-me como é que alguém que tem dentro de si o caos pode
escrever com a pretensão de endereçar outros para a direcção certa na cruz dos
sete caminhos ainda por cima com vozes a gritarem slogans que alguém as mandou
gritar como “acredita no teu sonho e trabalha sem parar” ou “trabalha sem
horário feriados e fim de semana e vais ver os frutos” porque é este hoje o
senso comum que para mim é o maior inimigo do bom senso que por vezes também
nos engana como quando pensamos que o automatismo do bem existe e te dá a certeza
que se fizeres sempre a tua obrigação ou o que pensavas que essa fosse as
coisas boas acontecem e vêm ter contigo como prémio mas depois quando sabes que
morrem sete vezes mais pessoas por infecções hospitalares que por acidentes de
viação ou porque se reduziram os custos das despesas com a saúde porque assim decidiu
alguém que está muito acima de ti porque foi preciso desviar o dinheiro para
outros canais ou para o Canal e tens o melhor ministro do defunto governo a
correr no tapete ao lado do teu no Holmes Place o mesmo que fez com que um
enfermeiro cuide de cinquenta e cinco doentes numa unidade de saúde do cantinho
do céu apetece-te mandar o bom senso junto com a boa educação às urtigas e
dizer-lhe na cara o mesmo que dirias àquele incontestado príncipe do nosso foro
que afirmou que “querer acabar com os offshores
é como querer acabar com a prostituição” e que “muitas vezes os offshores têm uma lógica que não tem
nada de ilícito da mesma forma que pode haver prostituição por amor” que é um
grandessíssimo filho de um offshore e
que vá acabar mas é os seus dias no Vale (ou Quinta) das Lágrimas mas daquelas
verdadeiras e não nas suas de luxo.
Agora paro porque
não era acerca disto que eu queria escrever, mas sim sobre os nossos medos e incertezas,
ou porque este mundo se tornou assustador, ou porque temos medo daquilo que não
conhecemos como acontece no primeiro salto de paraquedas, e por isso nos
escondemos de tudo, ou pior, tudo exorcizamos, deformando assim o espelho que
nos obriga a ver de nós o que não queremos ver, escondendo-nos do que na
realidade conta. Mas as coisas são o que são e o destino prega-nos cada
partida; o máximo foi sabermos na RTP 2 que o médico que fechou os olhos a Salazar,
e lhe passou a certidão de óbito, um tal Manuel Souto, fadista e tudo, era do
PCP e tinha sido mandado para a sua cabeceira em S. Bento por ordem de um
Professor seu superior que, por acaso até foi Grão-mestre de uma das lojas
maçónicas nacionais e, também por acaso, era o meu médico. Quem pode adivinhar
ou determinar seja o que for?
O que eu queria esta
semana era alertá-los para as possibilidades que a vida nos oferece, por
maiores que sejam as adversidades, ou porque os problemas se nos apresentam
como montanhas intransponíveis, ou, simplesmente, porque não estamos bem
connosco e não temos momentaneamente a percepção de como é fácil mudar as
coisas em nosso favor. Ou então, também acontece que, sentindo-se perfeito e,
como tal, com uma missão a cumprir, alguém se esqueça de si e carregue nos seus
ombros o peso dos problemas daqueles que lhe estão próximos, que ama a ponto de
deixar de se amar a si próprio. Geralmente estas pessoas, que também são anjos,
acabam por se sentir falhadas e, mesmo continuando jovens, comecem a pensar que
não valeu a pena ter vindo ao mundo, esquecendo que, com tudo o que de bom
fizeram, criaram um sistema de raízes de tal maneira forte que, aconteça o que
acontecer, nada as poderá já abalar, com a vantagem de em cada primavera e por
milagre, o despertar seja glorioso, bastando por vezes comprar um espelho novo.
A propósito de mudar
o destino, mesmo quando este parece ter um sentido único, quero lembrá-los que,
de hoje, 21/4, até 13/7, temos, no cinema Nimas, o “Ciclo do Cinema Russo” que
nos dará a ver, do período da União Soviética até à Perestroyka, todas as
extraordinárias obras de realizadores como Eisenstein, Bondarchuk,
Konchalkovsky e Mikhalkov, para falar só destes, filmes como Siberíade, Outubro, Alexandre Nevsky, O
Couraçado Potiomkine, Ivan o Terrível ou O Tio Vânia, que vi dezenas de vezes
na televisão búlgara, obviamente sem legendas ou dobragens, usufruindo da deliciosa doçura húmida da língua russa, destacando-se na
minha memória, Siberíade, por se tratar de um vademecum para como vencer
dificuldades, neste caso extremas, e também porque nele estrelava Natalya
Andrejchenko, para mim, e que me desculpem Audrey Hepburn, Ingrid Bergman, Anna
Magnani, Irene Papas ou Merryl Streep, a mais
extraordinária artista de cinema de todos os tempos. Se tiverem pachorra e
tempo, porque há filmes que duram mais de três horas e são mais lentos que
“Uma Abelha na Chuva”, imaginem como é que grandes realizadores, a quem o regime
totalitário da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas encomendava obras de
propaganda, não havendo como fugir ou sequer tergiversar, punham de parte toda
a sua ideologia, ou a falta dela, concentrando-se na sua arte suprema de fazer cinema,
que se lixem as mensagens enganosas, criando obras de uma perfeição e beleza únicas,
difíceis de serem igualadas.
Não é para todos o
poder fazê-lo, mas está ao alcance de todos meditar na vantagem de ter a
coragem de o fazer.
Como isto está a
ficar muito pesado, didáctico e pretensiosamente encurralador, numa tentativa
de vos levar onde quero, vou acabar com duas coisas ligeiras que
inadvertidamente se me apresentaram na net
durante a pesquisa que fiz para vos transmitir o que queria e, pior, também
o que não queria, ou pelo menos não era essa a minha intenção; a primeira, a
poesia de João de Deus, “Dia de Anos” (A) para todos e todas que fazem anos hoje ou na próxima quinta-feira,
e estou a lembrar-me da Marta, e a canção da dupla Tom Jobim/Vinícius de Moraes,
de que vos deixo letra e vídeo, “Se todos fossem iguais a você”, isto para que não percam a
esperança e se levantem, mesmo que seja só para fazerem na perfeição tudo
aquilo que não gostam de fazer, como aconteceu aos realizadores em tempos de
Goulag.
A) Num comentário à poesia de João de Deus pode ler-se, assinado por um tal António
Mendes, a seguinte sextilha:
Fazer anos quem me dera
e sempre na Primavera.
é assaz elucidativo
por ora estar presente
mesmo por vezes ausente
mas
que ainda estou vivo.
Abraço.
Lisboa, 21 de Abril
de 2016
Octávio Santos
Caro Autor,
ResponderEliminar"Se todos fossem iguais a você" a vida seria perfeita.
Obrigada por esta magnífica crónica e pela dupla Vinícius e Jobim, melhor só mesmo "Samba em Prelúdio".
AeM
Caros AeM,
ResponderEliminarSe fossem todos como eu esta vida seria um inferno em que até já nem os políticos poderiam ter bolsos. Para vossa informação o meu samba nunca passará do prelúdio, que é lindíssimo e que ouço cada dia mais deliciado, temendo que os acordos finais me levassem desta para melhor de tanta emoção.
Abraço
Octávio