Hoje seria tentador
e fácil falar do “povo de suicidas” de
Unamuno, mas face a mais uma prova dada à tese de um dos poucos amigos de que
Portugal se pode orgulhar para além da nossa única fronteira terrestre,
basta-me aguardar curioso pela posição da Sra. D. Maria de Jesus Barroso para
saber se está com o Pai ou com o Filho,
já que com o Espírito Santo parece que ninguém está, à parte o CR7 e a
D. Inércia. Mas deixemos o que interessa e passemos ao que não interessa ou
interessa a poucos.
No meu livro
“Moínho de Vento, 23” escrevi um pequeno texto intitulado “Os meus primeiro e último poemas”, em que falava
do Suplemento Juvenil que o Diário de Lisboa publicou semanalmente, de 4 de
Maio de 1957 a 8 de Setembro de 1970, num total de 690 edições. Acontece que,
falando à minha cara amiga e ex-colega
Cristina Góis Amorim do texto que eu tinha escrito para o Juvenil, citado
naquele outro acima recordado, logo esta moveu o céu e a terra para o localizar
com a finalidade de mo ler durante a festa surpresa que estava a organizar, na
minha mais completa ignorância, para a minha despedida da AICEP, tendo
combinado com o também meu caro amigo e ex-colega Vítor Quelhas, para que este,
após a leitura do texto, falasse sobre o mesmo como pretexto para me desafiar a
fazer um trabalho de pesquisa sobre o Juvenil, tendo em vista, publicando-o,
dar o devido e merecido realce a um espaço que tanta influência teve na
formação cívica, cultural, democrática e literária de toda uma geração. Missão
impossível, porque tendo eu dito à Cristina que o título de tal texto era
“Estrada branca e estada preta” quando na realidade era “Parábola do Amor”, lhe
retirei - mea culpa, mea culpa, mea culpa
– a satisfação de o encontrar no meio dos seus 690 números. Como se alguém, na
ânsia de encetar um trabalho de costura, procurasse uma agulha num palheiro,
quando o que tinha perdido era o dedal. Mesmo assim, durante a tal festa
surpresa, que constituiu um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida com
tudo o que para mim representou, o Vítor, na sua dupla veste de
jornalista e de afirmado crítico literário e, como tal, ciente da importância
que o Juvenil teve para os jovens que nele encontraram espaço para revelarem os
seus dons para a escrita, muitos com talento, lá me lançou o citado desafio.
Como alguns
(poucos) sabem, quando alguém que eu respeito me pede uma coisa, esse pedido
transforma-se em ordem, começando logo a trabalhar a sério para não desiludir o
comitente e não me envergonhar. Descobri então que a Hemeroteca de Lisboa está
encerrada sine-die, que a Biblioteca
Nacional tem os exemplares do Diário de Lisboa arquivados sob vácuo, o que
constitui impedimento da sua consulta, e que a Fundação Mário Soares tem na net à disposição de todos a
digitalização de todo o Diário de Lisboa, isto é, dos seus 22.378 números
publicados de 7 de Abril de 1921 a 30 de Novembro de 1990, de Joaquim Manso a
António Ruella Ramos. Mas deixemo-nos de divagações e vamos ao que interessa.
Após semanas de um
trabalho de sapa intenso, queimando literalmente as pestanas sobre as
digitalizações, na procura de meu texto, de duas visitas à FMS, e de outras
navegações avulsas na net, descobri,
para além do dito, coisas bem mais importantes que tiveram o condão de redobrar
em mim a vontade e o fervor de levar o meu trabalho por diante. Senão vejam só:
- Que o Juvenil não
era só Mário Castrim (Manuel Nunes da Fonseca), como afirma Nuno Rebocho, nem
“uma escola de leitores, não de escritores” como disse Augusto Abelaira, nem
“uma fábrica de castrinzinhos” como considerava Marcello Caetano, levando
Castrim, que descreveu o Juvenil como “ a mais completa e duradoura experiência
da sua vida” e, exagerando, “talvez a minha única obra”, a responder-lhe “antes
castrinzinhos que castradozinhos”, porque o Juvenil era também Augusto Costa
Dias, Manuel Salgueiro, Tossan (António Fernando dos Santos) e António
Domingues.
- E outros haviam
sob pseudónimo, pois que, no seu primeiro número, o editorial denominado “Jornal de Bordo I”, era assinado Trote, que descobriremos quem é (hei-de perguntar à Alice Vieira a próxima vez
que a encontrar no El Corte Inglès), nele
se fazendo um elenco dos responsáveis do Juvenil, nomeando os pseudónimos
que tomarão nas rubricas “Nos Mares do Sul – Aventuras do Capitão Fumaça e seus
companheiros” e “ O Grande Detective Eusébio Pararraios”, que usarão estes
espaços como tribunas para expor as suas teorias, pensamentos, razões e possíveis curas para o
que se passa nos mares do sul –Portugal? – onde é necessário ser um detective
diplomado para abrir as portas à glória da liberdade, e são eles o Dr. Gedeão
Sanches de Azevedo, Lidoro Brigalhadas, o Capitão Fumaça, Cabide &
Cabidela, Vliça, Miudinho, Pararraios, Basílio Sopito, e ainda, o Cabeça de
Atum e o Pote sim-Pote não. Veremos se
isto se confirma e se conseguiremos descobrir a quem correspondem os
pseudónimos, começando pelo Trote.
- Que li na “Rua
dos Dias que Voam”, assinado Gin-tonic, que “Muitos jovens ali colocaram os
seus primeiros poemas, os seus primeiros textos, os seus primeiros desenhos e
fotografias. Muitos ficaram pelo anonimato, mas muitos outros, nisto e naquilo,
tornaram-se gente conhecida”, e ainda que “Naquele tempo cinzento, o Juvenil
foi, para uma boa parte daquela geração, o porta-aviões, o trampolim, a tarimba
para outras aventuras, outros gostos, outros cenários”. E desses jovens passo a
fazer uma lista por ordem alfabética, jurando que farei justiça aos omitidos, e
serão muitos, no trabalho que me proponho
fazer, e ela aqui fica:
Afonso Cautela,
Alice Vieira (Alice Vassalo Pereira), Ana Lisboa, Antónia Gadanha, Cáceres
Monteiro, Carlos Miguel, Daniel Sampaio, Diana Andringa, Domingos Lobo, Eduardo
Prado Coelho, Hélder Pinto, Hélia Correia, Hugo Beja, João Bonifácio-Serra,
Joaquim Benite, Joaquim Pessoa, Jorge Massada, Jorge Silva Melo, José Agostinho
Baptista, José António Freire Antunes, José António Saraiva, José Jorge Letria,
José Manuel Durão Barroso, José de Matos Cruz, José Pacheco Pereira, José Pedro
Pereira, José Pereira da Costa, Luís Almeida Martins, Luís Filipe Castro
Mendes, Luís Matoso, Luís Miranda da Rocha, Maria Helena Costa Dias, Maria
Inácia Henriques, Maria Leonor Xavier, Mário Contumélias, Miguel Serras
Pereira, Nelson de Matos, Nuno Júdice, Nuno Rebocho, Paulo Varela Gomes, Tito
Lívio, Torquato da Luz e Vítor Oliveira Jorge.
- Mais descobri que
a jornalista Maria José Oliveira escreveu em 1988 uma tese monográfica sobre o
Juvenil, intitulada “Suplemento Juvenil do Diário de Lisboa – Lugar de Ensaio
para uma Nova Poesia Portuguesa”, e permito-me transcrever quanto sobre isso
li, sempre na “Rua dos Dias que Voam” e assinatura de Gin-tonic:
“O que aqui se
propõe é uma “leitura” – assumidamente subjectiva – da produção poética publicada
no suplemento “Juvenil” do Diário de Lisboa. Entre 1967 e 1970, tendo por
cenário a situação política e social do momento (inevitável ponto sincrónico
entre a temática poética e a cronologia designada), valorizando o contributo
deste suplemento para a história da imprensa periódica portuguesa.
Maria José Oliveira
reconhece algumas imperfeições, fruto de inexperiência, condições de
investigação, outras circunstâncias, mas conta voltar ao tema, aprofundar o
trabalho iniciado.
Estamos perante um
primeiro passo – e sabe-se como são difíceis todos os começos… - na abordagem
de algo que marcou, pelas mais diversas maneiras, toda uma geração, “essa
corrida contra a ordem do silêncio”, para citar Hélia Correia.
Lamentar que num
país, onde o analfabetismo não se encontra apenas nos que não sabem ler nem
escrever, onde se publica tanto lixo, livros que de certeza ninguém leu, jamais
lerá, trabalhos como este não encontrem quem os publique.” Fim de citação.
- Soube também que
a Maria José Oliveira é a jornalista que, em 2012, teve de se demitir do jornal
“Público” por pressão do então Ministro Miguel Relvas após um diferendo entre
eles, recusando-me eu a tomar partido por ignorância dos factos, mas tomo nota
do seguinte pormenor: a jornalista, que chegou a ser vilipendiada na altura por
não poucos bem pensantes, foi obrigada a demitir-se por força do poder de um
político com funções de Ministro, e o Ministro foi obrigado a, pouco tempo
passado, demitir-se por força do poder da opinião pública, ou seja, do povo. E
já dá para pensar de que lado possa estar a razão.
- Mas como o
Juvenil não se esgota na excelente poesia nele publicada no período a que se
refere o trabalho de Maria José Oliveira, agora que encontrei no nº 179 do
suplemento inserido no nº 13.588 do Diário de Lisboa, editado em 8 de Outubro
de 1960, o meu texto “Parábola do Amor”,
que abaixo transcrevo para uma mais fácil leitura, sinto-me ainda mais
capaz de levar por diante o meu projecto, tanto mais que Nuno Rebocho escreveu
que “…o Juvenil de Diário de Lisboa ficou uma legenda, uma nobre e
indispensável referência. Dele sempre se falará, quando se evocar as décadas de
70 e 80 do século passado e se recordar como a juventude teve a coragem de
dizer não ao salazarismo.”
Deixando, como
prometido, o meu texto, do qual não me envergonho passados 54 anos, apesar de
não passar da ingenuidade de um jovem de 16 anos que contrapõe o branco e o
preto, o bem e o mal, a luz e as trevas, o céu e o inferno, sem qualquer nuance, termino citando Mário Castrim:
“A sala onde
trabalho
É um barco no mar.
Um palanque de rei
Sobre sete cavalos
enfeitados.
Minhas mãos
Tocam a forma de
todas as coisas”
Parábola do Amor
Eu e ela. Ela vinha
numa estrada escura. Eu numa branca. Ela levava um cantaro. Eu não tinha nada.
Os caminhos encontraram-se e com o contágio do branco o negro perdeu a cor.
Seguimos os dois felizes. Do lado dela foram aparecendo vários outros caminhos
negros. Ela talvez já cansada da alvura da estrada que eu lhe dei, metia por
esses estreitos, escuros e pedregosos. Eu tirava-a porque sabia que no fim da
minha estrada branca, havia uma fonte de água pura e ela tinha sede. E eu
também. O cantaro estava seco. Consegui desviá-la sempre desses caminhos
escuros. Mas se ela seguisse por algum desses eu iria atrás dela. Cheio de sede
mas na ilusão de que o cantaro teria água. Se do meu lado apareceram maus
caminhos, não os vi tão cego pela brancura do meu. Assim juntos vencemos todos
os escolhos, transpusemos todos os precipícios. Mas um dia quando já cansados
de procurar a fonte que nos enchesse o cantaro para matar a sede, apareceu do
lado dela uma estrada tão branca como aquele que nós seguíamos. Com a sede ela delirou
e julgou ouvir água a correr do lado dessa estrada. Pegou no cantaro e seguiu
por ela. Eu fiz-lhe ver o engano mas ela não me ouviu. Só ouvia o fio de água
imaginário que a sua febre arquitectara. E lá foi. Eu na certeza que na minha
estrada encontraria a fonte, corri direito a ela para me dessedentar. Mas a
água ficava fundo e só com o cantaro eu a poderia tirar. E então as duas
estradas brancas foram escurecendo. Ou seríamos nós que com a nossa sede as
víamos negras. Ela não tinha água. Eu não a podia beber. Ela desistiu de
procurar a água. Eu continuei a procurar a cantaro. Mas o caminho estava cheio
de espinhos, e começaram-me a aparecer os tais carreiros estreitos. Nunca os
segui. Até que já morto de cansaço, encontrei alguém com um cantaro. Alguém que
procurava a minha fonte. Voltámos os dois em busca dela, e a estrada que fôra
escura tornou-se novamente branca; ainda mais branca. E quando um dia a minha
estrada se acabou entrei num recanto maravilhoso. E vi desse recanto de sonho,
duas pessoas a escalar uma enorme montanha negra; com o corpo amoldando-se às
reentrâncias dos penhascos, rasgando a pele e as veias, em busca de uma fonte
inutilmente. Ela já não tinha o cantaro. Se eu pudesse nessa altura de supremo
sofrimento para eles, ajudava-os a subir até nós e a compartilhar da nossa
felicidade. Mas quem estivesse observando, veria do outro lado da montanha um
mar de fogo, cheio de monstros enormes, comendo as cinzas dos que como eles lá
caíram. Deus lhes perdoe.
Octávio Carmo de
Oliveira Santos
(16 anos)
Caro meu escriba,
ResponderEliminarNão será areia de mais para a tua camioneta? Um conselho amigo: Não queiras tu ir sapateiro para além da chinela...
Caro Anónimo Conselheiro,
EliminarAgradeço interrogação e conselho. Ao lê-lo lembrei-me tanto da elegante Rihanna vestida de Svarowsky como da elegante metáfora de Bruno de Carvalho; há certos orifícios entalados, entre nádegas ou bochechas, de onde só pode sair o que lá está dentro...
Eu não dou conselhos nem ao autor (então com dezasseis anos), nem ao anónimo que dá conselhos, apenas desejo afirmar a boa sensação que tive ao recordar também os meus dezasseis (a minha prosa e a pouca poesia era diferente, talvez nos antípodas) em que a idade convidava aos sonhos; e cada um tinha os seus (DFC).
ResponderEliminarInacreditável! Descobrir um texto que li pela primeira vez com 14 anos!
EliminarAgora entendo porque me foi tão difícil decifrar o significado do mesmo....Era menina demais e o meu grau de consciência ainda pouco evoluído. Para tudo na vida,há que dar tempo ao tempo.
Cara Anónima,
EliminarÉ bom redescobrir coisas velhas de 55 anos, mas inevitavelmente essas coisas sofreram uma tal mudança que não as reconhecemos. Havia um que sabia o que dizia que não se pode tomar banho duas vezes no mesmo rio, e é por isso que não volto nunca às coisas, locais e pessoas do passado, porque na realidade já não existem.
Octávio
Caro Autor,
ResponderEliminarRealmente as águas de um rio não passam duas vezes debaixo da mesma ponte. Também concordo que apenas o Agora É. Ainda assim,devemos esquecer quem entrou nas nossas vidas e teve como missão ajudar-nos nesta caminhada terrena?Penso que não.Fique com Deus!
Mariazinha