Prometi na crónica
anterior dar parte de tudo o que me foi dado ver e ouvir durante as Festas dos
Capuchos, em Vila Viçosa, e cá estou, continuando a fazer um esforço
suplementar para vos dar notícia da parte negativa, como o meu maldizer exige,
embora desta vez ainda me seja mais difícil o exercício, por manifesta falta de
matéria.
Desatento como sou, Vila
Viçosa era a sede do Palácio Ducal e, para mim, que privilegio sempre as coisas
pequenas, a extraordinária Porta dos Nós; berço de D. João IV, o Rei da
Restauração e de Florbela Espanca, terra de mármores e pouco mais. Na primeira
visita que fiz à cidade descobri, para além do citado Palácio, o Castelo, o túmulo
da “minha” poetisa, a Igreja de S. João Evangelista, também chamada do Colégio
ou de S. Bartolomeu, as Igrejas e Conventos da Conceição, de Sto. Agostinho e
das Chagas. Desta vez, pela mão dos meus anfitriões e em dia de festa, descobri
muito mais coisas que, catalogo, como sempre, sem qualquer ordem ou nexo:
- Que, no Carrascal,
a Igreja de Nossa Senhora da Lapa é um magnífico exemplar de arquitectura
barroca, tendo à sua frente o Cruzeiro da Serpente, estranha cruz em pedra que,
em vez do Cristo Crucificado tem uma serpente que parece representar a redenção
do pecado e a esperança de salvação.
- Que, no meu caso, habituado
a ver caras fechadas e tristes no Metro de Lisboa, foi de bom augúrio ver
rostos abertos e sorridentes, da largada de touros ao terreiro dos Capuchos.
Seria só por ser festa?
- Que, para além de
D. João IV e Florbela Espanca, nasceram na vila D. Catarina de Bragança, que
foi Rainha de Inglaterra por casamento com Carlos II, Salvador de Brito
Pereira, pai de S. João de Brito, Martim Afonso de Sousa, fundador do Rio de
Janeiro, Públia Hortênsia da Costa, poetisa, percursora de Florbela, Henrique
Pousão, mestre da pintura impressionista, Bento de Jesus Caraça, matemático e
político, Couto Jardim, médico e benemérito com o seu nome ligado a várias
instituições humanitárias calipolenses, Manuel Lopes, dito Palangana, pintor e
escultor com obras espalhadas por todos os cantos da cidade, como o fresco do
Posto de Turismo (ver imagem), o monumento a Couto Jardim e o restauro das
figuras cerâmicas da representação da morte de S. Francisco de Assis, na Igreja
dos Capuchos, Manuel Lereno, actor teatral, e Nuno Portas, arquitecto, este
felizmente vivo e em actividade. Voltando a D. Catarina de Bragança, lembremos
que foi ela quem introduziu o hábito do chá das 5 na corte inglesa, e deu o
nome ao bairro nova-iorquino de Queen’s,
onde tem uma estátua- cuja cópia está em Lisboa, no Parque das Nações
-, ligando perenemente a Vila Ducal à Grande Maçã: VV = NY!!. Que me perdoem John Kander e Fred
Ebb, Frank Sinatra e Lisa Minnelli, mas não soube resistir! Dava tudo para
ouvir esta versão nas Festas de 2015, depois de arranjada por alguém que de música
seja entendedor.
- Que, nas largadas
de touros que tiveram lugar nas três manhãs dos dias festivos, não se assistiu
a actos de temeridade, próprios destas manifestações, por parte dos machos para
impressionarem as moças, mas a uma festa em que vimos também algumas meninas a
fugirem diante das feras que, pareciam cientes de não estarem ali para magoar
ninguém. O único ferido foi um dos bovinos que, ao descer da caminheta que o
transportou “partiu uma mão da frente” no dizer de um espectador ao meu lado.
- Que, para além das
unidades hoteleiras de altíssimo prestígio e qualidade, nos podemos aboletar em
excelentes estabelecimentos sem ter de recorrer a empréstimos bancários, como
foi o meu caso no “Solar dos Mascarenhas”, um três estrelas a 50 metros do
Palácio, que me obrigou a vir cá fora verificar se não teriam surripiado uma ou
mesmo duas estrelas da insígnia na fachada. A começar pelo discreto e acertado
projecto arquitectónico do conjunto, os quartos e suites, os pátios interiores - um dos quais com piscina -, o lauto pequeno-almoço,
a cortesia dos anfitriões e a conta final indolor, tudo contribuiu para gravar
na memória esta curta estadia em terras alentejanas.
- Que, à noite, a
caminhada do centro ao terreiro das Festas dos Capuchos, sob um magnífico céu
estrelado, se fez com calma e na boa paz do Senhor, sem atropelos ou
altercações (devo assinalar que não assisti, durante as festas, nem a uma troca
azeda de palavras, mesmo entre aqueles visivelmente desasados por uns
chumbinhos). É certo que os “Irmãos Verdades” não são o Justin Bieber ou a Miley
Cyrus, que as bifanas, cacholeira e sangria dos Escuteiros do 636, não chegam
aos calcanhares das pizzas de 60 euros do José Avilez , mas quem me diz que eu
trocaria os agradáveis momentos que passei por qualquer outra coisa, mesmo a
mais sofisticada?
- Que, o fogo de
artifício, que durante uma boa meia hora nos encheu olhos e ouvidos, quase nos
caindo no prato, de tão colorido e feérico me levou a exprimir no título o
exagero de uma das convivas: “Dubai on Capuchos!” Quando estalou o último PUM!
e no céu se apagaram os derradeiros cometas, penso ter descoberto, pelas dores
nas cervicais, que quem sponsorizou o
fogo foi certamente a Ordem dos Ortopedistas, a mesma que em Lisboa continua a sponsorizar a calçada à portuguesa. Mas
que foi lindo, lá isso foi!
- Que, Nossa Senhora
da Conceição, Padroeira da Vila Ducal e de Portugal, é omnipresente e figura central em todas as suas manifestações. Foi em Vila Viçosa que D. João IV ofereceu o Portugal
recém libertado à Virgem “depondo a coroa real aos pés da Rainha do Céu que,
doravante, seria também a Rainha de Portugal”. Dizem que, a partir desse
momento, “os reis seus sucessores nunca mais puseram sobre a cabeça a coroa
real”. Para mim, o desnecessário, talvez pensando em tudo o que estamos a
assistir neste vale de lágrimas, foi a criação da Ordem Militar de Nossa
Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Atrevo-me a pensar que nem Ela apreciou a
honraria, dispensando-a com alegria celestial.
- Que, o Castelo
alberga dois museus: o Arqueológico e o da Caça. Arquivado já este, porque não
gosto de animais mortos a fingir que estão vivos, como o poeta setubalense
António Osório escreveu num dos seus haikais,
seduzido pelo que ouvira a uma menina que, não sendo de Vila Viçosa o poderia
bem ser, perguntar ao Pai:
“O que é aquilo?
Uma perdiz embalsamada.
E ela finge que está viva?”
O único animal que
teve para mim algum interesse foi a abetarda, animal imponente, já que nunca vi
nenhuma em vida e, ao que parece, existem já bem poucas em Portugal. Que o Senhor
Rei Dom Carlos tenha ou não descido o Zambeze em piroga e morto o enorme
crocodilo que lá está de boca aberta, ou que o pobre réptil tenha ido ali parar
com outra história para contar, interessa-me pouco: E ele finge que está vivo? Uma
ressalva é devida: o museu merece a visita para aqueles que se interessam por
armas. Cerca de 200 exemplares de armas gentílicas proveniente das nossas
ex-colónias, outras armas brancas e uma vasta colecção de carabinas de caça de
todos os calibres.
O Museu Arqueológico
é outra coisa; arejado, bem dividido por épocas, peças magníficas e bem
expostas, uma didáctica impecável. Estando nele representados todos os
períodos, aquele com mais peso é o romano, através de um vasto, valioso e
interessante espólio de objectos de uso quotidiano. O núcleo principal é
constituído pela notável colecção pessoal de D. Luis I. Uma lição de história
para um leigo na matéria como eu, estando em crer que até muitos conhecedores
lá irão encontrar surpresas e ensinamentos.
- Que, a Rainha
Senhora Dona Amélia, Amélie d’Orleans por nascimento, deixou na vila dignas
sucessoras e estou a pensar na Amélia que nos recebeu na sua terra, e em sua
casa, que por coincidência fica na rua com o nome do seu Pai, Manuel Lopes o já
citado Palangana, com uma doçura e simplicidade a ela congénitas, que só esta
última geração de rainhas que conhecemos compreendeu ser seu natural apanágio,
para além de atrair outras Amélias - Amélià e não Amélie como deve ouvir todos
os dias dans l’exercice de ses fonctions
-, tendo ambas sido responsáveis, tal como todos aqueles que fizeram parte do
grupo, pela agradável e inesquecível passagem por Vila Viçosa.
Para terminar em
beleza, lá fomos novamente em excursão, mudando outra vez de concelho, desta
vez o de Borba, para Alcaraviça, onde, no Monte das Naves de Cima se esconde o
restaurante Espalha Brasas, no qual nos amesendámos para satisfazer palatos e
estômagos com a cozinha típica da região. Tenho pena de não ser apreciador de
coelho, que dizem ser, juntamente com a sopa de tomate, o prato forte do local.
Arrependo-me de não ter pedido a sopinha, mas tive receio que não me restasse
espaço para mais nada, sabendo a que é que os alentejanos chamam sopa. Mas o
meu chispe no forno estava de comer e chorar por mais- ainda tentei roubar do
prato ao lado - , macio e bem temperado, e os outros convivas também não se
queixaram do cabrito com batatas e dos palitos de entrecosto com migas. Para a
próxima vez vou pedir a sopa e a galinha tostada, que a vi passar (não pelo seu pé), e que,
para além de me ter parecido apetitosa, cheirava bem. Mais que correcto o vinho
da casa e sobretudo os preços praticados. Por caridade cristã recuso-me a
referir as sobremesas provadas e o licor de poejo, mas, por imperativo de
justiça, louvo o meu já conhecido licoroso da Adega Cooperativa de Borba com
que encerrámos o divertimento gastronómico.
Se tivesse que
resumir tudo numa só palavra diria a mesma que disse após a visita à Herdade
das Servas, “Voltar”, e vou já pôr-me a magicar no que vos hei-de impingir na
próxima semana. Como tentei o teatro há 3 semanas, estou cá a pensar incomodar Monsieur de La Fontaine e ensaiar uma fábula com animais devidamente adaptados ao Mundo actual, rico de técnica mas pobre de ética, em
que vivemos e onde tanto gostaríamos de ser felizes. Mas porque é que não nos
deixam?
Abraço.
Lisboa, 2 de Outubro
de 2014
Octávio Santos
Caro cronista,
ResponderEliminarNão me leve a mal, mas as suas crónicas ou são a favor ou são contra. Ainda não aprendeu a misturar as cores, pelo menos o preto e o branco. Mas paciência, é uma das suas características e lá o vamos lendo. É ou não verdade que já chegou a escrever maravilhas de uma certa coisa, e algum tempo depois disse dela cobras e lagartos? É certo que os problemas de memória são próprios da sua idade, tendo tendência em agravar-se, mas há limites para tudo. Mas não foi para isto que hoje peguei na esferográfica, mas por ter visto finalmente na net, e por mérito seu por o ter utilizado como imagem, o magnífico painel da autoria do artista Manuel Lopes que está no Posto de Turismo de Vila Viçosa, o qual, se fosse de Almada, Martins Barata, Rebocho ou Espiga Pinto (falecido ontem), já há muito que lhe teria sido atribuído o relevo que merece. Pois, a partir de ontem, se digitarem no Google “Painel Turismo Vila Viçosa + Manuel Lopes” e “Imagens”, lá aparece a obra em primeiro lugar. Obrigado por essa divulgação. O resto… mais do mesmo pouco a que nos habituou.
Sem rancor
Caro (a) Anónimo (a) sem rancor,
EliminarNunca levo a mal o que me dizem porque o “quem não está comigo é contra mim” não me pertence. Agradeço-lhe muito a paciência de me continuar a ler, com todos os defeitos da minha escrita e, sobretudo, o meu facciosismo, não descortinando o que o (a) leva a continuar. Dos meus naturais problemas de memória já me ando a tratar numa unidade geriátrica de um hospital público, mas não estou assustado, porque tenho visto ultimamente em S. Bento gente com idade para serem meus filhos, com os mesmos problemas. Agradeço-lhe também as referências ao artista calipolense Manuel Lopes, que não descobri agora, e o facto de o ter comparado a outros grandes mestres da pintura. Só um pequeno reparo sinto dever fazer a um (a) amante de pintura: é que tanto o preto como o branco não são cores.
Sem rancores (cinzentos)
Octávio