quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Blogue obrigatório às Quintas.


É duro entrar na reforma porque passas a ter obrigações a que não podes faltar. Não pelos outros, mas por ti próprio. E esta do texto para o blogue todas as quintas-feiras, fez com que me sentasse às 21.45 para escrever o de hoje antes que batessem as badaladas da meia-noite. Síndrome de Cinderela, digamos. Tenho sorte porque, aquilo que já me tinha sido sugerido, isto é, escrever textos mais curtos, foi-me agora amigavelmente aconselhado. E eu, na boa! Basta-me então discorrer sobre meia dúzia de pequenas coisas que me chamaram a atenção durante a semana, e já está!

Sentado no Clube 7 à espera do Bernardo, peguei no livro “A Galeria dos Espelhos”, de Pierre Daninos, numa edição portuguesa de 1984, encontrando entre as páginas 38 e 39, um bilhete de comboio obliterado, de V. Franca 2 a Lisboa P, com o número 09787, no valor de 110$00, e datado de 23.04.45. Como é que um pedacinho de papel com 6,5 por 3 cm, com 68 anos,  apareceu entre as páginas de um livro com somente 29?

Se conhecesse a resposta teria entre as mãos o argumento para um conto, talvez mesmo um romance.

Fazendo zapping diante da única janela das nossas casas que, nos dias de hoje, tem sempre qualquer coisa de extraordinário que nos prende, sejam magias ou misérias, caí exactamente sobre estes dois conceitos, já que se falava sobre Fellini e Pasolini, ambos génios da 7ª arte: o primeiro que tornava mágicas mesmo as imagens mais miseráveis, o segundo que fazia mísera a mais sublime magia. Simplesmente passavam para a película as suas próprias vidas.  Pensando nestes dois, já não sei se o feio oprime e o belo redime; as grandes verdades escorrem-me por entre os dedos como grãos de areia.

Alguns dos meus textos – aqueles que expedia regularmente a colegas e amigos – foram considerados quase  blasfemos  por leitores mais biqueiros, e cheguei a estar de acordo com eles; por vezes exagerava!  Mas agora que ando a folhear livros onde quer que os encontre, não raro os olhos me caem sobre palavrões gratuitos,  obscenidades soezes, banalidades confrangedoras, diálogos dignos da “Casa dos Segredos”, sinto-me em paz comigo mesmo, embora com cerca de mil exemplares não vendidos em casa. E com a televisão sucede o mesmo. Ainda na Segunda-feira, no “5 para a meia noite”, o Bóinas, que até é um rapaz inteligente e com piada, nos brindou com algumas facécias, no mínimo indignas de uma rede pública nacional. A uma actriz do filão pornográfico do cinema português, perguntou se alguma vez se engasgara na repetição de certas cenas. A alarvidade passou a virtude? Ou será que  quem a não tem não a merece? Apresentando um motard francês de nome Eric, que corre o mundo na sua Harley, mostrou-nos uma das suas fotos tiradas algures na Indonésia: um indígena confortavelmente sentado, esperava que o homem que estava assando numa fogueira estivesse no ponto justo. Bem ou mal passado, perguntou o Bóinas. Mas, dulcis in fundo, o melhor  foi a extraordinária piada sobre o funeral de Mandela, quando referiu que alguém não conseguiu ficar numa foto com o extinto porque este estava num ângulo morto. Que bom gosto!

Perguntei uma vez ao José Rodrigues dos Santos, na piscina do Hotel Pestana na Cidade da Praia, porque é que os programas da televisão portuguesa, pública e privada, eram, geralmente, de tão fraca qualidade; respondeu-me que tem de se dar ao público aquilo que o público gosta. Percebi que ajudar alguém a salvar-se das areias movediças, era pecado em Portugal.

Fiquei feliz de ver no El Corte Inglès um grande corner da Bordalo Pinheiro, precisamente em frente daquele da espanhola Becara, que encerrava a sua actividade em Portugal. Não pensem que a minha felicidade era fruto de qualquer reminiscência dezembrista velha de mais de 3 séculos, mas sim porque me lembrei de um texto que transmiti aos colegas em 11/02/2009, após um “Prós & Contras”, o qual continha o germe da salvação da prestigiosa fábrica das Caldas da Rainha. Texto que, na sua brejeirice cheia de duplos sentidos, é de uma elegância absoluta em confronto com muito do que nos metem diariamente diante dos olhos, para ler ou ver. O texto intitulava-se “Solução orgulhosamente nossa para a crise” e gostaria que o lessem, ou relessem, pois que nunca foi publicado.

Em matéria de literatura perdi o comboio, já que nunca escrevi aquilo que as pessoas “normais” gostam de ler.

Dizia o meu Pai que, se um dia eu montasse uma fábrica de bóinas, as crianças passariam a nascer sem cabeça.

Abraço

Lisboa, 19 de Dezembro de 2013
Octávio Santos