quinta-feira, 31 de março de 2016

Crónica engendrada num Jardim das Oliveiras cheio de Judas a fugir da figueira, pobres benfeitores, cães e camelos, fracções impróprias e palavras à toa, filmes e sonhos, arte pobre e falafel, o futebol é uma nação (o Brasil), Luaty contra Isabel, eixo Madrid/Luanda “Portugal é nosso!”. Vagueamos todos nos Passos Perdidos.

Quando comecei a engendrar esta crónica - post,  para os entendidos - no parque de estacionamento dos Inválidos do Comércio que, por ser Páscoa, chamo Jardim das Oliveiras, na triste tarde de sábado sob uma chuva não só molha parvos porque, para além de eu estar dentro do carro, caía se Deus a dava, ouvi uma voz que me dizia “se a fizeres bem dou-te um vintém, se a fizeres mal dou-te um real”, repto que aceitei porque não sou venal e tenho a sorte de ter uma reforma, que até foi aumentada, ao contrário dos quarentões e cinquentões (homens e mulheres, não vou nessa dos portugueses e portuguesas) que, se tiverem a sorte de ainda ter trabalho não sabem se a terão, quando a terão e a quanto amontará caso a venham a ter, mas se não tiverem essa sorte nunca mais a terão vendo os seus postos de trabalho ocupados por jovens estagiários felizes na precaridade de mostrarem o que valem por um vintém ou um real, ou mesmo à borla, que são os próprios Pais a empurrá-los de casa para o mundo virtual do trabalho que, segundo os novos cânones (A), é muito lucrativo para quem está a aproveitar das novas regras, medrando. Eles medram e os outros, com respeito falando, merdam, ou seja, para os mais biqueiros, patinham na merda.

Aqui, sem rede, à procura de assunto para me livrar desta, lembro-me que ouvi o Frei Fernando Ventura dizer Sexta-feira Santa na SIC que “os pobres dão de comer a muita gente” e que “é necessário distinguir quem está ao serviço deles e quem se enfeita com eles”. Os cães ladram e a caravana passa mas, ou os cães que ladram não mordem ou a caravana é composta por grandessíssimos camelos, o certo é que pode acontecer que os cães estejam narcotizados e que os beduínos sejam mais camelos que aqueles que montam, como acontecia quando andava no liceu e chamávamos fracções impróprias aos GNR a cavalo porque, dizíamos nós, a maior besta estava por cima. Mas esta de pôr em fila palavras à toa leva-nos à geringonça, à caranguejola e à passarola, usadas agora na Assembleia da República, tanto no hemiciclo como nos passos perdidos (B) e repetidas à exaustão nas diversas caixas de ressonância de S. Bento, RTP, SIC e TVI. Como ultimamente só me saem é duques e que há dias em que mais valia encher um pé de merda, não sei se preferiria viajar numa caranguejola ou numa passarola, dependendo do caranguejo ou da pássara que nelas embarcassem para nos fazer companhia, como me disse um dia destes um velho ginja que eu conheço de ginjeira.  

Por falar de ginjas, certo que as palavras são como as cerejas, e fazendo atenção aos curadores da nossa desengonçada, mal enjorcada, pirosa e desconchavada televisão, ouvi falar no novo filme “Batman contra Superman” e fiquei piurso porque me roubam sempre as ideias, há um ror de tempo que sonhava com “Rambo contra Rocky”, projecto posto de parte porque o Silvester Stallone exigia fazer os dois papéis, não aceitando que o Balboa fosse interpretado pelo Joaquim de Almeida, porque não o via a gritar pela Adriana com aquele ar de trolha da Bouygues na “Gaiola Dourada”. Os meus sonhos morrem todos antes que eu acorde, mas já me resignei porque o essencial é que continue a acordar; os sonhos, esses, logo se verá. 

Todos sabem que se me meteu agora na cabeça fazer obras de arte pobre e, passando pela nova loja “Tendências”, aqui na 5 de Outubro logo ao virar da esquina da Miguel Bombarda como quem vai na direcção da “In’Canto” (mini SPA ZEN) ou da “Fascínio” (bric-à-brac chinês de pacotilha), que têm agora entre elas a "Casa do Kebab" (ghiros e falafels), vi na montra o esqueleto ferrugento de um colchão de molas a servir de cenário a trapos para senhoras, tudo rendas, crochets, flores de seda e penduricalhos, fui à arrecadação desencantar um penico de esmalte todo desbeiçado que era da minha Bisavó e, ao imaginar-lhe uma serventia artística, pensei dá-lo como taça à Selecção Portuguesa de Futebol após a derrota no jogo de Leiria com a Bulgária, 70ª da FIFA que humilhou as vedetas e o Melhor do Mundo com um goleco chocho de um brasileiro de aluguer chamado Marcelinho que só jogou, garantiram-me, para não nos ficarem atrás já que temos o Pepe, estando todas as selecções a tentar chegar ao nível daquelas da Guiné Equatorial e da de futsal do Kazaquistão,  que de brasileiros têm uma equipa inteira. 

Mas não era minha intenção falar-vos, nem de futebol, embora os nossos P.R., P.A.R. e P.M. tenham assistido ao Portugal-Bélgica, talvez porque hoje o cheiro dos mortos atrai, embora no jogo anterior já tivessem alinhado 11+6 moribundos entretanto reanimados para o evento, nem da Guiné Equatorial, para não me lembrar do que ouvi na segunda-feira na nossa televisão para desculpar Angola - digno parceiro do país de Teodoro Obiang Nguema na  CPLP - pelo caso Luaty e seus infrequentáveis companheiros, e o que ouvi foi falar de Guantanamo, de justiça à medida do poder em todos os países do mundo, mesmo os mais democráticos, só não se citando o caso Sócrates às claras, cordeiro escondido no forno com a língua fora da boca, que o melhor é estarmos caladinhos e aceitar tudo e, já que foi Páscoa, repetirmos alto para nós mesmos “quem nunca pecou que atire a primeira pedra”, o que dito por Jesus há 2.000 anos compreendemos e aceitamos, mas dito hoje só nos desilude e, pelo menos eu, não aceito da boca de curadores da amizade fraterna que une os nossos dois países que já foram, um de “terroristas assassinos de inermes e inocentes colonos” e o outro de “criminosos colonialistas exploradores das suas riquezas”. Para pôr um ponto final nisto lembrei-me de um cartaz de propaganda salazarista que rezava “Em Angola está-se” por baixo de duas mãos, uma preta e outra branca, que se apertavam num gesto de união; não me admiraria ver agora um outro que legendasse a face risonha da Senhora Dona Isabel ao lado daquela chorosa e aflita de uma vítima da freenança, com um garrafal “Em Portugal está-se (assim)”. 

Entristeço-me muito por não ter engenho e arte para seguir, quando escrevo, aquilo que disse Antoine De Saint Exupéry: “A perfeição atinge-se, não quando se tem qualquer coisa a acrescentar, mas quando já não se tem mais nada para retirar”, mas auto absolvo-me quando penso que chamar o nome justo às coisas é por si só um acto revolucionário. 

A)   Cânones resumidos por um Pharoleiro francês que dá pelo nome de Patrick Drahi em entrevista ao Expresso em 26/9/2015: “Eu não gosto de pagar salários. Pago o mínimo que puder”.  Alticemo filho da P.T.. 

B)   A propósito de passos perdidos, ouvi designar assim o Passos Coelho e o Luis Montenegro desde que o Marcelo está em Belém. 

Abraço.

Lisboa, 31 de Março de 2016
Octávio Santos