quinta-feira, 7 de abril de 2016

Fugas à realidade com Sara Sampaio (que vestirá os meus T-shirts), instalações, seguros, queijos, supermercados, bancos (de jardim e outros menos garantidos), electrodomésticos, bacalhau, vinho e gás butano e propano, I’m available for all, netos ausentes para histórias sem nexo, com gatos e torradas, leis de um Newton da Picheleira, nem João Ratão nem Piu-Piu, mas Mozart e Pavarotti em prestação melódico-canora para um Director que bem podia ser da terra de Ângela Merkel. Fim em fade out para fiéis cães vermelhos em fila (não porque fossem chineses).


Descobri ultimamente várias maneiras de fazer intervalos na realidade, isto é, de a ela fugir ou pelo menos subtrair-me momentaneamente, inventando-me aquilo que não sou, umas vezes escriba - prosa, poesia, teatro -, outras bloguer, eu que sou alérgico a redes sociais, outras ainda artista plástico - colagens em 2 e 3 dimensões com tudo o que me vem à mão -, recentemente estilista de moda, inspirado naquele T-shirt de que vos falei no meu e-mail de 16 de Março (A), estando agora a preparar a colecção de Primavera/Verão, e até palhaço só porque alguém na rua me achou com cara disso, tendo até agora dado essa cara (muitas vezes de costas, mas sempre a cara) para a Fidelidade, Limianos, Jumbo, Santander, Continente, Worten, Riberlaves, Esporão e Rubis Gás, isto após uma boa centena de castings - 9/10% de êxito - o que, no dizer da minha Agência - a mesma da Sara Sampaio - é mesmo muito bom.
Assim, nesta segunda-feira, 4/4, lá fui a mais uma prova, mimar “ um avô com idade 65/70 com bom ar, expressivo, simpático e que consiga contar uma história e envolver-nos emocionalmente”, durante a qual tive de contar uma história a um neto virtual, isto depois da habitual apresentação, com sorriso e sem sorriso, com óculos e sem óculos, pirueta à esquerda pirueta à direita, 1,67 de altura, 72 anos (uma vez troquei mas não por lapso freudiano, apenas porque seria bom), 50, 44, 40, 41, avelã, grisalhos, and I’m available for the scheduled dates for shooting, e lá me pus a contar a história para uma cadeira vazia ao meu lado:
“Já sabes que o Avô é um aldrabão, a história não é verdadeira mas vou-ta contar à mesma: acreditas que consegui fazer levitar um gato? Não te rias mas foi assim. Sabes que os gatos caem sempre sobre as patas, nunca viste um gato cair de costas pois não? e que  uma fatia de pão com manteiga cai sempre com o lado barrado para baixo, não é? Baseado nestes princípios sagrados barrei uma torrada com manteiga, amarrei-a no lombo do bichano com a manteiga para cima, subi para cima de uma mesa e deixei cair o estranho binómio e não é que, talvez para não desmentir as leis da física, o gato ali ficou a um palmo do chão, levitando, sem saber que atitude tomar. “
- Boa! - disse o operador de câmara, conte lá outra, um pouco mais expressivo se faz favor, sem esquecer que tem o miúdo aí ao seu lado. Engoli em seco, e lá saiu esta:
“Um homem andava há anos a preparar um número de circo e, quando achou que estava perfeito, apresentou-se na grande tenda do maior circo do mundo pedindo para falar com o Director. Depois de muitas negas - no circo há burocratas que não são nenhuns palhaços - lá entrou no gabinete do Director, entre a jaula dos tigres e a roulotte da mulher barbuda, o qual sem sequer olhar para ele lhe atirou um - Vá lá mostre ao que vem, mas seja rápido! Então o homem tirou de um dos bolsos do casaco um pianinho de cauda, do outro um banquinho de piano, colocando ambos em cima da secretária do Director; da algibeira das calças apareceu um ratinho branco que, correndo, se sentou no banquinho, ajeitou o rabinho como se fosse a cauda de um fraque e começou a aquecer as mãozinhas, enquanto que do colete voou um pardalito que foi direitinho poisar em cima do piano, e aí o Director levantou finalmente os olhos dos seus papéis resmungando um – E então? Então o nosso homem disse para o ratinho – Toca, Amadeu! e o ratinho começou logo a tocar um lead de Schubert, Schumann ou Brahms, o que fez com que o Director abrisse a boca de espanto e perguntasse: - E o passaroco? – Canta, Luciano, ordenou o homem, agora feliz, e o pardalito abriu as asinhas e começou a cantar com uma voz melodiosa cheia de requebros. - Parem tudo, já chega, gritou o Director com os olhos esbugalhados, pondo à frente do dono dos animaizinhos um contrato em branco para ser assinado, repetindo entre o nervoso e o exaltado: - Escreva aí a soma que entender e o prazo que lhe convier que eu assino por baixo, mas com uma condição: tem de me dizer qual é o truque, senão nada feito. O nosso bom homem ainda tentou balbuciar que era tudo verdade, que lhe tinha dado muito trabalho chegar àquele resultado, tudo sem truques nem artimanhas, mas perante a fúria insistente do Director que ameaçava rasgar o contrato, lá inventou esta para não perder a oportunidade da sua vida: - Sabe Senhor Director, é que o pardalito não canta, é o rato que é ventríloquo!”
Não sei se vou ser escolhido ou não após esta prova, mas não importa porque já tive oportunidade de vos contar estas histórias, pondo-vos no lugar do neto que não estava. Lembrei-me agora que após a minha primeira participação, que ocorreu no Jardim da Estrela em cima de um banco com uma poesia lindíssima do poeta Anrique Paço d’Arcos, e foi aquela dos cães vermelhos da Fidelidade, que até irritou o PAN, cheguei a casa e escrevi isto, por acaso também sobre um neto, obviamente falso:
Fidelidade ou Só os cães vermelhos são fiéis   

De costas sou outra coisa.

Melhor. Muito melhor!

Sobretudo para os Netos.

Neste caso, Tomás, o falso,

Que chorava a comando

No intervalo do riso que lhe provocavam

O chorrilho de banalidades 

Que inventava para que estivesse quieto.

- Na próxima cena, em vez de soprar, cuspo-te no joelho!

E o cão, vermelho de provocar Jesus

E os seus seguidores

Levantava os olhos para mim

Não para o menino com dói-dói no joelhinho...

Cão, mesmo maquilhado, não é estúpido.

Sabia que na minha mão esquerda

Escondida das câmaras

Havia comida que lhe ia dando

A coberto dos cortes da montagem.

Ali, no jardim da minha infância

Onde o meu Avô jamais me soprou uma ferida,

Admitindo que se sentasse comigo no banco do poeta

Porque os meninos pobres não tinham bicicleta.

No meio da confusão do caravanserai instalado no meu jardim

Olhava a minha Basílica

Que nunca foi minha, porque nela não me baptizei.

Minha só pelo fixador com que domava o penteado

(O Tavinho tem um remoínho)

Para o Santo Sacrifício da Saída da Missa.

Mil novecentos e cinquenta e cinco.

A dois passos da Travessa do Moínho de Vento, 23.

Depois casei uns irmãos em sessenta e três

E velei uma Avó em sessenta e seis.

E mais nada.

Dezenas de figurantes sofriam o olhar arrogante

De quem os escolhia ou afastava.

- Não tem outras calças? - Esse t-shirt não sff!

Não sei porque me calçaram uns sapatos de vela verdes

Dois números acima.

Não sei porque me empoeiravam a fronha de dez em dez minutos.

Sei que a menina bonita que passa de bicicleta 

Com o vermelhinho no cesto

Atravessava o Largo da Estrela

Cada vez que mudava de calças para calções

Ou vice versa

Por ordens de quem sabia do assunto

Para ir ao encontro do seu Homem

Que cavalgava uma moto assustadora

E estava ali em missão de vigilância.

Sei que o Avô Ica e a Avó Toina

Passam agora o tempo diante da televisão

Para ver o Tomás, Neto deles

A ser consolado por um Avô de pacotilha

Que o Tomás nunca esquecerá

Porque lhe disse que o Vasco da Gama era de Sines

Terra dos seus Avós.

Aqueles verdadeiros.

A Mãe, só,

(o meu pai vive na Amadora e a minha Mãe nas Colinas do Cristo Rei)

De aparelho nos dentes, olhava embevecida,

Qual Nanarella em Bellíssima,

Um Tomás desembaraçado, descarado e saltitante

Que era (é) o seu orgulho.

- Agora não leve esta camisa consigo; é uma Armani!

Não respondi porque preciso de quanto vou ganhar

Com aqueles dois segundos de inutilidade

Felizmente de costas.

Tenho um Filho desempregado com Filhos,

E a humildade de quem precisa foi mais

Forte que a arrogância da resposta que engoli.

Temos de ter Fidelidade a qualquer coisa!

Mesmo que nos pese.

Agradeço todos os dias, que me permitam

Atravessar quatro vezes por dia os portões das Necessidades.

Por elas...

 
Fim.

A)   Acabo de poupar 74,05 euros, e explico como: vejo no corner da Zadig & Voltaire, no El Corte, uma T-shirt branca, 60% algodão/40% Modal, cheia de buracos feitos a corte de tesoura ao preço de 80,00 euros. Peguei-lhe, achei piada, mas realmente o preço era um exagero, ainda por cima Made in India, só se justificando pela etiqueta que arvorava o nome do inovativo e prestigiado brand gaulês. Não é que passo no corner da Easy Wear e dou de caras com uma T-shirt em tudo idêntica salvo os buracos, 100% algodão, Made in Omisso, ao preço de 5,95 euros.  Compro-a, chego a casa,  agarro numa tesoura e, sem qualquer custo adicional exceptuando a mais valia artística, ponho-a igualzinha à da marca francesa que mais parece o de uma sociedade de advogados.  E mais: peço à Manuela que lhe cosa uma etiqueta da Guy Laroche-Paris que tirei de uma gravata minha que desmanchei para usar numa colagem que estou a arquitectar et voilá, um dia destes vão ver-me por aí a laurear o queijo com uma T-shirt francesa - a etiqueta do lado de fora, bien sûr – à moda, dernier cri!

Abraço.

Lisboa, 7 de Abril de 2016 (os meus Pais fariam hoje 76 anos de casados e eu ando a treinar).
Octávio Santos