quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Feliz por ver copiadas as suas arquitecturas de papel, o nosso cronista desenterra contrapartidas velhas de seis anos que, lidas hoje, ainda se conseguem entender.


Esta semana estava cheio de preguiça para começar a escrever uma coisa séria, porque, para além de  não saber por onde lhe pegar, não fazia a mais pequena ideia que  voltas havia de lhe  dar.  Mas como Deus vem sempre em ajuda dos preguiçosos, salvou-me a leitura do Expresso desta semana (26/09), onde apanhei na Revista um texto do Henrique Monteiro, escondido atrás do Comendador Marques de Correia – Marcos de Correio, de portinha ao centro, para quem se lembra do fado do Alberto Ribeiro -, no qual, sob o título “Ó Tsipras, pá, diz lá como se ganham eleições depois de se violar as promessas todas”, “inventa” umas cartas, uma do Coelho e outra do Costa, para o Tsipras, ambas pedindo conselho. Ao ler estas “Cartas Abertas”, que até têm piada para além de fazerem todo o sentido, veio-me à memória que, em 6 de Outubro de 2009 (como o tempo passa!) escrevi um texto para os colegas da AICEP, intitulado “Contrapartidas”, no qual também eu inventei três e-mails falsos para explicar a mim próprio que raio eram as tão badaladas contrapartidas que enchiam a boca a tão boa gente, e um era da Merkel para o Barroso, outro deste para o Sócrates, e o último do então PM para a Merkel, fechando assim o circulo epistolar. Como achei, no meu narcisismo crónico e infinito, que o Henrique Monteiro estava, seis anos depois, a “copiar”, senão o meu texto mas a sua arquitectura inventiva, aqui vos deixo tudo, safando-me ao exercício penoso da escrita por esta semana.


“Contrapartidas

6/10/2009

Caros colegas,

Ouvi ontem que Quentin Tarantino deixou a escola aos 15 anos e que a sua principal actividade daí em diante foi a de devorar tudo quanto era filme em cassettes VHS que alugava no vídeo clube da sua rua.  Deve ter a sua mente propriedades magnéticas, já que nela gravou as melhores cenas dos melhores filmes e absorveu o estilo e a maneira de contar histórias dos grandes mestres, qual salteador da arte dos outros, para hoje nos regalar as magníficas e únicas colagens que fazem deste eterno menino frankenstainiano com atestado de menoridade mental, o mais iluminado sacana à solta que, ao contrário dos nossos auto-convencidos intelectualóides “melhores do mundo”, nos revela a essência do génio. Não conhecemos o critério com que Deus distribui os talentos, mas geralmente usamos aqueles que pensamos ter e descuramos o que Ele nos deu. Quando o uso coincide com o dom divino o artista revela-se como é o caso de Tarantino.

Eu, que não tendo talentos não sei fazer nada, que represento o português médio, que alinho na conversa de café exprimindo à toa a opinião bacoca do cidadão comum, querendo embora mostrar sapiência colada com cuspo, ouvira até agora falar em contrapartidas fingindo perceber o que era já que todos percebiam, cultivando um respeito reverencial pelos colegas que, tratando dessa impenetrável matéria, tomavam um certo ar de misteriosa superioridade. Devo confessar que só este fim de semana compreendi finalmente tudo. Incapaz de explanar teoricamente o que quer que seja, limito-me a dar o exemplo que me esclareceu. O consórcio alemão que vendeu os submarinos que tanto jeito fizeram ao povo português, sentindo-se agora envolvido neste caso nebuloso, fez saber que a Volkswagen detém 30% desse consórcio e que, a ser posta em causa a lisura dos processos utilizados no negócio, poder-se-ia correr o risco de não estar garantida a manutenção da Auto Europa. Perceberam? Eu que sou vivaço e que não deixo que me façam o ninho atrás da orelha, comecei a topar. Mais vale os nossos submarinos levarem o escândalo para os abismos do oceano, ao abrigo de jornalistas metediços e juízes vingadores, que atirar para o desemprego uma grande percentagem dos trabalhadores do Distrito de Setúbal. Contrapartida não despiciente e com força suficiente para convencer os nossos políticos daquilo que estavam já convencidos e os mantinha descansados, isto é, que o crime compensa e não tem castigo. Nas minhas conjecturas comecei a imaginar que a Sra. Merkel teria já mandado um recado ao Dr. Durão Barroso. – Fala tu com o Zé para lhe explicar que não vale a pena meter-se connosco, ou terei eu de lhe dizer para continuar a ocupar-se do trivial, filetes de pescada e peras bêbedas, e deixar cair o caso dos submarinos que não o vai levar a bom, nem free, porto. Absorto neste exercício de tentar adivinhar, lembrei-me que poderia experimentar entrar no computador da Sra. Merkel para corroborar as minhas suposições, já que o nosso PR nos abriu os olhos para essa facilidade que não deixa os poderosos guardar os seus segredos, e pus mãos à obra. O mais fácil foi encontrar o endereço electrónico da Senhora: ange@mer.de. Depois, servindo-me de um hacker búlgaro que tinha de parte, dei com isto: 

Caro Zé Manel,

Não sei se ocupado com a Irlanda tens seguido o que se passa no teu país, de onde tiveste a sorte de escapar a tempo. Pede que te façam um briefing sobre o caso dos submarinos e diz qualquer coisa àquele pateta com nome de filósofo para ver se ele faz calar a canalha. Faz-lhe entender sff as ligações perigosas entre o caso e os interesses de Wolfsbourg, que até podem pôr em causa a geminação com Palmela. Caso ele queira levar os submarinos to a good and free port, deve pôr já água na fervura.

Abraço
Ângela 

A curiosidade levou-me também a encontrar o e-mail do Barroso, joel@dubar.eu, e lá pude ler preto no branco: 
 
Caro Engenheiro,

Tás porreiro, pá? Com pedido de reserva junto o e-mail da Ângela que está danada com o vozear que daí chega sobre o negócio que, segundo ela me confidenciou, serviu a muitos. Largou-me aquela dos 30% da Volkswagen como quem não quer a coisa, mas vi bem que por detrás daquela sua gentileza entrevi um flash de ubber alles que a doce Senhora tem na massa do sangue. Eu por mim já estou seguro por mais 5 anos e estou-me cagando, como o Cristiano Ronaldo, para isso tudo, não tendo satisfações nem provas a dar a ninguém. Vê tu se defendes o tacho, já que seria estupidez mandares tudo às urtigas só para atares as mãos ao Portas para que te deixe continuar no poleiro.

Teu
Zé Manel 

Nova busca e lá encontrei a caixa de correio do Engenheiro: jopisou@poleiro.pt, dando com esta pérola:

 

Caríssima Ângela,

Posso garantir que o lamentável caso dos submarinos não passou de uma ideia dos rapazes que, contra a minha opinião, acharam que era melhor entalar o Portas do que nomeá-lo Ministro da Defesa, solução por mim defendida. Já perceberam que se enganaram e que meterem-se com os teus patrícios foi areia de mais para a sua camioneta. Posso adiantar que já dei ordem para abafar tudo, classificando o juiz que tem o caso nas mãos com a mesma nota daquele da Casa Pia. Pedi também ao António Costa que dê ordem ao Zé Sá Fernandes para desacreditar o Berloque que está a levantar demasiadas lebres. Como sabes o meu carro oficial é,  já do tempo do Zé Manel,  um Phaeton; vou agora assinar o despacho que autoriza a compra de Passats CC para todos os Ministros e Secretários de Estado, tendo já encomendado um Scirocco para mim, um EOS para a Fernanda e um Sharan para a Fava levar as crianças à escola. Não te preocupes, mas peço-te um favor: não voltes a servir-te do Zé Manel como intermediário nos assuntos bilaterais dos nossos dois países, tradicionalmente amigos – lembra-te da nossa posição durante a última guerra – já que ele não nos grama, tendo inveja da tua inteligência e do meu físico. É daqueles a quem eu não compraria nem um Volkswagen em segunda mão. Desculpa lembrar-te, mas já que falamos de contrapartidas recorda-te daquele “coiso” típico da cidadezinha onde uma nossa rainha ia a banhos, que te mandei no Natal passado e de que tanto gostaste. Uma palavra tua, mando a Fernanda à Fava, e ofereço-te o original. Ias achar graça pois que, pensando em ti, tatuei-lhe um wurst pequenino, não para a Oktober Fest mas suficiente para um cachorro nacional. Sabes que os nossos cachorros são pequenininhos, como tudo em Portugal, mas são os “melhores do mundo”.

 Moral da história: Saibamos estar preparados contra as partidas de Carnaval que estes figurões nos estão sempre a tentar pregar.”


Já agora termino com uma citação: “O plágio é o melhor certificado de mérito do plagiado” – Carlos Drummond de Andrade.
 

Abraço.

Lisboa, 1 de Outubro de 2015
Octávio Santos