quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Quando a “Luz” nos chegou da África Oriental.


Já são mortos a mais.  14 entre o Meco e a Caparica.  Mais de 350 ao largo de Lampedusa. Centenas  na República Centro Africana.  Perdemos os milhares àqueles do Iraque e do Afeganistão. Estamos quase a perder a conta daqueles da Síria. Não há números certos acerca dos filipinos. Esperam-se as estatísticas sobre os mortos da crise, suicidas incluídos. Depois foi Nelson Mandela e agora Eusébio.

Na 2ª feira, dia de Reis, o Dr. Marinho Pinto, com o indisfarçado intuito de desvalorizar tudo o que todos viram da extraordinária homenagem que todos, e sublinho todos, prestámos ao nosso Rei morto, debitou uma lista de diversas personalidades que recentemente passaram a melhor vida, incluindo o Senhor Kalachnikov,  Hugo Chavez,  Giulio Andreotti,  Margaret Thatcher e outros que não me lembro já que deixei de o ouvir, embora tenha a certeza que não referiu o Dr. António Borges. Que merecia ser lembrado, em pé de igualdade com a Dama de Ferro, por ter sido encarregado pelos donos do dinheiro para, em nome da freenança, destruir o Estado Social no seu próprio país. E o seu desaparecimento prematuro, que todos humanamente lamentamos, em nada alterou os desígnios dos seus mentores, já que os seus herdeiros, jovens, sérios, determinados, magrinhos e mal dispostos, um até com apelido numismático, o que o honra visto que não se esconde, pensaram levar a sua “tarefa” até ao fim. Estaremos cá para ver. Uma coisa é certa; estes senhores partiram de uma premissa errada que só o seu (deles) obnubilado “cérebrozinho” poderia congeminar, e, passo a expor o meu ponto de vista sobre este erro histórico.
 
Tudo começou com a queda do Muro de Berlim, para designar assim o fim do socialismo real, ou seja, do comunismo,  “para chamar os bois pelos nomes”.  No seu anti-comunismo cego (também eu o sou mas já fui operado às cataratas), os donos do dinheiro sentiram-se senhores absolutos e vá de avançar à bruta, doa a quem doer.  Só que confundiram o comunismo ditatorial defunto com o Estado Social em democracia, vivo e de boa saúde, e não perceberam a diferença fundamental. O Estado Comunista, para se manter no poder à força, dizia ao povo: - Não penses, e não te preocupes; estamos cá nós!  O Estado Social, para que o povo continue a votá-lo, diz-lhe: - Deves pensar, e não te preocupes; estamos cá todos!
Mas só falei disto porque veio na onda dos mortos do Dr. Marinho Pinto, quando o que queria era falar do “nosso” morto.
É verdade. Domingo foi um dia triste. Não queria entrar no coro geral de elogios, não porque o Homem não o mereça, como deu a entender o ilustre causídico, mas porque não esqueço algumas coisas que agora é de bom tom não recordar. Sem nomear  os  responsáveis, porque para além de não me lembrar, não merecem a atenção de ninguém, é bom ter presente que aquele que foi o maior futebolista português de sempre, jogou no Arsenal Futebol Clube, no bairro de Mafalala,  no Sporting de Lourenço Marques, onde o Benfica o foi buscar por 250 contos, fazendo a sua brilhante carreira no clube da Luz. Na Selecção Nacional jogou sempre com a mesma alegria e empenho com que jogava no seu clube; mas os tempos eram outros. E os homens também. 
Quando o seu joelho começou a fraquejar, após a 5ª ou 6ª operação, e o Benfica deixou de precisar dele, o Eusébio, na ânsia de mostrar que ainda era o maior, foi ainda até ao Canadá, aos Estados Unidos e ao México onde foi campeão nacional.  Regressado a Portugal jogou no União de Tomar e no Beira Mar, onde alternou partes de jogos com o banco dos suplentes e humilhações não esperadas nem merecidas, marcando ainda assim mais alguns golos. Depois, o Benfica esqueceu-se que ele existia e que tinha necessidades, já que não ganhara durante a sua fabulosa carreira, o que jogadores de hoje, que tentam chegar-lhe aos calcanhares, ganham num mês, contabilizando juntos, golos e desodorizantes. Houve tempos em que Eusébio almoçava e jantava no Nobre, na Ajuda, porque atraía clientes que lá iam para, além de comer bem, trocar algumas palavras com ele e roçarem a intimidade de uma celebridade. Dizem que levava para casa refeições para a Família. Em 1980, alguém com vergonha e memória, e aqui o nome de Gaspar Ramos convém ser lembrado, o fez regressar à “sua casa” devolvendo-lhe a dignidade. Mas isto foi só um desabafo para provar a mim mesmo que ainda tenho memória, por mais incómoda que seja.
Um dia, quando escrever sobre os fugazes encontros que tive com pessoas conhecidas, não hei-de esquecer que almocei uma vez com o Eusébio. Lembro-me que estavam à mesa outros jogadores do Benfica como o Cruz, o Adolfo, o Malta da Silva, etc., que lhe chamavam “o nosso abono de família”, referindo-se aos prémios de jogo que os seus golos os faziam ganhar.   Quanto à grandeza deste Homem, alguém nos revelou que, poucos dias antes da sua morte, Eusébio mostrou o desejo de dar um abraço ao Artur Jorge, que perdera a sua filha Francisca na noite de Natal. De verdadeiro Rei!
Acham que um Homem assim merecia que alguém se lembrasse de retirar os cachecóis verdes e azuis da sua estátua, ou que o Dr. Marinho Pinto tentasse fazê-lo descer ao nível do inventor da AK 47?
Lisboa, 9 de Janeiro de 2014
Octávio Santos