quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Campanhã, Ermesinde, Paredes, Penafiel, Bustelo, Meinedo, Caíde de Rei, Oliveira, Vila Meã, Recesinhos, Livração, Marco de Canavezes, Juncal, Pala, Mosteirô, Caldas de Arêgos (Tormes), Mirão, Ermida, Porto Rei, Barqueiros, Rede, Caldas de Moledo, Godim, Régua, Covelinhas, Feirão, Pinhão e Tua...... hu... hu... pouca terra... pouca terra... pouca terra... pouca terra... pouca terra...



Eu no Tua e tu não estavas

Não é Tua não é Minho mas é de quem o apanhar.

O Tua é rio que não é meu, roubado ao Douro p’lo novo Muro

Tudo é novo e tecnológico, e um drone aponta-me à cara espantada

Que debita a sua deixa a um louco, para quem o Tua não é pouco

E rega com palavras adultas um bebé, como se fosse a única razão de estar em pé.

Ensonado e curioso parti do Oriente (não das Índias)

Olhando as palmeiras do Santiago Calatrava

Únicas resistentes ao imundo bicho que as devora com uma determinação quase humana

Penso que a alma dos homens tem a arquitectura daquelas altas, altas

Que nos ancoram ao chão, para as mantermos vivas ou para ajudarmos a destruí-las.

Uma seta que une a noite ao dia me despejou sem história na Campanhã

Que, pobre dela, seguindo as modas já viu privatizada a cagadeira

Com cinquenta cêntimos se passa o torniquete, e aliviado em vaso inoxidável

Ajudei ao lucro de empresário, que se merecer top ten da Exame, já vive do meu consumo

Ficando feliz em aumentar-lhe os proventos com a minha mijadela memorável,

Meu desconsumo e seu lucro.

Depois, até ao Bustelo, tens as Amadoras, os Rios de Mouro e as Odivelas do Norte

Tudo a cheirar a francesinhas com molho ou a entremeadas com batata frita Matutano.

Publicidade institucional
Todos os funcionários da CP, dos da bilheteira do Oriente aos que palmilham as coxias do Alfa e do Regional do Pocinho, são profissionais, delicados, risonhos e preocupados com os passageiros.

E finalmente o Douro à tua direita se a janela não for suporte de obra de arte moderna,

Que transforme a carruagem em vagão Jota de transporte animal

Liso como o tampo da minha mesa da casa de jantar

Com círculos concêntricos de peixes a saltar (não sei se vi uma lontra)

E só mais adiante, passando Tormes (sonhei com favas e literatura)

O tampo da mesa se enrugou e parecia a da casa do forno da minha Avó

Onde amassava o pão em cima dela e depois o deixava a crescer, a levedar

A caruma a acender, as vides a começar a crepitar, e os cheiros,

Os cheiros daquilo tudo que era bom,  os cheiros….

Dos companheiros de viagem, tantos e tão diversos

Só tirei uma selfie com uma Mulher triste e cansada, entrada nos anos

Que entrou na carruagem abraçada a um ramo de flores de pano

E com o Homem, sentado vis à vis, que sem mais aquelas

Lhe perguntou onde ia com aquele ramo de flores falsas.

São para o cemitério, que as frescas estão pela hora da morte

E não posso vir todas as semanas para as mudar, que rezar, lá isso, rezo todos os dias.

Fosse eu o morto, disse, e rogava-lhe uma praga por já nem merecer flores verdadeiras.

Tua, Tua, que não és do Minho mas da Terra Quente do Nordeste Transmontano,

Ou do Alto Douro Vinhateiro (qual dos nomes agradará mais à UNESCO?)

Tua, que esperas que o novo Muro te limpe as águas da miséria que do Cachão

Se juntam a ti como se fosses o vazadouro das escórias

Da arte de fabricar lixo, um dos poucos pontos não comuns a homens e outros animais.

Parei no Tua perdendo a Alegria, mas também Ferradosa, Vargelos, Vesúvio, Freixo de Numão

E Pocinho, estação terminal de uma viagem que só pode acabar mal

Enquanto de braço dado aos cinco estrelas com Spa, shiatsu e nova cozinha de contaminação

Conviverem tugúrios de tristeza para onde não desejo que vá viver

Nem a minha vizinha que fala alto às quatro da manhã por skipe p’ró Brasil.

Publicidade empresarial

No Tua, mesmo em frente da estação, o Calça Curta põe-te na mesa só coisas boas, do pão às azeitonas passando pelo tinto da casa. Tive pena de, após os filetes de polvo e as costeletas de borrego, não ter tido espaço para mais nada, à parte o café que até esse é bom. Enquanto durarem os trabalhos da barragem, aconselho mudem o nome para Calça Comprida, para satisfazerem a boa centena de comensais, nacionais e estrangeiros, que vi entrar para almoçar e sair com ar beato.

Não vi o Douro no Cachão da Valeira que engoliu o namorado da Dona Antónia

Um tal de escocês, Barão e de Forrester, Joseph James de seu nome

Fechei os olhos e vi-o a debater-se e a gritar por ela, my love, my love…

Ou pelo Vinho do Porto que nunca mais lhe passaria

Por aquela garganta que só servia agora para entrar  água.

E tive medo de estar ali sozinho sem a única bóia que me salvaria

A tua, em caso de naufrágio, derrocada, tornado ou pior desgraça.

Mas isso já é uma outra história (de amor foi a da semana passada)

Que de Tua tem tudo, de Minho não tendo nada.

Abraço.

Lisboa, 12 de Novembro de 2015
Octávio Santos